À
Luz da Ciência
Carlos
Vogt
I
Os
avanços do conhecimento, nos últimos anos, na área
da Neurociência, têm modificado, progressiva e profundamente,
os cenários que se desenharam ao longo do século XX,
em decorrência da possibilidade de uso de técnicas
e métodos que envolvem desde a genética molecular
até a sofisticação de imagens do cérebro
humano in vivo.
Compreender
a dinâmica do cérebro e de suas conexões com
as funções psíquicas, tanto em estado de normalidade
como em estados patológicos é, de modo geral, o objetivo
da Neurociência.
Pela
riqueza dos fenômenos envolvidos e pela complexidade de seu
objeto de estudo, entende-se que a Neurociência se caracteriza,
cada vez mais como campo do conhecimento eminentemente multidisciplinar
e, operacionalmente, multi-institucional.
No
Brasil, vários grupos de pesquisa se destacam e algumas iniciativas
de programas agregadores têm sido tomadas e buscam ser implementadas.
Uma
dessas iniciativas é a que se organiza em torno do Projeto
CInAPCe - Cooperação Interinstitucional de Apoio a
Pesquisas sobre o Cérebro - que visa à formação
de uma rede de grupos de pesquisa e laboratórios voltados
exatamente ao estudo da dinâmica cerebral normal e patológica.
Vários
grupos de pesquisa, de diferentes instituições, pretende-se
que participem ativamente do projeto que hoje está organizado
em duas linhas principais, a de Neurociência, propriamente
dita, e a de Técnicas, Tecnologias e Modelos.
Esta
segunda linha compreende as seguintes áreas temáticas,
com ênfase nas técnicas, nas tecnologias e nos métodos
que a Biofísica pode oferecer: ressonância magnética;
neurofisiologia; medicina nuclear; redes neurais, modelos teóricos
e simulações; instrumentação.
A primeira
linha, de Neurociência, compreende: epilepsia; doenças
neurodegenerativas; desenvolvimento e plasticidade; neuropsicologia/neuropsiquiatria.
II
Desse
modo, um dos focos do programa sendo a epilepsia, organizou-se também
um projeto voltado especificamente para o tema. Articulado, em nível
nacional e internacional com várias instituições
e organizações de saúde, o projeto ASPE- Assistência
e Saúde de Pacientes com Epilepsia - reúne profissionais
de diversas áreas do conhecimento e tem como objetivos principais,
como se pode ler no site http://www.aspe.hc.unicamp.br,
gerar procedimentos que melhorem a identificação e
o manejo de pessoas com epilepsia de área urbana de atendimento
primário à saúde já existente e com
a participação da comunidade, além de desenvolver
um modelo de tratamento integral da epilepsia que possa ser aplicado
em nível nacional.
O
projeto é, como diz o professor Li Li Min, da Unicamp, um
dos responsáveis por sua organização e coordenação,
uma adaptação das diretrizes da Campanha Global contra
Epilepsia - Epilepsia Fora das Sombras -, lançado em 1997
e liderada pela Organização Mundial de Saúde
(WHO), Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE) e Associação
Internacional dos Pacientes com Epilepsia (IBE).
Trata-se,
pois, de uma iniciativa para integrar o Brasil nos grandes movimentos
internacionais para tratamento da doença e que envolve, além
dos aspectos assistenciais de saúde, de metodologias de diagnóstico,
de técnicas de abordagem terapêutica, de formas de
apoio psicológico e social, pesquisas científicas
fundamentais em vários campos do conhecimento e o uso de
tecnologias avançadas para compreensão dos mecanismos
de funcionamento do cérebro humano, criando, por interação
necessária, áreas epistemológicas em que se
cruzam, convivem e se complementam a física, a biologia,
a medicina, as ciências sociais e as tecnologias de informação.
III
A epilepsia
tem sido, aliás, no Brasil, objeto de estudos de vários
e importantes grupos de pesquisa também do ponto de vista
farmacológico.
Um
desses grupos é o que se organiza, na Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp), em torno das pesquisas do professor
Ésper Cavalheiro (leia entrevista
com Ésper Cavalheiro) que desenvolveu, juntamente com o polonês
Lechoslaw Turski, um método experimental para o estudo das
lesões associadas ao mal epiléptico e que consiste
na administração de uma dose elevada de pilocarpina
para induzir em ratos o estado de excitação neuronal
que é conhecido como mal epiléptico.
A pilocarpina
é uma droga derivada da planta sul-americana Pilocarpus jaborandi,
utilizada como colírio no tratamento do glaucoma, sendo que
o jaborandi, conforme se pode ler em José Ribeiro do Vale,
A Farmacologia do Brasil, foi introduzido em Terapêutica em
1874, pelo médico pernambucano Sinfrônio Coutinho.
Por
outro lado, o jaborandi e o curare parecem ser, ambos no século
XIX, segundo especialistas, as duas únicas inovações
farmacêuticas do Brasil até há anos recentes.
De
qualquer modo, no domínio da Farmacologia para o tratamento
da epilepsia, o país tem avançado e na própria
Unifesp, apoiado pela Fapesp, um grupo de pesquisadores da equipe
do professor Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello (veja
artigo do pesquisador), do Laboratório
de Neurofisiologia, vem desenvolvendo um importante medicamento
a base de sais de escopolamina, substância usada para provocar
amnésia e que poderá contribuir fortemente para evitar
o surgimento da epilepsia pós-traumática, decorrente
de traumas provocados por fortes pancadas na cabeça.
Os
grupos de pesquisa da Unifesp, dada a sua importância científica
e relevância social de seus trabalhos, foram objetos de reportagem
de capa da revista Pesquisa Fapesp, no número 66, de julho
de 2001.
IV
Há,
pois, no país, um potencial muito grande para tirar a epilepsia
definitivamente das sombras, quebrando, de vez, o estigma social
que acompanha os pacientes, notáveis alguns, como o grande
escritor Machado de Assis, anônimos milhares, mas uns e outros,
em geral, escondidos em si mesmos, no segredo pesado de uma doença
que se dita, socializada, diagnosticada pode ser tratada e cujo
tratamento pode permitir, além do conforto físico
e espiritual do paciente, uma melhor compreensão dos intrincados
mecanismos de funcionamento de cérebro humano.
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