A
epilepsia e a físico-química cerebral
Não
existe um consenso sobre o que acontece no cérebro de uma
pessoa com epilepsia. Nas últimas décadas, houve
várias tentativas de se estabelecer uma teoria única
para os mecanismos básicos da doença, mas nenhuma
suficientemente bem sucedida. Atualmente, não se tenta
mais buscar uma tal teoria única. Na verdade, a epilepsia
não é uma doença específica, mas um
grupo de doenças, e é provável que as suas
diversas formas correspondem a diversos mecanismos diferentes.
Apesar
disso, sabe-se que as crises epilépticas consistem em descargas
elétricas fortes e anormais dentro do cérebro. As
primeiras evidências conclusivas dessa ligação
apareceram em 1870, quando Gustav Fritsch, Eduard Hitzig e David
Ferrier demonstraram que o estímulo elétrico do córtex
cerebral pode provocar convulsões em animais de laboratório.
Hughlings Jackson, pouco depois, sugeriu explicitamente a ligação
entre as crises epilépticas e descargas anormais e excessivas
no cérebro.
Essas
descargas podem permanecer localizadas ou propagar-se e atingir
vastas regiões do cérebro. No segundo caso, a pessoa
tem uma crise epiléptica. Não se trata, entretanto,
de descargas da mesma natureza da eletricidade que corre nos circuitos
dos aparelhos elétricos: as descargas envolvidas na epilepsia
têm a mesma natureza dos impulsos nervosos, ou seja, envolvem
variações na concentração de íons
(átomos dotados de carga elétrica) dentro e fora da
membrana dos neurônios.
A
natureza dos impulsos nervosos
Uma das funções da fina membrana celular, que envolve
todas as células, é permitir (ou bloquear) a passagem
de substâncias químicas, de acordo com as necessidades
do metabolismo celular. Entre essas substâncias encontram-se
diversos tipos de íons. Como possuem carga elétrica
positiva ou negativa, íons de cargas opostas tendem a alinhar-se
ao longo da membrana, de um lado e de outro dela, gerando uma tensão
elétrica através da membrana. No caso de um neurônio,
essa tensão está entre 60 e 70 milivolts.
O impulso
nervoso é causado por uma variação súbita
dessa tensão, causada por uma variação na concentração
de íons, principalmente potássio, concentrado dentro
do neurônio, e sódio, do lado de fora. A maior parte
dessa variação é causada pela transferência
de potássio para fora da célula. A tensão naquele
ponto do neurônio rapidamente volta ao normal, mas a variação
propaga-se ao longo do axônio (extensão do neurônio
que carrega o impulso nervoso), como uma onda. Essa variação
de tensão localizada propagando-se através dos neurônios
constitui o impulso nervoso.
As
extremidades dos prolongamentos (axônios e dendritos) dos
diversos neurônios conectam-se entre si - na verdade, não
chegam a conectar-se fisicamente; duas extremidades adjacentes permanecem
a uma certa distância entre si, sendo o pequeno espaço
entre elas chamado sinapse. Quando o impulso nervoso chega na extremidade
de um axônio ou dendrito, substâncias químicas
- os neurotransmissores - são liberadas dentro da sinapse.
Essas substâncias transmitem o sinal elétrico do impulso
para a célula adjacente, fazendo com que o impulso nervoso
seja transmitido de célula para célula.
Esses
fenômenos constituem a base físico-química do
pensamento, das emoções, da percepção
dos cinco sentidos e das sensações de calor, frio,
dor, etc.
Como
as descargas envolvidas nas crises epilépticas têm
a mesma natureza dos impulsos nervosos, tais crises dependem, portanto,
do equilíbrio entre substâncias químicas presentes
no sistema nervoso, notadamente dos neurotransmissores. Isso permite
o tratamento da epilepsia através de medicamentos que influem
no equilíbrio dessas substâncias.
(RB)
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