Educação
especial tenta afastar estigma da epilepsia
A pessoa
que tem epilepsia, além de sofrer com os problemas neurológicos
causados pela doença, pode ter que enfrentar, no decorrer
de sua vida, um obstáculo difícil de transpor: o de
ser socialmente estigmatizada. As eventuais convulsões ou
crises de um epilético geralmente assustam quem as assiste,
quando elas acontecem em um ambiente social como a escola, por exemplo.
E para a criança com epilepsia, sofrer o estigma chega a
ser pior que a própria doença.
Segundo
o presidente da Sociedade de Neurologia Pediátrica Mexicana,
Jesus Gómez-Placencia, em artigo publicado na revista Cérebro
& Mente, 75% dos pacientes epiléticos iniciam
suas crises antes dos 18 anos. Ele alerta para a importância
de se efetuar o diagnóstico o mais cedo possível,
para que se estabeleça o tratamento adequado, e para que
possam ser trabalhados os aspectos psico-sociais relevantes para
a reintegração do paciente a seu núcleo familiar,
escolar e social.
"Em
todos os países, a epilepsia representa um problema importante
de saúde pública, não somente por sua elevada
incidência, mas também pela repercussão da enfermidade,
a recorrência de suas crises, além do sofrimento dos
próprios pacientes devido às restrições
sociais que na grande maioria das vezes são injustificadas",
afirma o neurologista, que também é professor da Universidade
de Guadalajara, no México.
Um
caso exemplar
A escola Curumim, de Campinas (SP), tem mostrado que é possível
trabalhar a reintegração de um aluno com epilepsia
ao ambiente escolar, e que não há justificativa para
restrições sociais a quem sofre com a doença.
Em agosto de 1999, essa escola recebeu uma aluna com epilepsia.
Fernanda chegou traumatizada pelo estigma sofrido na escola onde
estudava anteriormente.
Em
1997, quando tinha 11 anos, ela começou a ter suas primeiras
crises. A princípio, os médicos diagnosticaram "idade
mental inferior", decorrente de "algum problema neurológico".
Quando verificou-se que esse problema neurológico era epilepsia,
Fernanda recebeu os medicamentos necessários para o controle
da doença. Porém, esses medicamentos lhe provocaram
graves alergias. Em função disso, ela ficou internada
por 25 dias no hospital, quase perdeu os rins e chegou a receber
a extrema-unção. Os médicos conseguiram controlar
a situação, mas Fernanda perdeu o ano na escola. Quando
voltou às atividades, enfrentou o problema da não
aceitação: os colegas de classe riam de suas crises
e os professores usavam-nas como alegação para não
trabalhar com a aluna.
Na
escola Curumim, o começo do trabalho com a aluna, no segundo
semestre da 5ª série e na 6ª série, foi
bastante difícil, segundo conta a coordenadora pedagógica,
professora Rina Kátia Cortez. Devido ao trauma sofrido na
escola anterior, a aluna tinha resistência a fazer atividades
que a deixassem em situação de exposição,
como as leituras em classe ou as aulas de educação
física. Além disso, ela própria implicava muito
com os colegas, dificultando as relações. "O
trabalho de inclusão social começava por ela",
afirma Rina. A professora diz que, devido ao trauma, não
podiam tratá-la com firmeza, mas tinham que fazer combinações
com ela. Na aula de educação física, pediam
a princípio que ela participasse por 5 minutos. Depois, a
participação foi aumentando gradativamente: 10 minutos,
15 minutos e assim por diante. Com os avanços e os elogios,
a aluna passou a adquirir aos poucos auto-confiança.
Ao
final da 6ª série, Fernanda estava bastante defasada
em duas disciplinas, em relação aos colegas. Mas a
proposta da escola foi que ela seguisse com o grupo, e por isso,
a aluna passou para a 7ª série. As aulas de história,
passou a assistir com a 5ª (tinha dificuldade em entender a
linha do tempo), e as de matemática, com a 6ª. Todas
as outras aulas, ela continuava assistindo com o mesmo grupo com
o qual convivia, desde que chegou na Curumim. A coordenadora pedagógica
conta que a turma teve uma participação importante
em sua reintegração social. "O tempo todo, falamos
com os alunos sobre o caso dela", diz. "Eles teriam que
saber lidar com os momentos de crise".
|
Colegas
da turma de Fernanda tiveram participação importante
na inclusão, diz coordenadora. Crédito: Curumim |
Segundo
Rina, devido ao fato de Fernanda não poder tomar os medicamentos
para controle da doença, por causa da alergia, ela sempre
teve crises, inclusive em sala de aula. Às vezes, eram crises
rápidas e só percebidas quando ela se queixava de
dores de cabeça. Mas algumas vezes, a crise era generalizada.
A pior delas, conta a coordenadora, aconteceu em 2001. Um dia, na
aula de matemática, quando Fernanda estava tendo acompanhamento
com a professora, começou a crise e ela chegou a cair no
chão e bater na mesa. Pegaram um colchão às
pressas, onde a colocaram. Rina afirma que Fernanda ainda se debateu
por 15 minutos com a cabeça em seu colo. Ao voltar a si,
sua preocupação era saber quem tinha visto sua crise.
"Ela dizia: 'eu fiz de novo', 'eu tive tique-tique'",
conta a coordenadora.
De
fato, todos os seus colegas viram a cena e ficaram bastante impressionados,
passando a se preocupar mais com ela. Além de não
ridicularizarem Fernanda, como faziam os colegas da escola anterior,
eles ajudaram muito em seu processo de inclusão. Rina diz
que a aluna chegava a pedir avaliação especial para
ela, e seus colegas diziam: "Não é preciso uma
prova especial. Isso a gente sabe que você pode fazer".
A coordenadora pedagógica diz que atualmente Fernanda, que
tem 14 anos, está bem e feliz. "Ela ajuda a professora
da educação infantil. Adora crianças",
conta. "E foi a que mais vendeu bingo na festa junina da escola,
que aconteceu no dia 22 de junho", comemora.
|
Pais
e alunos se divertem na festa junina
Crédito: Curumim
|
O exemplo
da escola Curumim mostra que é possível, mesmo que
seja difícil, trabalhar com alunos especiais em uma escola
regular. Além da Fernanda, com epilepsia, a escola tem alunos
com autismo, síndrome de Down, surdez e hidrocefalia, entre
outros. Segundo a coordenadora pedagógica, o conteúdo
das disciplinas é adaptado para as condições
do aluno. Ela diz que a escola consegue trabalhar a inclusão
social aliando-a à pedagogia da diversidade, proposta pelo
pedagogo francês Freinet,
a qual tenta valorizar o diversificado talento individual de cada
aluno. "Diferentes, todos nós somos", filosofa
Rina.
Educação
Especial
Nos últimos anos, o Ministério da Educação
(MEC) vem tentando mudar o tratamento dado aos alunos especiais
no ensino de base. Antes, havia escolas especiais para esses alunos.
Agora, existem adaptações
curriculares, estipuladas pelo MEC, que integram os Parâmetros
Curriculares Nacionais e têm como meta a inclusão social
e a integração de alunos especiais em escolas regulares.
A princípio, as escolas estaduais e municipais viram a medida
como uma incômoda imposição, e algumas chegavam
a ligar para o Ministério perguntando se havia alguma lei
que garantisse o direito da escola de não aceitar um aluno
especial.
"Hoje,
a resistência ainda existe, mas está acabando",
diz a secretária de Educação Especial do MEC,
Marilene Ribeiro dos Santos. "E essa resistência não
é porque as escolas não querem o aluno especial, mas
porque não sabem como trabalhar com ele", afirma. Segundo
a secretária, o MEC investe na capacitação
de professores, para que eles possam trabalhar as necessidades especiais
de cada aluno em sala de aula. "Não é preciso
uma super-especialização para se conseguir a inclusão
social", declara.
(RC)
|