Campanha pretende melhorar tratamento
A Campanha
Global contra a Epilepsia é uma iniciativa conjunta da Organização
Mundial de Saúde, da Liga Internacional Contra Epilepsia
e da Associação Mundial de Pacientes com Epilepsia
(OMS, ILAE e IBE, respectivamente), para trazer a epilepsia para
"Fora das Sombras," visando a melhorar o diagnóstico,
tratamento, prevenção e a aceitação
social dessa doença, através de esclarecimento, educação
e desestigmatização da epilepsia.
A campanha
mundial Driving Epilepsy out of the Shadows foi formalmente
lançada em Genebra e Dublin durante o 22º Congresso
Mundial de Epilepsia, em 1997, para informar que epilepsia não
é contagiosa e nem deve necessariamente ser associada a doença
mental. A campanha refere-se também ao fato de que a maioria
dos pacientes, profissionais de diferentes áreas, oculta
a doença.
A epilepsia
quando não é tratada pode levar à morte, porém
seu tratamento é relativamente fácil e barato, desde
que o diagnóstico seja feito precocemente e o acompanhamento
médico seja apropriado. Este é justamente um dos maiores
problemas concernentes à epilepsia, pois, apesar dos avanços
científicos na compreensão do problema serem grandes,
o acesso ao tratamento continua sendo extremamente desigual e está
muito aquém do que seria desejável.
Por
isso, a Campanha desenvolve projetos em diversos locais do planeta
com o objetivo de melhorar a identificação e o manejo
dos pacientes com epilepsia, incrementando a participação
da comunidade e criando um modelo de tratamento integral que possa
ser aplicável globalmente.
O Brasil
foi encampado pela Campanha Global, através de um projeto
demonstrativo que está começando a ser implantado
nas cidades de Campinas e São José do Rio Preto, no
interior do estado de São Paulo. Para que esse projeto começasse
a ser desenvolvido foi criada uma ONG (organização
não governamental) que também tem o intuito de centralizar
as ações da Campanha Global aqui no Brasil, a Assistência
à Saúde do Paciente com Epilepsia (Aspe, ver texto
mais
detalhado sobre este assunto nesta edição).
As
atividades da Campanha incluem:
- Incentivar
o desenvolvimento de políticas nacionais contra a epilepsia.
- Estimular
a conscientização sobre as necessidades das pessoas
com epilepsia.
- Estabelecer
projetos demonstrativos que sustentem práticas a serviço
das pessoas com epilepsia.
- Treinar
pessoal da saúde dentro das áreas estratégicas
escolhidas (veja reportagem nesta edição).
- Assegurar
que os medicamentos antiepilepsia estejam disponíveis (veja
reportagem nesta edição).
- Assegurar
que a maioria das pessoas com epilepsia recebam tratamento adequado.
- Dar
particular atenção às necessidades dos jovens
com epilepsia, de modo que eles estejam aptos a freqüentar
a escola.
- Reduzir
o estigma da epilepsia e quando for necessário, ajudar
a mudar a legislação discriminatória contra
as pessoas com epilepsia (veja reportagem
nesta edição).
- Capacitar
as pessoas com epilepsia e seus familiares visando habilitá-los
a melhorar suas condições de vida.
- Dar
suporte aos grupos que trabalham em benefício das pessoas
com epilepsia, e aonde estes grupos ainda não existirem,
providenciar sua instalação.
O documento
"ILAE/IBE/WHO - Global Campaign against Epilepsy"
(2001), diz que é alarmante que milhares de pessoas continuem
morrendo em países em desenvolvimento, da mesma forma como
acontecia há séculos. A incidência da doença
nos países em desenvolvimento é bem maior do que nos
países desenvolvidos, conforme pode ser visto no gráfico
a seguir, que demonstra que a epilepsia afeta cerca de 50 milhões
de pessoas no mundo, dos quais, 40 milhões vivem em países
em desenvolvimento.
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Países
desenvolvidos
Países subdesenvolvidos
Total
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A alta
ocorrência deste fenômeno nos países mais pobres
sugere que existem causas peculiares para isso nestas regiões.
Doenças infecciosas e parasitárias como a malária,
meningite e a neurocistecircose, são enormes fatores de risco
para a epilepsia.
Dos
distúrbios mentais graves, a epilepsia é o mais comum,
afetando pessoas de todas as idades, etnias e classes sociais. Estima-se
que estes distúrbios sejam responsáveis por causar
a perda de 11% dos dias úteis de trabalho em todo o mundo.
A epilepsia sozinha contribui com 1% do total dos dias perdidos,
o que gera grande impacto negativo na economia, sobretudo nas regiões
subdesenvolvidas.
Durante
o ano de 2001, a Organização Mundial de Saúde
(OMS), usando tribunas como o "Dia Mundial da Saúde"
e a "Assembléia Mundial da Saúde", chamou
a atenção da opinião pública sobre o
assunto, ao expressar que a Organização e seus Estados
Membros se comprometiam a assumir plenamente e sem restrições
suas responsabilidades neste âmbito da saúde pública.
A mensagem foi clara e inequívoca: "A OMS, na qualidade
de principal organismo mundial dedicado à saúde pública
e à saúde mental, tem a missão e a obrigação
de velar para que a ciência e a razão prevaleçam
sobre a ignorância, a superstição e o estigma."
Consultado
sobre a atuação do governo brasileiro nessa área,
o coordenador da área de saúde mental do Ministério
da Saúde (ASTEC/SAS/MS), Pedro Gabriel Delgado, informou
que o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de
Saúde se reuniram para definir formas de apoio a Campanha
Global promovida pela OMS. Segundo ele, está sendo elaborado
um programa de capacitação de multiplicadores a ser
aplicado a profissionais da rede básica de saúde.
A
dimensão social da epilepsia
A
epilepsia é um distúrbio do cérebro que se
expressa por crises epilépticas repetidas, decorrentes de
inúmeras causas, detectáveis ou não. Uma delas
é a neurocisticercose, que significa a presença, na
carne, da larva da Taenia solium, cujo hospedeiro intermediário
é o suíno, sendo hospedeiro definitivo o homem, que
uma vez infectado pelos ovos, desenvolve cisticercos nos tecidos
que podem atingir o cérebro.
A
cisticercose
A
cisticercose é uma infecção que se produz
como decorrência de ingestão de ovos de um parasita,
a Taenia solium. Ela surge se origina quando o embrião
ingressa, através do tubo digestivo, na corrente sangüínea
e se espalha pelo organismo até se hospedar em algum
órgão. Os mais freqüentes são o
cérebro (neurocisticercose), os músculos e a
retina do olho e, em menor medida, a região sob a pele
e os ossos.
Quando
os cisticercos se hospedam no cérebro, o organismo,
pela reação imunológica natural, pode
reabsorver o quisto em qualquer uma de suas instâncias:
antes, durante ou depois de estabelecido. Se, através
dos anticorpos, consegue "quebrá-lo" e calcificá-lo,
os efeitos são minimizados. Caso isso não aconteça,
o parasita se enquista, forma uma vesícula (cada uma
delas contem um embrião, uma larva da Taenia solium)
e pode ficar latente vários anos, sem originar complicações
na pessoa. O aparecimento de sintomas depende da quantidade
de vesículas (quanto maior for a quantidade de embriões
que atinjam o cérebro, maior será a quantidade
de quistos futuros), da quantidade de agente infectante que
contenham e da sua localização.
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O professor
do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da
UFBA, Antônio de Souza Andrade Filho, explica que a neurocisticercose
é uma parasitose típica de regiões em desenvolvimento,
associada a precárias condições de higiene
e saneamento básico. Encontra-se difundida mundialmente,
alcançando extrema importância no perfil socioeconômico
das regiões acometidas, uma vez que 75% dos pacientes apresentam-se
em plena idade produtiva.
Em
artigo publicado no periódico Arq Neuropsiquiatr, Trevisol-Bittencourt,
Silva e Figueiredo relatando pesquisa feita na UFSC, dizem que a
neurocisticercose - expressão usada para designar a infecção
do sistema nervoso pelo Cysticercus cellulosae - é, muito
provavelmente, a principal responsável pela elevada prevalência
de epilepsia no Brasil. Constatando que em diversas áreas
do país, possui um caráter endêmico, o que gera
grande dispêndio financeiro para um enfrentamento das diversas
complicações neurológicas relacionadas a ela,
afirmam que a região sul do Brasil, por suas peculiaridades
sócio-econômicas, com a suinocultura disseminada, é
considerada pelo Ministério da Saúde como uma área
de alto risco.
Os
dados coletados em Chapecó, principal cidade do oeste de
Santa Catarina, mostram que a despeito desta região sediar
agroindústrias de projeção internacional, a
cisticercose grassa endemicamente na área. Um controle deste
flagelo terceiro mundista poderia ser obtido com a difusão
de mensagens educativas, em linguajar apropriado, para uma sensibilização
de toda a população que vive naquela região.
Além disso, todos aqueles indivíduos envolvidos em
suinocultura, independentemente de como esta seja classificada,
deveriam ser objeto de atenção especial, sugerem os
pesquisadores.
"Não
há, porém, estudos confiáveis que indiquem,
qual é a real contribuição das lesões
causadas pela neurocisticercose para a causa da epilepsia no Brasil.
Para que se possa determinar com razoável grau de certeza
esta correlação, é necessário que se
determine com exatidão quais áreas cerebrais foram
afetadas", explica o professor Aldo von Wangenheirn da UFSC.
Segundo
ele afirma em reportagem da revista de jornalismo científico
do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina,
essa é uma tarefa complicada efetuada por meio da inspeção
visual de material radiológico ou pela utilização
de softwares encontrados nas estações de trabalho
radiológicas. Por isso, a meta da sua equipe de pesquisadores
é substituir a lupa e o negastocópio (aparelho para
observação dos negativos ou chapas radiográficas)
pelo computador. Para tanto, vêm investindo no desenvolvimento
de um método de visão computacional para identificação,
contagem, mensuração e localização de
calcificações relacionadas a neurocisticercose em
imagens de Tomografias Computadorizadas de Cérebro.
Os
estudos vêm sendo desenvolvidos através de um trabalho
conjunto do Departamento de Informática e de Estatística
da UFSC com o Grupo de Sistemas Baseados em Conhecimento da Universidade
de Kaiserslautern e a Clínica Radiológica Budedenbrock,
Blasinger e Benz, da Alemanha, e o Ambulatório de Epilepsia
de Florianópolis.
"Nossa
meta é viabilizar a elaboração de estatísticas
confiáveis acerca da participação da neurocisiticercose
na origem da epilepsia secundária no Brasil e em outros países.
A comprovação das hipóteses será argumento
decisivo para o incentivo a campanhas de informação
e de saneamento básico, medidas simples que poderiam evitar
diversos casos de epilepsia no país," ressalta o professor.
Outro
exemplo da gravidade deste problema é o estado de Roraima,
localizado ao norte do país, integrante da Amazônia
Brasileira e formado por quinze municípios com uma população
de 247.724 habitantes. Segundo o resumo da pesquisa de Lemes de
Campos (BVS/Escola Nacional de Saúde Pública), "a
população suína do Estado é estimada
em 65.000 animais, criados na sua maioria com baixo grau de tecnologia,
soltos no campo e alimentados com frutas, pastagens, legumes e restos
de comida. No estado, não há frigorífico que
abata suínos para a comercialização da carne
in natura, sendo consumida a carne proveniente de abatedouros clandestinos
(sem inspeção sanitária) ou de frigoríficos
de outros estados (com inspeção sanitária).
Na capital do estado, Boa Vista, o índice de saneamento básico
(esgoto) é de 13,13%; nas cidades do interior não
há esse serviço."
"A
investigação epidemiológica da doença
em humanos e animais no estado, com o tratamento dos doentes; o
incentivo para que se construa abatedouros dentro das normas higiênico-sanitárias
com o serviço de inspeção no abate de suínos;
a orientação técnica para criadores de suínos;
a fiscalização de hortas e pomares com exames laboratoriais
da água para irrigação; o aumento da rede de
esgoto no estado; a conscientização do consumidor
para que só adquira produtos de boa qualidade para consumo;
campanhas educativas de medidas higiênicas básicas
e distribuição de vermífugo para a população,
entre outras medidas, contribuirão muito para que a cisticercose,
quando notificada, seja de fácil controle pelas autoridades
de saúde", analisa Lemes de Campos.
Para
Paulo César Bittencourt, do Departamento de Neurologia da
Universidade Federal de Santa Cataria (UFSC), o Brasil deverá
se tornar um dos principais fornecedores de alimentos para o mundo
e tem que tomar medidas para combater a doença. "O interesse
internacional pelos produtos das nossas agro-indústrias aumentará
substancialmente quando este flagelo terceiro-mundista for banido
destas bandas. Erradicar cisticercose e suas diferentes apresentações
do Brasil é algo exequível, bastando a decisão
política para seu enfrentamento eficaz. Nossas autoridades
deveriam ter em mente que pelo menos um quarto da população
epilética nacional tem na neurocisticercose sua origem",
diz.
Além
dessas ações, ganham relevância no combate à
epilepsia, que tem se tornado um assunto de fundamental importância
para a saúde pública, um conjunto de temas que envolvem
o saneamento básico, quais sejam, o abastecimento de água,
esgotamento sanitário, coleta e destinação
final do lixo, dentre outros, todos temas eminentemente urbanos
e de prioridade indiscutível em um país como o Brasil.
Saneamento
como prevenção
É
a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão
executivo do Ministério da Saúde, que tem a missão
de ser uma agência de excelência em promoção
e proteção à saúde, mediante ações
integradas de educação e de prevenção
e controle de doenças visando à melhoria da qualidade
de vida da população.
A Funasa
atua de forma descentralizada, com uma Coordenação
Regional em cada estado, com estrutura técnico-administrativa
para promover, supervisionar e orientar as ações de
prevenção e controle de doenças e de engenharia
de saúde pública. Direcionando as ações
de saneamento para as comunidades cujos indicadores de saúde
denotam a presença de enfermidades causadas pela falta e/ou
da inadequação de saneamento.
Entre
1995 e 1999, a Funasa investiu R$ 890,64 milhões em saneamento
no país, alcançando 3.500 municípios brasileiros,
sendo que mais de 80% desses municípios possuem população
menor que 30 mil habitantes. Essas ações compreenderam
o fornecimento contínuo de água de boa qualidade para
o consumo humano, coleta regular, acondicionamento e destino final
adequado do lixo e esgotamento sanitário.
Apesar
dessas ações de saneamento em saúde, que contribuem
para a redução e controle de várias doenças,
dentre elas a cisticercose, muito ainda precisa ser feito pois,
de acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico,
realizada pelo IBGE em 2000, dos 5.471 municípios existentes
no país, apenas 1.814 têm 100% de domicílios
com lixo coletado e 247 não possuem sequer área para
a disposição final dos resíduos de coleta de
lixo.
A pesquisa
mostra também que, de um total de 9.848 distritos das grandes
regiões metropolitanas e municípios das capitais,
5.751 não possuem rede coletora de esgoto. Dentre os 4.097
distritos que têm coleta de esgoto, 2.714 não dispõem
de tratamento do esgoto sanitário. Desses distritos, 1.192
não têm rede geral de abastecimento de água
e em 5.428 distritos não existe flúor na água
distribuída.
(MP)
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