Ocorrência de epilepsia é maior no Terceiro Mundo
Portadores
de epilepsia sofrem com o estigma, o preconceito, a vergonha e o
medo do desconhecido. A epilepsia é uma doença cerebral
caracterizada por convulsões, que vão desde as quase
imperceptíveis até aquelas graves e freqüentes.
A Organização Mundial da Saúde estima que cerca
de 50 milhões de pessoas no mundo são portadores de
epilepsia, sendo que destas, 40 milhões estão em países
subdesenvolvidos. Apesar desse cenário alarmante, a organização
afirma que 70% dos novos casos diagnosticados podem ser tratados
com sucesso, desde que a medicação seja usada de forma
correta.
A despeito
do progresso da ciência, descobrindo novos tratamentos e melhorando
os já existentes, a solução para as elevadas
taxas de epilepsia nos países do Terceiro Mundo está
muito além dos laboratórios farmacêuticos. Trata-se
de um problema de saúde pública. Além disso,
o custo cumulativo de determinadas drogas utilizadas faz com que
muitos pacientes dos países subdesenvolvidos abandonem o
tratamento.
Os
tipos de epilepsia mais freqüentes nos países do Terceiro
Mundo são aqueles relacionados às condições
precárias de higiene, falta de saneamento básico,
atendimento médico insuficiente e de baixa qualidade e problemas
nutricionais. A alta incidência, sobretudo nas áreas
rurais, de portadores de epilepsia causada por neurocisticercose
é uma fato que denuncia a baixa qualidade de vida da população
dos países em desenvolvimento.
Outras
formas de propagação da epilepsia características
dos países subdesenvolvidos, podem não estar necessariamente
relacionadas a doenças infectoparasitárias (como é
o caso da cisticercose), mas também se manifestam na população
em função de condições propícias
existentes no Terceiro Mundo, como no caso dos portadores de epilepsia
causada pela hipertensão arterial ou por acidente vascular
cerebral.
Acredita-se
que pelo menos 25% dos pacientes com epilepsia no Brasil são
portadores em estágios mais graves, ou seja, são pessoas
com tendência para uso de medicamentos específicos
por toda a vida, não sendo raros os casos de necessidade
de intervenção cirúrgica. Entre estes, estão
os casos mais extremos para os quais a medicação apenas
reduz a expressão da epilepsia, sendo as crises freqüentes
e incontroláveis. No Brasil, existem somente seis centros
de tratamento cirúrgico para epilepsia aprovados pelo Ministério
da Saúde. Três estão situados no estado de São
Paulo, um no estado de Goiás, um no Paraná e outro
no Rio Grande do Sul. Segundo dados do Ministério da Saúde,
os gastos com cirurgias em 2002 deverão estar próximos
de R$ 5 milhões.
A epilepsia
é o mais comum dos distúrbios neurológicos.
O Ministério da Saúde não possui dados para
afirmar o número de portadores da doença no Brasil.
Trabalhos nesse sentido são caros e sujeitos a desvios, que
podem ocorrer tanto por desconhecimento como por vergonha do entrevistado.
É comum as famílias esconderem seus casos, tentando
fugir assim de preconceitos e estigmas negativos (veja reportagem
nesta edição). Estima-se que o número de portadores
alcance 5 milhões na América Latina e no Caribe.
As
dificuldades nos países subdesenvolvidos
A
epidemiologia indica a distribuição de uma determinada
doença em uma população. Os dados epidemiológicos
são importantes para medidas preventivas e planejamento de
ações de saúde pública. Porém,
existem dificuldades para a realização de estudos
epidemiológicos, principalmente nos países subdesenvolvidos.
Além disso, resultados obtidos variam muito de um país
para outro, ou até entre as regiões de um país.
Essas diferenças podem ocorrer devido aos métodos
utilizados para o estudo, ou mesmo devido à características
do próprio local de coleta. Algumas vezes, as diferenças
impedem que os dados de um lugar sejam comparáveis com os
de outras localidades.
Principais
dificuldades para as pesquisas epidemiológicas nos
países subdesenvolvidos:
- Altos
níveis de analfabetismo dificultam a aplicação
de questionários
- Falta
de dados demográficos básicos, muito importantes
para esse tipo de estudo
- Falta
de pessoas treinadas para a coleta dos dados junto à
população
- No
caso da incidência relativamente baixa da doença,
são necessários levantamentos com um número
maior de pessoas do que quando se estudam doenças
mais comuns, como por exemplo hipertensão ou diabetes.
|
Fazendo
uma comparação entre países desenvolvidos e
países em desenvolvimento temos: 40 a 50 casos em 100 mil
habitantes nos primeiros e cerca de 122 a 190 casos em 100 mil pessoas
nos demais. Assim, as chances de que alguém que vive nos
países subdesenvolvidos seja portador da epilepsia é
quatro vezes maior.
Perguntado
sobre o porquê do Terceiro Mundo apresentar índice
maior da doença, Cícero Galli Coimbra, do Departamento
de Neurologia da Unifesp, afirma que baixos níveis sócio-econômicos
favorecem a ocorrência de fatores desencadeantes. A má
nutrição eleva a ocorrência de infecções
e febre, e a febre alta pode provocar convulsões em crianças
com idade entre 6 meses a 5 anos. A febre pode ser o fator desencadeante
das crises epiléticas, ocorrendo em cerca de 5% dos casos
nos países em desenvolvimento, mas na África esse
número pode chegar a 30%, devido à má nutrição
de alguns povos daquele continente. Existem muitos riscos relacionados
à ocorrência de febre, que pode causar lesões
permanentes no cérebro e tornar as crianças permanentemente
suscetíveis a crises epiléticas.
Epilepsia
no mundo
"Segundo
o Banco Mundial, os problemas de saúde mental/neurológica
representam cerca de 8.1% dos gastos com saúde no mundo,
sendo que a epilepsia contribui com 9.3% desse total", conclui
Coimbra.
Taxas
de Incidência (casos por ano para cada 1000 habitantes) |
Índia |
2.5 |
Líbia |
2.3 |
Reino
Unido |
4.2 |
Colômbia |
19.5 |
Chile |
17.7 |
Taxas
de incidência referem-se ao número de casos
novos em um determinado momento. |
|
Já
para Paulo César Bittencourt, do Departamento de Neurologia
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a epilepsia acomete
mais a população de países em desenvolvimento
porque neles algumas causas são mais comuns: "cistircercose,
traumas de crânio e doenças febril/infecciosas na infância".
"A cistircercose é a principal causa de epilepsia no
Brasil", afirma Bittencourt. Certamente campanhas educativas
contribuiriam decisivamente para o seu controle/erradicação.
"Recordo que a ancilostomíase ('amarelão') era
uma doença vulgar entre nós até que o advogado
Monteiro Lobato escreveu a historinha do Jeca Tatu. Essa era veiculada
no almanaque do Biotônico Fontoura e ensinava as pessoas,
usando um linguajar simples, como evitar aquela infecção.
Com a cisticercose aconteceria o mesmo impacto; pena que não
tenhamos mais nenhum Monteiro Lobato entre nós".
Taxas
de Prevalência (casos para cada 1000 habitantes) |
Islândia |
25 |
Itália |
33 |
Equador |
122-190 |
Chile |
113 |
Taxas
de prevalência referem-se à população
em sofrimento. |
|
Segundo
ele, a percepção da gravidade da neurocisticercose
no Brasil, serve para ilustrar a fragilidade da nossa medicina preventiva.
"Minúsculos doutores, esquivando-se de 'fazer o dever
de casa', emprestaram enorme colaboração a esta peste
do subdesenvolvimento", acusa ele.
Distribuição
Geográfica
|
Países
Desenvolvidos:
Taxas de incidência oscilam em torno de 50 casos para 100.000
habitantes.
Países Subdesenvolvidos: Acredita-se que a taxa seja pelo menos
o dobro (para as crises epilépticas recorrentes e não provocadas).
Epilepsia Ativa:
É menor nos países asiáticos, africanos e desenvolvidos (cerca
de 400 a 800 casos por 100 mil habitantes).
É maior nos países sul americanos (cerca de 1000 ou mais casos
por 100 mil habitantes). |
Coimbra
também afirma que, sem dúvida, uma campanha para conscientizar
a população sobre a epilepsia, amenizaria o sofrimento
de uma grande porcentagem daqueles que convivem com o desconhecimento
e o preconceito: "É muito importante mostrar para a
população os riscos relacionados à ocorrência
de febre, alertar para a importância do pré-natal e
de melhor assistência durante o parto, cuidados que reduziriam
as ocorrências de lesões cerebrais. Seria igualmente
importante aumentar a atenção com a nutrição
infantil". "Além disso, seria desejável
investir no esclarecimento aos pequenos produtores rurais, em especial
a suinocultura, que leva à ocorrência de neurocisticercose".
Internações
hospitalares causadas pela epilepsia no Brasil
|
Ano
|
Total
de pacientes
|
Relação
|
1991
|
45.537
|
62/100
mil
|
1992
|
44.078
|
59/100
mil
|
1993
|
41.399
|
54/100
mil
|
|
A porcentagem
de pacientes que não recebem tratamento chega a 70% no Brasil,
explica o Coimbra, quer por falta de diagnóstico ou para
evitá-lo e assim deixar de assumir a sua condição.
Essa situação pode ser comprovada com os dados mostrados
na tabela abaixo, mas vale salientar que não refletem a verdadeira
situação do Brasil, pois referem-se a regiões
brasileiras com altos índices de desenvolvimento.
Distribuição
de medicamentos pelo governo em cidades brasileiras (através
do SUS) - 2000 |
Cidade
|
Pacientes
que recebem medicamentos
|
Campinas
|
55%
|
São
José do Rio Preto
|
60%
|
|
(JS
e LO)
|