Iscia
Lopes-Cendes
Epilepsia
é uma das condições neurológicas mais
comuns, ocorrendo em aproximadamente 1 a 1.5% da população
geral [1]. A Classificação das
Epilepsias e Síndromes Epilépticas, proposta pela
ILAE (International League Agaisnt Epilepsy) divide as epilepsias
em idiopáticas, sintomáticas e criptogênicas
[2]. O grupo das epilepsias idiopáticas
corresponde a aproximadamente 50% do total das epilepsias humanas
[1]. É nas epilepsias idiopáticas
que a predisposição genética se apresenta de
maneira mais marcada. Inicialmente, acreditava-se que as epilepsias
idiopáticas generalizadas apresentavam um forte componente
genético, mas que as epilepsias parciais eram predominantemente
causadas por fatores ambientais. Foram os estudos clínicos
e eletrencefalográficos realizados por Andermann que chamaram
a atenção para o envolvimento de fatores genéticos
também nas epilepsias parciais [3,4].
Mais recentemente, com a identificação de síndromes
especificas de epilepsia parcial familiar [5-7]
os estudos de genética molecular das epilepsias idiopáticas
parciais tomou novo impulso [8-10].
Estudos
de epidemiologia genética
Desde os primórdios da medicina muito se tem especulado sobre
a base genética das epilepsias [3,4].
Nos anos 50 e 60 vários estudos epidemiológicos demonstraram
as primeiras evidências científicas para uma predisposição
genética nas várias formas de epilepsia [11-13].
Nesses trabalhos se observou que o risco de desenvolver epilepsia
era de 1.5 a 5 vezes maior nos indivíduos com antecedente
familiar da doença do que na população geral
[14, 15]. Observou-se também em vários
estudos que o risco para familiares de pacientes com epilepsia generalizada
idiopática era aproximadamente 2 vezes maior do que o risco
para indivíduos com história de epilepsia parcial
[16-18].
Estudando
mais de perto o tipo de fator genético envolvido na susceptibilidade
para epilepsia, Lennox, em 1951 [11], e Inouye,
em 1960 [17], demonstraram que a concordância
clínica entre gêmeos monozigóticos, quando comparada
com a concordância em pares dizigóticos, sugere a presença
de um fator genético importante, mas demonstra também
que o modelo de herança não é monogênico.
Nos
anos 70, Andermann [14] propôs o modelo
multifatorial para as epilepsias, no qual fatores genéticos
e ambientais interagem na determinação dos riscos
de recorrência familiar da doença. Atualmente, as epilepsias,
particularmente as idiopáticas, são vistas como doenças
complexas do ponto de vista da herança genética [18].
Outros exemplos de doenças geneticamente complexas são:
diabetes juvenil, hipertensão e doenças psiquiátricas
como a esquizofrenia e a psicose maníaco-depressiva [19].
As doenças complexas são definidas como condições
nas quais a correspondência entre o genótipo e fenótipo
não é completa. Vários fatores são responsáveis
pela "complexidade" dessas doenças, entre eles:
penetrância incompleta, presença de fenocópias,
heterogeneidade genética, herança poligênica
ou multifatorial e alta prevalência na população
geral [19-21].
A genética molecular e o estudo das epilepsias
Com os avanços recentes da biologia molecular as teorias
sobre genes implicados na transmissão das epilepsias poderão
ser finalmente comprovadas experimentalmente.
Existem
duas estratégias básicas para se localizar genes que
causam doenças:
a) O teste de genes candidatos relacionados com a alteração
metabólica ou os mecanismos fisiopatológicos da doença.
b) A clonagem posicional realizada sem o conhecimento a priori das
alterações metabólicas e/ou processos fisiopatológicos
de base. Essa última estratégia utiliza técnicas
de manipulação do DNA visando ao mapeamento genético.
A utilização das técnicas de clonagem posicional
tem resultado em inúmeros sucessos no mapeamento genético
das doenças neurológicas, cujos mecanismos são
complexos e pouco conhecidos. As epilepsias são um bom exemplo
dessa categoria de doenças.
Progressos recentes no mapeamento e identificação
de genes implicados nas epilepsias
Com o uso combinado das duas estratégias para a localização
e identificação de genes implicados em doenças
humanas (estudo de genes candidatos e clonagem posicional) vários
loci para diferentes formas de epilepsia humana já
foram localizados e alguns genes identificados. Como esperado, a
maior parte das epilepsias mapeadas até o momento mostra
uma herança genética Mendeliana clássica (autossômica
dominante ou recessiva) ou são doenças degenerativas
com alterações bioquímicas conhecidas cujos
genes já haviam sido previamente identificados. As formas
de epilepsia mais comuns e que apresentam herança genética
complexa vão requerer estudos mais amplos em um grande número
de indivíduos afetados e com a utilização de
métodos não paramétricos de análise
de ligação.
É
importante diferenciar entre o mapeamento de um locus para
a doença e a clonagem de um gene. O mapeamento do locus com
a utilização dos estudos de ligação
é o passo inicial para a identificação de um
gene que causa a doença. Mas somente com a identificação
do gene cujas alterações (ou mutações)
levam à doença podemos começar a compreender
melhor os mecanismos básicos que levam ao aparecimento da
epilepsia. Até o momento, já foram identificados,
6 genes que, quando mutados, levam ao desenvolvimento de diferentes
formas de epilepsia idiopática. Todos eles são sub-unidades
de canais iônicos e que provavelmente interferem com correntes
elétricas através da membrana celular [22].
Com
os avanços das técnicas de mapeamento, novos genes
responsáveis pela transmissão das epilepsias deverão
ser mapeados em um futuro bem próximo. O desenvolvimento
de novos métodos de análise estatística e de
novas técnicas de biologia molecular possibilitarão
a localização de genes que predispõem às
formas mais comuns de epilepsia e que apresentam uma herança
genética complexa. Além disso, interações
entre múltiplos genes e fatores ambientais poderão
ser melhor investigados. Isso possibilitará avanços
importantes no entendimento dos mecanismos básicos responsáveis
pela epileptogênese, o que por sua vez poderá resultar
em terapêutica mais específica e eficiente.
Iscia
Lopes-Cendes é professora do Departamento de Genética
Médica, da Faculdade de Ciências Médicas da
Unicamp.
Referências
bibliográficas[voltar
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