Incentivo
à inovação e política de fomento à
indústria estão entre os principais desafios ao desenvolvimento
Dentre
as estratégias para reduzir o preço dos medicamentos,
a substituição da importação pela produção
local é, sem dúvida, uma das mais importantes. O caso
dos anti-retrovirais (ARV) não protegidos por patente é
prova disto. Fabricados desde 1993 no Brasil, eles tiveram redução
de 72%, contra 9,6% dos medicamentos importados, segundo documento
do Ministério da Saúde. Mas se é verdade que
a indústria farmacêutica cresceu significativamente
na década de 90, respondendo hoje por aproximadamente 90%
do que é consumido no país (dados
da Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica
- Abiquif), o contrário se deu para a indústria farmoquímica
(responsável pela fabricação dos princípios
ativos e intermediários), cujo desenvolvimento foi praticamente
nulo. Atualmente, 82% dos farmoquímicos utilizados na fabricação
de medicamentos são importados, ainda segundo os dados da
Abiquif. A atividade do setor farmacêutico no Brasil consiste,
basicamente, em misturar os componentes para dar a forma final de
apresentação aos medicamentos (comprimido, pó,
líquido etc). Com relação aos componentes mais
caros, a situação do país continua sendo de
forte dependência externa.
Resolver
a disparidade entre indústria farmacêutica e indústria
farmoquímica está no centro das discussões
sobre o futuro do setor de fármacos no Brasil. A necessidade
de atuação do governo, através de uma política
de incentivo à pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de
incentivo à indústria nacional, tem sido recorrentemente
apontada como requisito para solucionar o problema. "A adoção
dos genéricos como política de medicamentos atenua
a exclusão social, mas não garante o acesso dos mais
pobres às inovações terapêuticas recentes,
muitas de uso preventivo", salienta o Diretor do Laboratório
de Avaliação de Substâncias Bioativas (LassBio)
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eliezer Barreiro.
O tema
esteve entre os principais tópicos da recente Conferência
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação,
realizada em Brasília, de 18 a 21 de setembro. Na ocasião,
vários participantes reforçaram a necessidade de ações
específicas e urgentes para o setor farmoquímico brasileiro.
Sugestões concretas começam a aparecer. Tomando em
conta o modelo indiano (considerado bem sucedido) de desenvolvimento
da indústria farmoquímica, a diretora do Instituto
de Tecnologia em Fármacos (Far-Manguinhos) da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), Eloan dos Santos Pinheiro, fez as seguintes
propostas para o fortalecimento dessa indústria (veja o texto
apresentado):
- Instituição
de uma agência governamental de fomento às atividades
de P&D voltadas para o setor farmoquímico;
- Estabelecimento
de parcerias entre os setores público e privado, nacional
e internacionalmente, visando ao intercâmbio de conhecimentos,
serviços e tecnologias;
- Fortalecimento
das inter-relações comerciais com os países
em desenvolvimento que realizem atividades nos setores farmoquímico
e farmacêutico;
- Estabelecimento
de uma política de incentivos fiscais e juros subsidiados
ao setor privado, para a produção de farmoquímicos;
- Incentivo
à capacitação do setor público
Opiniões dos cientistas
Pesquisadores
de centros de referência na investigação de
novos fármacos no Brasil concordam com a necessidade de uma
política de fomento para o setor, ressaltando a insuficiência
das medidas atuais.
Transformar
a condição do país de "mercado" para
"produtor de inovações" é, segundo
Eliezer Barreiro, essencial para garantir o acesso da população
mais pobre a novos medicamentos. "Diz-se que os custos da descoberta
de um novo fármaco atingem milhões de dólares!
É caro! Entretanto, não é inteligente acreditar
que todos os medicamentos, independentemente da classe terapêutica
a que pertencem, custem a mesma coisa para serem descobertos. O
fato é que para descobrir, criar ou inovar é preciso
investir em C&T e na formação de recursos humanos
qualificados, o que o governo teria de fazer melhorando as condições
das universidades federais, onde está a maior parte da pesquisa
inovadora no Brasil", afirma.
Para
o Diretor do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT) do Instituto Butantã,
Antônio Camargo, "fazer o medicamento ir do laboratório
à prateleira da farmácia é hoje, no Brasil,
uma grande dificuldade. Falta interação entre os centros
de pesquisa e a indústria. Falta também uma política
de fomento para o desenvolvimento de produtos feitos a partir de
resultados da pesquisa brasileira. Sem dinheiro público não
será possível desenvolver a indústria farmacêutica
no Brasil". Camargo salienta, ainda, a necessidade de proteger
as inovações resultantes da pesquisa nacional. "Ainda
não nos acostumamos, ao contrário dos países
desenvolvidos, a incluir o patenteamento de nossas invenções
nos procedimentos regulares de pesquisa. Os resultados da pesquisa
são publicados em revistas científicas internacionais,
mas a patente não é depositada e eles acabam virando
receita para outros países desenvolverem novos produtos a
partir do conhecimento gerado aqui", diz. (veja entrevista
completa com Geraldo Biasoto Junior)
O secretário
de gestão de investimentos em saúde do Ministério
da Saúde, Geraldo Biasoto, rebate as críticas dizendo
que é preciso, antes de mais nada, fortalecer a indústria
farmacêutica nacional. "De que adianta constituir uma
indústria farmoquímica forte se não há
no setor privado um consumidor [a indústria farmacêutica]
desses produtos? Foi o que aconteceu nos anos 70, quando os compradores
da indústria farmoquímica brasileira eram as multinacionais
[que se beneficiavam dos preços baixos devido aos subsídios
dados a essa indústria]. Para haver uma política mais
efetiva é preciso trabalhar nas duas pontas", argumenta.
Biasoto vê a política dos genéricos como um
"grande avanço" para o setor e acredita que com
o desenvolvimento das empresas produtoras de medicamentos, começará
a haver mais investimentos em pesquisa e desenvolvimento. "É
'lógico' que temos de conseguir mecanismos de apoio e financiamento
ao desenvolvimento tecnológico dessas empresas, mas já
é um primeiro passo que elas tenham corpo, que tenham peso
no mercado", afirma.
Por
outro lado, o secretário vê a inovação
no setor farmacêutico como um papel das multinacionais, essencialmente.
"O laboratório multinacional tem uma função,
que é transferir para outros países produtos inovadores
que ele cria internacionalmente", sustenta. O Brasil pode,
segundo ele, inovar em "muitos nichos", mas dificilmente
conseguirá competir com o potencial de investimento dos grandes
laboratórios.
Desafios
do investimento em pesquisa
Embora
a inovação seja essencial para o desenvolvimento do
setor farmacêutico e farmoquímico, investir na pesquisa
de novos fármacos não tem resposta simples, nem efeitos
imediatos.
Vale
lembrar que a produção de um medicamento envolve quatro
estágios principais, como explicam Sérgio Queiroz
e Alexis Velásquez, no recém lançado Brasil:
radiografia da saúde (veja resenha):
- 1º
estágio: Desenvolvimento de um novo fármaco (princípio
ativo). Escala laboratorial. É a mais cara e complexa etapa.
Gastos podem chegar a US$500 milhões (este valor, no entanto,
é contestável. Veja texto
sobre o assunto);
- 2º
estágio: Produção do fármaco em escala
industria;
- 3º
estágio: Produção do medicamento (fármaco
+ adjuvante) em sua forma final de apresentação
(comprimido, líquido, pó etc);
- 4º
estágio: Marketing e comercialização
Entre
o início de uma pesquisa e a colocação do produto
no mercado são necessários, em geral, muitos anos.
Só entre produção laboratorial, testes pré-clínicos
e testes clínicos gasta-se, em média, cerca de 10
anos. Isto, porém, só reforça a necessidade
de políticas públicas eficientes. Queiroz e Velásquez
sugerem, entre outras diretrizes, uma "preocupação
especial" com as condições de "oferta"
técnico-científica (infra-estrutura e mão-de-obra
qualificadas); o aumento de porte das empresas farmacêuticas
nacionais, através de fusões, para permitir o investimento
em pesquisa e desenvolvimento; e o melhor aproveitamento dos fitoterápicos
(em que o país tem potencial destacado).
Uma
das soluções para o Brasil é, segundo Antônio
Camargo, concentrar os esforços de pesquisa no bom aproveitamento
dos recursos naturais. "Não é possível
pensar que poderemos competir com a indústria farmacêutica
multinacional em todas as áreas, já que a capacidade
de investimento em P&D dessa indústria supera largamente
as possibilidades do Brasil. Uma solução seria, então,
investir em áreas onde o país já possui recursos
humanos capacitados e na exploração de métodos
que aproveitem o potencial da biodiversidade brasileira, como a
pesquisa de produtos naturais ", salienta.
O investimento
em pesquisa implica em riscos. O processo é longo, caro e
de resultados incertos. Além disso, é preciso decidir
quanto ao método a ser utilizado (modelagem molecular, estudo
de produtos naturais, biotecnologia, entre outros), cuja eficácia
depende de inúmeras variáveis: tipo de doença,
tempo disponível, experiência dos pesquisadores com
a técnica, estado da arte da pesquisa relativa a determinada
classe de fármacos etc. Mas o resultado pode ser compensador.
Dois
exemplos são os fármacos Evasin (anti-hipertensivo),
desenvolvido pelo CAT/Butantã, e LASSBio-294 (que atua no
aumento das contrações cardíacas), do LassBio/UFRJ.
O primeiro, baseado na pesquisa de um produto natural, teve sua
patente depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(INPI) em março de 2001 e o segundo, desenvolvido a partir
de modelagem molecular, em 1999. Ambos aguardam aprovação.
Eles deverão ser patenteados também nos EUA e União
Européia (o pedido para o LassBio-294 já foi depositado
no US Patent Office). Se as pesquisas continuarem e eles
forem produzidos industrialmente, poderão representar significativa
diminuição do preço de medicamentos que estão
entre os mais caros e mais utilizados no Brasil.
Leia
mais sobre o Evasin,
o Lassbio-294 e a
pesquisa com produtos
naturais.
(MM)
Para
saber mais:
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Consumer
Project on Technology (CPT)
Organização não-governamental norte-americana
que trata de direitos da propriedade intelectual e cuidados
médicos, comércio eletrônico e políticas
públicas. Muitos documentos relevantes sobre o tema,
inclusive histórico sobre o crescimento da indústria
farmacêutica no mundo, disponíveis em .PDF.
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Apartheid
médical? - Revista La Recherche nº342
Artigo de Olivier Postel-Vinay, editor da revista, criticando
o alto preço dos medicamentos no mercado mundial. Cita
o esforço do Brasil em reduzir esses preços
e garantir a distribuição à população.
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