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              Fármacos 
              e Medicamentos: Urgências 
            Carlos 
              Vogt 
             I 
            O Brasil 
              tem muitas urgências, entre elas as relativas à inovação 
              e ao desenvolvimento tecnológico e à conseqüente 
              possibilidade de transformar o conhecimento produzido em nossos 
              centros de ensino e pesquisa em riqueza, isto é, em valor 
              econômico e social.  
              Já se disse e tem-se repetido à exaustão que, 
              no cenário da economia globalizada, é cada vez mais 
              incerto e inseguro o futuro dos países exportadores de matéria 
              prima e que a produção de valor agregado é 
              o único caminho viável para a competitividade de nossos 
              produtos nos mercados internacionais. E para isso, o conhecimento 
              é indispensável e o domínio de todo o processo 
              que vai dele ao produto final comercializável é intrinsecamente 
              constitutivo dessa imperiosa necessidade. Assim, ciência, 
              tecnologia e inovação são peças fundamentais 
              dessa arquitetura que hoje liga o conhecimento à riqueza 
              das nações. 
             O 
              Brasil acordou tardiamente para essa realidade e, mesmo acordado, 
              demorou uns dez anos para despertar e dar-se conta de que definitivamente 
              não podia mais continuar simplesmente a produzir com tecnologia 
              importada, sem cultura de investimento de risco e sem uma agenda 
              efetiva de investimento em inovação. 
               
              O Livro Verde, os Encontros Regionais, a Conferência Nacional 
              de Ciência, Tecnologia e Inovação, o Livro Branco, 
              que está por vir, com a agenda do programa do setor para 
              os próximos dez anos, o programa Inovar da Finep, a criação 
              do Centro de Gestão Estratégica durante a Conferência, 
              em Brasília, o anteprojeto da Lei de Inovação, 
              são iniciativas, entre outras, que dão medida do esforço, 
              tardio, é verdade, que se faz no país para criar as 
              condições de competitividade que lhe permitam participar 
              mais consistentemente da distribuição da riqueza, 
              hoje muito concentrada em alguns poucos países e blocos econômicos 
              pelos efeitos da globalização. 
            
            II 
             Entre 
              os setores em que essas urgências nacionais se mostram ainda 
              mais fortes e prementes está o da produção 
              de fármacos e medicamentos. 
               
              Nem a promulgação da Lei de Patentes (Lei nº 
              9179, de 14 de maio de 1996, nem o Decreto nº 3.201, de 6 de 
              outubro de 1999, da Presidência da República que "dispõe 
              sobre a concessão, de ofício, de licença compulsória 
              nos casos de emergência nacional e de interesse público 
              de que trata o artigo 71", da referida lei, parecem ter mudado, 
              pelo menos até o momento, a situação dos investimentos 
              industriais no país, já que a importação 
              de medicamentos passou de US$ 300 milhões, em 1995, para 
              US$ 1.4 bilhão, em 1999. (veja texto Investimento 
              em pesquisa de fármacos no Brasil ainda é pequeno) 
               
              É verdade que o artigo 68 da Lei de Patentes admite a licença 
              compulsória três anos após a concessão 
              da patente, quando a empresa deixa de fabricar um produto no país 
              por mais de três anos.  
               
              Nesse caso, ainda é cedo para verificar os efeitos dessa 
              possibilidade de quebra de patente que a lei concede, já 
              que o prazo para a fabricação local a partir das primeiras 
              patentes concedidas em 1998 vence agora em 2001. (veja texto A 
              questão das patentes na política brasileira de fármacos) 
               
              Se os efeitos da Lei de Patentes não podem ser plenamente 
              avaliados do ponto de vista da produção industrial 
              de medicamentos no país e de uma balança comercial 
              mais favorável aos nossos interesses, no setor, o fato é 
              que os dispositivos de proteção da saúde pública 
              nela contidos já mostraram sua eficácia. 
               
              De fato, foi invocando esses dispositivos que o Ministério 
              da Saúde, já por duas vezes consecutivas fez com que 
              grandes multinacionais de medicamentos baixassem os preços 
              de produtos considerados essenciais ao programa brasileiro de combate 
              à AIDS. 
            Assim, 
              só neste ano, o laboratório Merck reduziu substancialmente 
              o preço de dois medicamentos importados, usados na composição 
              do coquetel que o Ministério da Saúde fornece gratuitamente 
              aos portadores do vírus HIV. O mesmo aconteceu, mais recentemente, 
              com um outro produto, dessa vez do laboratório Roche, destinado 
              aos mesmos fins pela política governamental de tratamento 
              à AIDS. (veja texto Poder 
              das multinacionais inibe a indústria brasileira) 
               
              Essas políticas e os programas que elas suportam, respaldados 
              pelos instrumentos legais da Lei de Patentes provocaram comentários 
              ácidos sobre o pretenso protecionismo brasileiro, a ponto 
              de o relatório do Escritório Comercial dos Estados 
              Unidos (USTR), no primeiro semestre deste ano, declarar explicitamente 
              que o artigo 68 da referida lei "não tem relação 
              com saúde ou com acesso a medicamentos. É uma discriminação 
              contra os importados em favor de produtos fabricados localmente. 
              Em resumo, segue o relatório, o artigo 68 é uma medida 
              protecionista feita para criar empregos para brasileiros". 
               
              O governo brasileiro, como se sabe, reagiu com firmeza a esse tipo 
              de declaração e os pronunciamentos do ministro da 
              saúde, do embaixador do Brasil nos EUA e do próprio 
              presidente da república não deixaram margens para 
              ambigüidade de interpretações, mesmo com a pressão 
              do governo americano e da própria imprensa sobre a opinião 
              pública daquele país e fora dele, já que se 
              tratava nada mais nada menos que o New York Times, considerado o 
              jornal mais importante e mais influente da imprensa mundial. (veja 
              texto Aids 
              nos países pobres: lições da experiência 
              brasileira) 
               
              Houve troca de farpas entre o ministro José Serra, da Saúde, 
              e o Representante de Comércio da Casa Branca (USTR), embaixador 
              Robert B. Zoellick, tudo acontecendo no cenário do processo 
              de preparação da Conferência sobre Livre Comércio 
              das Américas, a Alca, do acordo feito pela África 
              do Sul com as multinacionais de medicamentos para reduzir o preço 
              das drogas contra a AIDS e da resolução da Comissão 
              de Direitos Humanos da Organização das Nações 
              Unidas (ONU) que, no dia 24 de abril deste ano, aprovou a proposta 
              do Brasil no sentido de considerar o acesso aos remédios 
              como um direito humano. Como se sabe, 52 países, incluindo 
              a Inglaterra, votaram a favor da resolução, e os EUA 
              se abstiveram. 
               
              Esse processo de pressão internacional foi desencadeado em 
              novembro do ano passado, quando os EUA recorreram à Organização 
              Mundial do Comércio (OMC) em virtude da produção 
              pelo Brasil de medicamentos contra a AIDS que, sendo genéricos, 
              contribuíram decisivamente para a redução do 
              custo anual do tratamento por paciente: US$ 3 mil no Brasil contra 
              algo que varia de US$ 10 mil a US$ 15 mil, em países desenvolvidos. 
            Com 
              a resolução da ONU, veio o reconhecimento formal da 
              importância e da eficácia do programa brasileiro e 
              a sua recomendação como modelo a ser seguido, internacionalmente. 
            
             
              III 
             Ao 
              lado dessas medidas legais e das políticas públicas 
              de saúde que vem sendo adotadas nos últimos anos, 
              é preciso, contudo, lembrar que o Brasil é signatário 
              do Acordo Trips, o que coloca também na linha das normas 
              e regulações internacionais do sistema patentário. 
               
              Desse modo, além das ações de defesa para preservação 
              de direitos no cenário nacional, é importante que 
              o país atue também de maneira objetiva produzindo 
              conhecimento e gerando produtos farmacêuticos que possam contribuir, 
              de um lado, para o atendimento das necessidades da população 
              e, de outro, para o aumento de nossa pauta de exportações 
              ou, pelo menos, para diminuir, consideravelmente, a pauta de nossas 
              importações, no setor. 
               
              Não é um trabalho simples e nem tampouco que se faça 
              num estalar de dedos. 
               
              Mas é preciso começar! 
               
              Nesse sentido, algumas ações e iniciativas podem ser 
              destacadas e todas, de modo indicativo, representam esforços 
              consistentes de diferentes atores e agentes atuantes no processo. 
               
              Envolvendo o cenário dessas iniciativas está o cenário 
              maior da riqueza de nossa biodiversidade, estimada, potencialmente, 
              em alguns trilhões de dólares. 
               
              As multinacionais de produtos farmacêuticos sempre estiveram 
              atentas à essa riqueza e, a exemplo do acordo que o Laboratório 
              Merck assinou com a Costa Rica, em 1991, procurou-se, com o mesmo 
              formato, realizar, no Brasil, o acordo Bioamazônia-Novartis, 
              para exploração de nossa biodiversidade, cuja bioprospecção 
              pode levar a produtos direcionados tanto à indústria 
              farmacêutica, como para a indústria de cosméticos 
              e a indústria de alimentos. 
               
              As resistências da comunidade científica foram tantas 
              que resultaram em resistências políticas que acabaram, 
              por sua vez, dissuadindo os autores do projeto de sua viabilidade 
              no país. 
               
              O acordo foi arquivado. 
               
              O problema da exploração da biodiversidade brasileira, 
              contudo, continua e a biopirataria corre solta por nossas florestas 
              e matas. Encontros e reuniões nacionais e internacionais 
              tem se sucedido buscando soluções institucionais que 
              respondam adequadamente à necessidade de preservação 
              de nossos direitos, dos direitos das populações silvícolas, 
              inseridas no cenário de uma outra diversidade que caracteriza 
              o país, desta vez social, a vida das espécies vegetais, 
              animais e microogânicas e, ao mesmo tempo, possibilite, de 
              forma associativa, como é próprio da ciência, 
              a bioprospecção necessária à transformação 
              dessa riqueza natural e cultural em riqueza material e social. (veja 
              texto Conhecimento 
              tradicional e direito à propriedade intelectual) 
               
              Foi nesse sentido a motivação com que a SBPC realizou 
              em Abril deste ano, em Manaus, a sua 7ª Reunião Especial 
              sobre o tema "Amazônia no Brasil e no Mundo", dedicando 
              parte substantiva do evento à discussão da exploração 
              comercial da região e aos interesses e conflitos que intercursam 
              as águas de seus grandes rios, de seus igapós e igarapés. 
            IV 
            A Associação 
              dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), 
              levou para o VI Foro Empresarial das Américas, em Buenos 
              Aires, na Argentina a proposta de "que qualquer acordo tendente 
              à harmonização das Leis de Patentes na região 
              preveja, de modo explícito, a fabricação local 
              das invenções. Se a exploração das invenções, 
              continua o texto da proposta, entendida como fabricação 
              não é efetivada pelo titular da patente no país 
              onde existe a proteção, a legislação 
              deve contemplar a possibilidade de que terceiros capacitados a explorar 
              o objeto da patente possam fazê-lo mediante o pagamento de 
              comissões (royalties) pertinentes com a prática 
              internacional". 
            Por 
              aí vê-se a importância fundamental das patentes 
              no jogo internacional das indústrias farmacêuticas, 
              em particular, e no universo da produção industrial, 
              como um todo. 
            O país, 
              como se sabe, não tem cultura nem tradição 
              no domínio da propriedade intelectual, embora tenha uma vasta 
              experiência no campo do direito autoral 
            Como 
              foi dito, a lei que regulamenta a proteção da propriedade 
              intelectual (PPI) para produtos farmacológicos e biológicos, 
              em geral, é bastante recente (1996). 
            O intrincado 
              do sistema legal patentário internacional é denso 
              e complexo, além dos custos técnicos para a concessão 
              e licenciamento de patentes de produtos serem altos (cerca de US$ 
              40 mil), implicando ainda um potencial de litigação 
              enorme que só as grandes indústrias ou os grandes 
              investimentos podem bancar. 
            No 
              Brasil, temos falta dessa expertise e a oferta de cursos para a 
              formação de profissionais competentes na área 
              é uma urgência tão grande quanto a dos investimentos 
              de risco ou a dos riscos da inovação. 
            O Instituto 
              Nacional de Propriedade Industrial (INPI) tem competência 
              e conhecimento consolidado para contribuir no enfrentamento desse 
              desafio. 
            Desde 
              Maio deste ano, o governo brasileiro vem anunciando a formação 
              de centros de desenvolvimento de patentes para proteção 
              de marcas, tecnologias e inovação da concorrência 
              estrangeira e para estimular a exportações de produtos 
              com maior valor agregado. 
            O diretor 
              geral da Organização 
              Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), cuja sede é 
              em Genebra, é o brasileiro Roberto Castelo que em maio esteve 
              por aqui para conversar com nossas autoridades sobre o assunto e 
              ouviu do ministro da ciência e tecnologia, embaixador Ronaldo 
              Sardenberg a notícia de que a formação de centros 
              de desenvolvimento de patentes e de gestão da inovação 
              seriam incluídos no orçamento dos Fundos Setoriais. 
            A Fundação 
              de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), 
              além de vários programas voltados para o desenvolvimento 
              tecnológico das empresas com a participação 
              de pesquisadores dos centros de produção acadêmica 
              do Estado, criou, em decorrência do enorme sucesso do Instituto 
              Virtual ONSA que abriga também virtualmente, os diversos 
              projetos Genoma por ela coordenados e apoiados, o Núcleo 
              de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), com 
              o objetivo de "implementar as ações necessárias, 
              visando à adequada proteção à propriedade 
              intelectual dos eventos gerados em projetos por ela financiados, 
              e o respectivo licenciamento ou venda da patente a empresas". 
            O Nuplitec 
              gerencia, administra e acompanha hoje cerca de 16 patentes em diversos 
              domínios. 
            Uma 
              outra iniciativa da Fapesp de fundamental importância para 
              o aprofundamento das relações entre as políticas 
              públicas de fomento, as universidades e as empresas é 
              o Programa Cepid - Centros de Pesquisa, Inovação e 
              Difusão -, que mantém hoje 10 centros, em diferentes 
              áreas científicas e tecnológicas, com financiamento 
              garantido por pelo menos 11 anos e com objetivos claros quanto aos 
              mecanismos de transformação do conhecimento em valor 
              econômico e social. 
            Entre 
              esses Centros, um deles - o Centro 
              de Toxinologia Aplicada (CAT), situado no Instituto Butantã 
              está voltado para a pesquisa de toxinas animais e microbianas, 
              visando a desenvolver produtos farmacêuticos e difundir esse 
              conhecimento. (veja artigo Aproveitamento 
              das inovações farmacêuticas no Brasil 
              de Antônio 
              Carlos Martins de Camargo) 
            Como 
              bem observa o diretor do CAT-Cepid/Fapesp, professor Antonio Carlos 
              Martins de Camargo, o envolvimento da indústria farmacêutica 
              nacional é indispensável para as atividades e para 
              a realização dos objetivos do Centro. 
            A participação 
              da indústria transnacional, se houver interesse, é 
              bem-vinda. 
            A existência 
              de lacunas entre as pesquisas desenvolvidas nas universidades e 
              a indústria farmacêutica é uma constatação 
              imperiosa. 
            De 
              forma resumida, como afirma o professor Camargo, "os elementos 
              que faltam para complementar o ciclo que vai da inovação 
              ao produto são:1) o gerenciamento da inovação 
              assegurando a propriedade intelectual; 2) o desenvolvimento do produto 
              farmacêutico com as melhores características farmaco-dinâmicas 
              (química farmacêutica); os ensaios pré-clínicos 
              e 4) os ensaios clínicos. 
            Nesse 
              sentido, o CAT, juntamente com o Instituto 
              Uniemp - Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa, 
              estão propondo a criação de um organismo cuja 
              natureza é a de uma Agência de Gestão e Inovação 
              Farmacêutica (Agif), e cujo funcionamento poderá contribuir 
              para preencher a primeira das lacunas acima apontadas ocupando-se 
              da gestão da inovação em todos os seus aspectos: 
              desde a coleta da informação de interesse farmacêutico 
              até o depósito de patentes no país e no exterior, 
              sempre em parceria com o setor empresarial e com as agências 
              de fomento, no caso dos projetos e produtos por elas financiados. 
            A Agência 
              de Gestão da Inovação Farmacêutica, incubada 
              no Instituto Uniemp poderá, assim, constituir-se também 
              como uma referência a um piloto para experiências de 
              gestão do mesmo tipo em outras áreas científicas 
              e tecnológicas. 
            
            V 
            Os 
              desafios para o setor não são poucos e a necessidade 
              de congregar esforços, agregando valor, é das mais 
              prementes, se quisermos, de fato, usufruir, para a sociedade, da 
              enorme riqueza que a natureza plantou em nosso território, 
              preservando-a na sua diversidade de vida, transformando-a em bens 
              de consumo inteligentes e respeitando-a nas grandes e pequenas diferenças 
              culturais, que fazem o contraponto social de sua multiplicidade 
              de formas e de conteúdos. 
            As 
              iniciativas que vêm sendo tomadas nas várias instâncias 
              do poder público, os programas de incentivo ao desenvolvimento 
              tecnológico e à inovação, no setor de 
              fármacos, a experiência com as empresas estatais de 
              medicamentos populares, como a Fundação 
              do Remédio Popular (Furp), em São Paulo, o incentivo 
              à produção dos genéricos, no Brasil, 
              as políticas de tratamento de grandes males, como o Câncer, 
              como a AIDS e a Hepatite C, entre outros, o esforço público 
              e privado para a criação de um setor industrial farmacêutico 
              competitivo no país, com investimento em todo o ciclo, que 
              vai do conhecimento ao produto comercializável, tudo isso 
              mostra uma enorme vontade de orquestração de atores 
              e agentes políticos, sociais, econômicos e culturais 
              dedicados à questão da saúde da população. 
              (veja texto Fundação 
              produz medicamentos de qualidade para a população 
              carente) 
            Há 
              muito o que fazer e muito a alcançar. Não dá 
              para interromper o que começou, nem tampouco adiar o que 
              está para iniciar. 
            Aqui, 
              como em outras áreas do conhecimento, da tecnologia e da 
              inovação, a agilidade, o planejamento, a coerência 
              e a objetividade das ações são requisitos fundamentais 
              ao grande desafio da mudança definitiva da cultura empresarial, 
              universitária e governamental do país. 
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