Fitoterápicos
e o mito do natural
"Por
ser um extrato 100% natural, não apresenta efeitos colaterais"
- essa é uma das frases mais encontradas nas bulas ou textos
referentes aos medicamentos fitoterápicos : aqueles medicamentos
feitos exclusivamente a partir de espécies vegetais, segundo
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em alguns casos, encontra-se "como é um produto natural,
apresenta baixo índice de efeitos colaterais e grande segurança
para o usuário". Infelizmente, trata-se do mais perigoso
mito quando o assunto tratado é fitoterápicos. Isso
pode ser facilmente demonstrado quando se recorda que cicuta é
natural, bem como a morfina, ópio, maconha, digitálicos
(medicamentos para insuficiência cardíaca), cafeína
e nicotina, dentre outros. Todas essas substâncias apresentam
riscos à saúde humana, exaustivamente estudados e
publicados.
Entretanto,
os medicamentos fitoterápicos têm venda livre nas farmácias
brasileiras, mesmo aqueles que atuam no Sistema Nervoso Central
ou no Sistema Cardiovascular, que representam sérios riscos
à saúde do paciente, quando administrados inadvertidamente.
São encontrados laxantes, diuréticos, anti-depressivos,
sedativos, antiinflamatórios, afrodisíacos, estimulantes,
digestivos; para tratamento de obesidade, artrite, diabete, infecções,
enxaqueca, dores musculares, tensão pré-menstrual.
Ou seja, para doenças e indicações de todo
o tipo, sem que haja necessidade de uma receita ou indicação
médica. São vendidos junto com os medicamentos "OTC",
ou over the counter (depois do balcão, em inglês),
que têm venda livre, sem necessidade de apresentação
da receita - aqueles sem tarja vermelha - tais como Novalgina e
Aspirina.
Quando
uma substância tem atividade num ser vivo, pouco importa ao
organismo se ela é sintetizada no laboratório ou extraída
de uma planta. Não existe diferença, em nível
molecular, quando ela atua no organismo de qualquer ser vivo. Os
efeitos colaterais são os efeitos indesejados, aqueles que
aparecem por ação do fármaco em outro "setor"
que não o desejado. Todos os fármacos estimulam vários
"setores", com uma intensidade que varia conforme a especificidade
da substância. Por exemplo, os antiinflamatórios, além
de diminuirem a reação inflamatória, têm
ação na secreção de suco gástrico,
causando dores no estômago e azias. Quanto mais específica
a ação do antiinflamatório, menor a reação
gástrica. Ou seja, não é verdade que os medicamentos
fitoterápicos são isentos de efeitos colaterais, uma
vez que são substâncias ativas como quaisquer outras.
Há outro problema adicional que é a quantidade de
substâncias ativas presentes numa planta. Essa variedade pode
aumentar a incidência de efeitos colaterais.
A Erva
de São João (ou hipérico), que é um
antidepressivo indicado para casos de depressão leve a moderada,
é um vegetal estudado mundialmente. A ação
do hipérico é comprovada e especula-se que nada menos
que 15 substâncias sejam responsáveis pela sua atividade
antidepressiva. Pelo menos duas, dentre essas, têm comprovada
atividade e mecanismos de ação distintos; agem de
forma diferente, no organismo, ainda que o efeito final seja o mesmo.
Sabe-se que o hipérico pode causar fotossensibilidade, provocar
contrações uterinas (portanto, risco de aborto). Há
também algumas restrições com combinações
alimentares, sob o risco de ocorrer hipertensão, evitando
alimentos como: queijo, repolho, vinhos e picles.
Segundo
Ariel Bogochvol , psiquiatra e psicanalista do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da USP, os efeitos colaterais observados
são muito menores do que os esperados para as duas classes
de substâncias anti-depressivas encontradas no hipérico.
"Entretanto, não se conhece com certeza o mecanismo
de ação dessas substâncias, portanto, não
é possível prever que tipos de efeitos colaterais
ainda podem aparecer", ressalva. Mas o maior problema, adverte,
é ser um medicamento que age no sistema nervoso central,
indicado para uma doença séria como a depressão
e vendido livremente, quando todos os outros medicamentos sintetizados
são vendidos apenas mediante retenção de receita
médica.
De
acordo com Fernando Batista da Costa, do Laboratório de Farmacognosia
e Princípios Ativos Naturais da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas de Ribeirão Preto, USP, " no Brasil,
o medicamento fitoterápico é um medicamento tal e
qual o alopático industrializado (sintético), em todos
os aspectos éticos e funcionais, diferindo-se apenas quanto
a fonte dos princípios ativos". Por isso, alerta que
devem ser vendidos seguindo as mesmas restrições dos
sintéticos. "Mesmo produtos a base de arnica ou calêndula,"
adverte Costa, "já de uso consagrado, podem causar dermatites
de contato. A porangaba, usada para o tratamento da obesidade, contém
substâncias cardiotônicas (que estimulam o coração)
e a cáscara sagrada, conhecido laxante, pode causar abortos.
Por esses motivos a venda livre de tais remédios é
tão preocupante".
(RP)
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