Luta
contra a Aids terá de buscar novas formas de financiamento
O Brasil
conseguiu reverter as expectativas pessimistas do início
dos anos 90, quando o Banco Mundial previu que o país entraria
no século XXI com 1,2 milhão de portadores do HIV.
O coordenador do Programa Nacional de DST/Aids, Paulo Roberto Teixeira,
na abertura do IX Congresso Brasileiro de Prevenção
em DST/Aids, em 10 de setembro, em Cuiabá (MT), afirmou que
graças à parceria do Ministério da Saúde
com a sociedade civil o número de pessoas infectadas com
o vírus da Aids é de 597 mil.
A preocupação
atual, tanto para o Ministério da Saúde como para
a sociedade civil, é a continuidade das ações
iniciadas nos últimos anos. Com o fim do acordo com o Banco
Mundial em dezembro de 2002, as ações de prevenção
à Aids, majoritariamente financiadas com dinheiro do BIRD,
podem ficar comprometidas, caso os governos - federal, estaduais
e municipais - e as Organizações Não-Governamentais
(ONG's) não encontrem outras formas de financiamento.
A sustentabilidade
do programa DST/Aids tem sido tema de diversos debates. Em maio
passado, 215 entidades representativas da sociedade civil reuniram-se,
em Recife, para discutir o assunto no Encontro Nacional das Organizações
que trabalham com Aids. Segundo o assessor de projetos da Associação
Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Carlos Passareli,
as ONG's estão seguras de que independentemente da renovação
ou não do acordo com o BIRD é preciso encontrar caminhos
para dar continuidade às ações em desenvolvimento.
"O
governo tem que inserir a prevenção no Sistema Único
de Saúde (SUS), que ainda é exclusiva das entidades
comunitárias. O SUS precisa dar conta da Aids. Continuar
fazendo o que já faz, ou seja, o tratamento, e ao mesmo tempo
fazer a prevenção", ressalta Passareli.
De
acordo com o secretário do Fórum ONG/Aids do Rio de
Janeiro, Roberto Pereira, o movimento social já vem discutindo
e buscando alternativas para garantir a manutenção
de suas ações. Entre elas, identificação
de parcerias locais, capacitações e trabalhos integrados
entre ONG's. Representantes do Fórum/RJ participaram, nos
dias 22 e 23 de setembro, da Conferência Municipal de Saúde
tentando mobilizar os delegados para a importância da descentralização
das ações de prevenção e sua inserção
no SUS.
A responsável
pela Unidade de Articulação com a Sociedade Civil
e de Direitos Humanos da Coordenação Nacional, Cristina
Câmara, explica que atualmente não há na estrutura
estatal canais para o repasse de verbas às ONG's. Por isso,
o primeiro caminho é viabilizar meios para que no futuro,
após o término do empréstimo com o Banco Mundial,
o governo possa manter os convênios com as entidades da sociedade
civil. Com esta finalidade está em discussão a mudança
da legislação de operacionalização do
SUS.
Em
1992, após um período de inatividade no governo
Collor, o programa DST/Aids retoma o seu fôlego e inicia
as discussões, em nível nacional, para a formulação
de um projeto para o Banco Mundial, que resultou no primeiro
acordo de empréstimo com esse organismo, que vigorou
entre 1994 a 1998. O segundo acordo, assinado em 1998, é
o que encerra em dezembro de 2002.
Após
os acordos com o Banco Mundial, o Programa
de Aids do governo brasileiro se tornou o mais visível
programa nacional entre os países em desenvolvimento.
A UNESCO premiou o programa brasileiro na categoria Direitos
Humanos e Cultura de Paz. No dia 31 de outubro, o ministro
José Serra receberá o prêmio na sede da
Unesco, em Brasília.
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"As
ONG's são imprescindíveis para o desenvolvimento do
trabalho de prevenção. Não temos como chegar
as pessoas sem a parceria com essas organizações.
Eles têm interação direta, por serem do próprio
meio, seja, de grupos de homossexuais, profissionais do sexo ou
usuários de drogas. O que temos que fazer é institucionalizar
essa relação", ressalta Cristina.
Outra
alternativa é o fortalecimento das ONG's para que possam
obter outras fontes de recursos. A Coordenação Nacional,
nos últimos meses, realizou treinamentos por regiões,
englobando um total de 180 entidades. Além da discussão
sobre a sustentabilidade dos projetos, os representantes das ONG's
foram treinados para o gerenciamento e o planejamento estratégico.
Os encontros contaram com apoio da Fundação Getúlio
Vargas (São Paulo) e do GAPA- Bahia.
Histórico
do movimento social organizado
Em
1986, o Ministério da Saúde cria o departamento de
DST/Aids, vinculado à dermatologia sanitária, em resposta
à mobilização social. O sociólogo Betinho,
fundador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
(Ibase), foi das primeiras vozes, no início dos anos 80,
a reivindicar uma política pública consistente de
prevenção e tratamento do HIV no país.
Ainda na década de 80 foram criadas as primeiras ONG's: em
1985, o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapa),
de São Paulo, e em 1986 a Abia, sendo que esta última
foi a primeira a ter uma pessoa soropositiva na presidência.
Em 1988 foi organizada a campanha pela qualidade do sangue, que
mobilizou a sociedade civil organizada na luta pela prevenção
e tratamento do HIV/Aids.
A conquista
pelo controle e qualidade do estoque de sangue, como resultado de
uma campanha totalmente organizada pela sociedade civil, foi crucial
para as várias questões que surgiram e emergiram em
seguida. "No início nossas reivindicações
eram implantação de uma política pública,
contra o preconceito aos portadores de HIV e aos chamados grupos
de risco, homossexuais e usuários de drogas injetáveis",
lembra Passareli.
Por
intermédio do aporte financeiro do Banco Mundial, o Programa
passou, desde então, a apoiar técnica e financeiramente
projetos de ONG's, constituindo, inclusive, o Comitê Diretivo
Externo de Avaliação e Seleção de Projetos
de ONG. Atualmente cerca de 400 ONG's são conveniadas com
a coordenação nacional do Programa DST/Aids, ou seja,
desenvolvem projetos com apoio federal.
Os
projetos das ONG's no âmbito da prevenção e
assistência são selecionados mediante concorrências,
realizadas pelas secretarias estaduais de saúde, através
das assessorias ou programas estaduais de DST/Aids. As últimas
concorrências de projetos das ONG's ocorreram simultaneamente
em Brasília (nacional), Ceará, Rio de Janeiro, São
Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso
do Sul e Goiás, na semana de 27 a 31 de agosto.
A partir
de 1996 diversos fóruns de ONG's foram criados com o objetivo
de estabelecer e garantir um espaço coletivo para a discussão
de estratégias conjuntas de ação política
em relação à Aids. Foi a partir desta data
também, após a XI Conferência Internacional
de Aids, realizada em Vancouver (Canadá), que se estabeleceu
a distribuição gratuita de medicamentos como resposta
brasileira à epidemia.
Além
dos recursos da Coordenação Nacional da Aids, as ações
das ONG's são financiadas por agências internacionais.
A maioria dos projetos das ONG's conta com financiamento externo.
O problema é que as agências internacionais vêm
diminuindo o investimento no Brasil. As razões, na opinião
do assessor da Abia, são o maior envolvimento do governo
em ações sociais e o melhor desempenho do país
em comparação aos do continente africano. "Precisamos
ter recursos para sustentar as ações, seja do tesouro
nacional ou das agências internacionais", resume Passareli.
Mobilização
contra a posição norte-americana
Nos
primeiros meses de 2001, os Fóruns ONG/Aids, com apoio de
instituições internacionais, como Médicos Sem
Fronteiras e Oxfam, realizaram diversos atos públicos em
frente aos consulados americanos, em São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador e Recife em reação à solicitação
dos Estados Unidos de abertura de painel contra o país na
Organização Mundial do Comércio (OMC). No dia
5 de março foi divulgada a carta "Interesses que matam"
convocando a sociedade civil a não aceitar a tentativa dos
EUA de proteger os interesses da indústria farmacêutica.
"A
nossa ação estava inserida em um esforço articulado
e conjunto do movimento social das ONG/Aids no Brasil e no exterior,
que visava a sensibilizar autoridades e população
em geral para a situação dos medicamentos", disse
Roberto Pereira, do Fórum ONG/Aids/RJ.
Em
junho, os EUA retiraram a proposta na OMC. Em seguida, em 31 de
agosto, o ministro da Saúde anunciou acordo com o laboratório
Roche, o qual concordou em reduzir o preço do antiretroviral
Nelfinavir (o mais caro entre os 12 medicamentos que compõe
o coquetel anti-aids) em 40%.
Na
opinião do assessor de projetos da Abia, Carlos Passareli,
a trajetória de mobilização social da Aids
tem sido fundamental para que decisões políticas sejam
tomadas em outras áreas da saúde. Ela fez, por exemplo,
com que a distribuição gratuita de medicamentos, uma
das primeiras bandeiras de luta das ONG/Aids, fosse estendida a
portadores de outras doenças.
(LC)
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