Situação
do Acesso aos medicamentos
antiretrovirais pelos pacientes HIV+ na América Central
Eloan
dos Santos Pinheiro
Maria
Fernanda Macedo
Cristina D'Almeida
Em
18 e 19 de junho de 2001 realizou-se, na cidade Antigua Guatemala
- Guatemala, a "I Conferência de Acesso a Medicamentos
Essenciais na América Central" com o objetivo de discutir
as possíveis soluções para resolver o problema
da falta de assistência médica e de provimento de medicamentos
para os pacientes HIV+ nesses países. O evento foi organizado
por três Organizações Não-Governamentais,
Médicos Sem Fronteira (MSF), Acción International
para la Salud (AIS) e Asociación Agua Buena.
Foram
abordados temas como: as legislações nacionais para
garantir tratamento aos pacientes de AIDS; o impacto das patentes
nos preços dos medicamentos e as restrições
por elas impostas à competitividade, inerente às regras
que governam o livre mercado; a influência da produção
e comercialização de genéricos na redução
dos preços; a garantia da qualidade dos genéricos
e outros assuntos de igual importância.
Desde
o início dos trabalhos ficou evidente que um dos maiores
problemas para se traçar políticas eficazes no enfrentamento
de desafios dessa magnitude é a falta de informação.
Dados estatísticos confiáveis sobre o número
de casos, o perfil da transmissão da doença, os medicamentos
que estão patenteados em cada país, as possíveis
salvaguardas das leis nacionais de propriedade industrial, os preços
praticados para o mesmo medicamento são informações
praticamente inexistentes nos países da América Central.
Sem o conhecimento do quadro é muito difícil estabelecer
as estratégias corretas e as políticas adequadas.
O evento
foi encerrado com duas mesas redondas e a organização
de grupos de trabalho para discutir o desenvolvimento de estratégias,
incluindo a discussão sobre as ações futuras.
O Brasil foi convidado a enviar representantes para participar de
ambas as mesas.
Uma
das mesas redondas cuidou das propostas governamentais e multilaterais,
cabendo ao representante do Ministério da Saúde brasileiro
discorrer sobre o Programa Nacional DST/AIDS que garante acesso
universal dos pacientes de AIDS ao tratamento. De fato, em relação
a essa ação governamental, o Brasil é apontado
como "modelo" a ser seguido pelos países em desenvolvimento.
Foi mostrado, no evento, que os princípios básicos
que norteiam o Programa são: (1) um Sistema Logístico
de Medicamentos de AIDS, o qual estabelece não só
a compra centralizada, pelo Ministério da Saúde, dos
medicamentos, o que possibilita a negociação de melhores
preços, como também o rígido controle da distribuição
dos medicamentos pelas Secretarias Estaduais e Municipais, garantindo
o estoque dos remédios centralizado nessas Secretarias e
a disponibilidade do medicamento nos centros de tratamento; (2)
O controle da evolução do tratamento, através
de testes, dentre outros, de avaliação da carga viral
e do estado clínico geral do paciente que serve de base para
a escolha, pelo médico, do regime de tratamento mais adequado
para cada indivíduo; (3) Campanhas de esclarecimento do público
sobre as vias de transmissão da AIDS e as medidas preventivas,
incluindo a distribuição de preservativos em épocas
especiais, como durante o carnaval e (4) uma política de
regulação de preços através de legislações
específicas, como a Lei de Genéricos, e a diversificação
de fornecedores, incluindo os laboratórios farmacêuticos
oficiais. Foi, assim, mencionado no evento que esse conjunto é
o motivo do sucesso de um programa que vem reduzindo significativamente
não só os custos do tratamento por paciente, na medida
em que são evitadas internações hospitalares
constantes, mas principalmente a taxa de crescimento da transmissão
da doença.
Na
outra mesa redonda, foi feito um confronto entre as visões
da indústria multinacional produtora do medicamento inovador
e da indústria de genéricos, tanto do setor público
quanto do setor privado. A composição da mesa foi
a seguinte: um representante da empresa Merck, Sharp & Dohme
(EUA), um representante da indústria de genéricos
do setor público (Far-Manguinhos) e um representante da indústria
de genéricos do setor privado (a empresa indiana CIPLA).
A posição da indústria multinacional, que vem
sendo veiculada monocordicamente, foi a de que é necessário
recuperar os elevados investimentos envolvidos em P&D de novos
medicamentos, tendo sido ressaltado que "só a grande
indústria" aplica recursos na inovação
e que a ausência dessa política certamente traria sérias
conseqüências e inevitáveis atrasos na disponibilização
de medicamentos substitutos para aqueles que já tenham resultado
ou venham a resultar em aumento de resistência do vírus.
A posição da indústria de genéricos
do setor privado foi a de que o surgimento desse segmento vem provocando
uma queda acentuada nos preços dos medicamentos, tendo sido
ressaltado que a propalada baixa qualidade dos produtos genéricos
não passa de uma campanha para desacreditar a concorrência
saudável estabelecida pela oferta de produtos de origem diversificada.
Finalmente,
a posição de Far-Manguinhos, representando a indústria
de genéricos do setor público foi a de que a quebra
da hegemonia da indústria farmacêutica multinacional,
através da produção de genéricos, não
foi "inventada" pelos países em desenvolvimento.
Pelo contrário, declarações do próprio
congresso norte americano afirmam que a introdução,
desde 1984, de genéricos no mercado dos Estados Unidos tem
resultado numa economia de milhões de dólares para
o bolso dos contribuintes que, em muitas situações,
financiam o desenvolvimento de novos medicamentos em universidades
e instituições de pesquisa norte americanas. De fato,
diversas políticas, sustentadas por leis específicas,
de incentivos fiscais e de estímulo ao surgimento de produtores
alternativos no mercado, como é o caso da Lei das Drogas
Órfãs e da Lei Hatch-Waxmann (Lei de Genéricos)
tem permitido o financiamento do desenvolvimento de novas moléculas
e a colocação de medicamentos inovadores no mercado.
E tudo isso financiado, pelo menos em parte, pelo contribuinte norte
americano, sem que a indústria (que goza de incentivos fiscais
decorrentes dessas leis) faça a devida dedução
dos custos de P&D.
Far-Manguinhos
também não se furtou a participar do grupo de trabalho
que tratou do tema "Estímulo à competição.
Promoção de medicamentos genéricos. Produção,
registro, prescrição, distribuição e
controle de qualidade", tendo sido aprovada, como proposta
principal, a atuação dos países membros junto
a organizações internacionais, como OPAS e OMS, para
a certificação de centros capacitados a realizar testes
de bioequivalência e fornecimento, por parte de tais organizações,
de listas de produtores de genéricos e de produtos genéricos
aos países em desenvolvimento.
Os
resultados dessa primeira conferência podem ser medidos pelo
interesse dos governos dos países da América Central
em criar políticas e aperfeiçoar leis que permitam
o acesso dos pacientes de AIDS aos medicamentos de que tanto precisam.
É verdade que todas as soluções não
estarão disponíveis num primeiro momento, mas o que
é importante é que avanços vêm ocorrendo,
já estando marcado o II Congresso Centroamericano de ITS
(doenças sexualmente transmissíveis)/HIV/AIDS a se
realizar em novembro próximo na Guatemala. Além disso,
devido principalmente à atuação das organizações
não-governamentais, como por exemplo MSF, AIS, AAB, dentre
outras, o nível de informação vem crescendo
significativamente naquele continente, o que permitirá aperfeiçoar
as estratégias e políticas adotadas para enfrentar
essa doença devastadora que é a AIDS.
Eloan
dos Santos Pinheiro é Diretora Executiva de Far-Manguinhos
Maria
Fernanda Macedo é Assessora de Propriedade Industrial
da Diretoria de Far-Manguinhos
Cristina
D'Almeida é Assessora de Propriedade Industrial da
Diretoria de Far-Manguinhos
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