Entrevistas
Para o
Ministério da Saúde, genéricos devem estilular produção
nacional de fármacos
Geraldo Biasoto Junior
"Estímulo aos genéricos e à indústria
nacional é pequeno", diz Alanac
Dante Alário Junior
Falta
de princípios ativos de medicamentos é obstáculo
ao desenvolvimento
Gilberto De Nucci
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Para
o Ministério da Saúde, genéricos devem estilular
produção nacional de fármacos
Nos anos
80 e 90, a indústria nacional de fármacos e medicamentos
passou por profundas transformações. Até a década
de 70 e parte da década de 80, o setor de saúde brasileiro
vivia sua fase de capitalização - o Estado pagava e provia
a ampliação da demanda por recursos médicos e produtos
industriais. Nos anos 90, o setor passou entrou na fase de mercantilização
- municipalização, internacionalização, baixo
financiamento público, regulamentação governamental
atrasada.
Esse diagnóstico
está presente no livro Brasil: radiografia da saúde
(veja resenha), que tem o economista
Geraldo Biasoto Junior como autor de um dos artigos. Biasoto é
também secretário de gestão de investimentos em saúde
do Ministério da Saúde. Nessa entrevista para a Com Ciência,
ele fala sobre a política de genéricos como centralizadora
das ações do ministérios para o setor de medicamentos,
sobre o auxílio que o Fundo Setorial da Saúde pode representar
para a produção de fármacos e mostra preocupação
com a exploração predatória das patentes.
Com Ciência
- O que o Ministério da Saúde (MS) pode fazer para fortalecer
e desenvolver uma indústria nacional de fármacos?
Geraldo Biasoto Junior - Efetivamente, nesse momento, nós temos
poucos instrumentos. Até por que essa é uma atribuição
do Ministério do Desenvolvimento. Mas nós estamos fazendo.
Existe um parque de laboratórios oficiais que estão sendo
incentivados a produzir, com recursos para a modernização
e com a compra efetiva pelo ministério. Um exemplo é o laboratório
Far-Manguinhos, que realiza a síntese e o desenvolvimento de moléculas,
até em cooperação com empresas privadas. Um exemplo
é a síntese do captopril, que foi feita pela Far-Manguinhos
em cooperação com uma empresa que se chama Nortec. Mas talvez
o mais importante que o Ministério tem feito é, através
da política de genéricos, uma difusão de informações
sobre moléculas existentes. Informação para pessoas,
sobre produtos alternativos ao de marca. Isso leva a um crescimento dos
laboratórios que não produzem os de medicamentos de referência.
Hoje há um conjunto de laboratórios nacionais com produção
de qualidade e em quantidade expessiva. O Laboratório EMS, a Bio-Sintética,
o Laboratório Medley, são laboratórios que, hoje,
tem uma chancela de qualidade diferenciada em relação ao
passado. Isso foi, emparte, possibilitado com a política de genéricos.
Esses laboratórios, passam a demandar mais princípios ativos
e, quando se tornam players importantes no mercado, acabam procurando
os seus canais de suprimentos. Isso pode envolver o direcionamento da
produção de fármacos.
Com Ciência
- Hoje, a maior parte dos princípios ativos é importada,
certo?
Biasoto - O Brasil atravessou entre os anos 80 e 90 um processo de
desnacionalização muito acelerado. Havia fábricas
de fármacos, algumas nacionais, que supriam as multinacionais,
que foram desmanteladas. Principalmente por uma questão de estratégia
das multinacionais. O que existia foi sendo corroído durante os
anos.
Com Ciência
- Há alguma ação conjunta entre o Ministério
da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Ministério da Saúde
(MS)?
Biasoto - Há ações que perpassam esses ministérios.
Por exemplo, a Fiocruz recebe financiamento do MCT e do MS. Essas ações
resultam em avanços. Mas não existe ainda uma política
melhor definida.
Com Ciência
- Mas a ação conjunta não está prevista na
Política Nacional de Medicamentos?
Biasoto - Nós estamos há muito tempo discutindo as fontes
de financiamento para isso. Na abertura da Conferência Nacional
de Ciência e Tecnologia o presidente anunciou o Fundo Setorial da
Saúde, com R$ 120 milhões que serão usados no desenvolvimento
da capacidade e de projetos na área de fármacos, fitoterápicos
e outros.
Com Ciência
- Então a esperança é que o dinheiro venha dos Fundos?
Biasoto - Nesse momento sim. Trabalhamos outras alternativas que acabaram
não se viabilizando, mas essa é uma boa fonte de recursos.
Com Ciência
- Como o sr. responde às críticas que afirmam que faltam
investimentos em P&D de fármacos? Os Fundos podem resolver
esse problema?
Biasoto - Eu acho que temos algumas vertentes. Uma delas é
a do desenvolvimento que se dá no seio do próprio setor
público. Um exemplo é Far-Manguinhos, que é uma política
muito efetiva e que transborda para o setor privado nacional, nesse caso
a Nortec. Mas transborda também em outras formas, como por exemplo
a capacidade de recursos humanos para pesquisas e que é utilizada
pelas empresas. De outro lado, você tem a política, que ainda
acho tímida, que é a dos Fundos, mas é nesse sentido.
Agora também temos que admitir que a política brasileira
historicamente errou. De que adianta constituir a farmoquímica
sem que se tenha um setor privado consumidor dessa farmoquímica?
Foi o que aconteceu nos anos 70. Os demandantes eram as multinacionais,
que preferiram não demandar mais das nacionais brasileiras. Para
se ter uma política mais efetiva é preciso trabalhar nas
duas pontas. Essa ponta dos genéricos é muito importante
porque a gente acabou desenvolvendo alternativas aos grandes produtores
multinacionais e eles, em algum momento, vão ser demandantes de
uma farmoquímica que vai passar a existir.
Com Ciência
- Essa demanda ainda não esta madura?
Biasoto - Hoje ela está amadurecendo muito rapidamente. Mas
a velocidade da políticas dos genéricos é muito rápida.
Há dois anos atrás, se você me fizesse essa pergunta
eu diria que ela ainda não estava madura. Hoje já temos
muitos graus de amadurecimento.
O
anti-hipertensivo Capoten 50 (28 un.) é encontrado nas farmácias
a R$ 34,14. Seu genérico, o Captopril 50 é encontrado
a R$ 16,13
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Com Ciência
- Hoje as multinacionais controlam o mercado de medicamentos. Interessa
para o MS mudar esse quadro ou o importante é ter apenas remédios
sendo vendidos a preços justos?
Biasoto - Na verdade existe o seguinte: é preciso ter graus
de liberdade com relação aos movimento internacionais. Se
o setor é completamente dominado pelo capital externo ele está
muito permeável a ter comportamentos tipicamente empresariais alterando
todo o seu perfil de oferta de medicamentos. É aquilo: a empresa
decide que vai fechar dez plantas aqui, quinze ali e você não
tem o que fazer. É obviamente importante que a gente tenha alguma
capacidade de produção internalizada e nacional e que com
isso possamos tocar pelo menos elementos essenciais à saúde
pública. Nao é essencial ter aqui uma planta que produza
Viagra, mas é essencial ter garantida a capacidade produtiva de
um anti-hipertensivo. Evidentemente é importante ter produção
nacional. No caso da aids isso ficou claro. A produção nacional
é suficiente para atender todos os aidéticos com R$ 700
milhões, algo que a gente só conseguiria fazer comprando
das multinacionais com R$ 2,5 a 3 bilhões.
Com Ciência
- Quando o MS abriu a possibilidade de importação de genéricos
não prejudicou o incentivo à indústria nacional?
Biasoto - Isso foi negociado no bojo de parcerias entre empresas nacionais
e internacionais. O próprio decreto que instituiu o registro provisório
já exigia que a internalização da produção
fosse feita em alguns meses. O registro provisório só é
válido por um ano. Nós precisávamos de uma política
mais intensa e para isso usamos a aquisição de medicamentos
importados. Mas isso não é a política. A política
é fomentar o genérico. Em um determinado momento se usa
a importação, mas já casada com a expectativa da
internalização da produção, que inclusive
já está sendo feita. Vários laboratórios que
importaram estão internalizando a produção.
Com Ciência
- Qual o cenário para o setor vislumbrado pelo MS? Que papel cabe
a cada ator: indústria nacional, multinacional, laboratórios
oficiais e universidade?
Biasoto - Na verdade isso tem uma relação com o mercado.
Tem uma certa relação com as possibilidades dos consumidores
dentro do mercado e as novidades da produção. Uma coisa
que nos chamou a atenção antes de fazermos o processo de
regulação de preços - no final de 2000, através
da Medida Provisória que estabeleceu uma espécie de controle
de preços - era que tinhamos um laboratório como o Bristol
Myers-Squibb que, embora tenha poucos medicamentos inovadores, estava
obtendo a melhor relação entre capital investido e lucro.
Isso é inaceitável. O único jeito de você legitimar
a idéia de patentes e de proteção à propriedade
intelectual é que isso se transfira em inovação e,
em um segundo momento, em redução de preços. Se um
laboratório não inovador é o que tem melhor lucratividade
está tudo de ponta cabeça. O laboratório multinacional
tem uma função, que é a inovação, que
é transferir para o país produtos que ele inova em nível
internacional. Já o laboratório oficial tem uma função
absolutamente nobre, duas aliás, que é produzir medicamentos
de importância para a saúde pública, como os de aids
e outra é produzir produtos mais antigos, que são necessários
para uma camada de população que não tem acesso a
medicamentos porque o nível de renda é muito baixo. Por
outro lado, temos a política de introdução de genéricos,
que abriu espaço dentro do mercado para uma produção
de qualidade que não se vincula efetivamente a patentes e a marcas.
Então, essa produção acaba viabilizando que os consumidores
de renda média e média baixa cheguem ao mercado, conseguindo
consumir produtos que não estejam em níveis muito elevados
de preços.
Com Ciência
- O sr. coloca a inovação, então, como papel das
multinacionais? O sr. não acha que essa inovação
pode ser também nacional?
Biasoto - Lógico que pode. Mas se você tomar o mundo,
a indústria farmacêutica no mundo, a única coisa efetivamente
importante das multinacionais estarem aqui são elas trazerem as
inovações de fora. Claro que, em muitos nichos, nós
temos capacidade de ter inovação nacional. O Captopril,
que foi um dos produtos que mais vendeu no mundo, é um produto
inventado por um brasileiro, que acabou não conseguindo patentear
e a patente acabou sendo do laboratório Bristol Myers-Squibb. Mas
foi inventado por um brasileiro. Então, é viável
a invenção, principalmente quando você começa
a ter empresas com maior capacidade, com maior poder de fogo dentro do
mercado. Essas empresas de genéricos, que estão crescendo,
dependendo de sua estratégia de produção, criam capacidade
de pesquisa e desenvolvimento. Lógico que temos que conseguir mecanismos
de apoio e financiamento ao desenvolvimento tecnológico dessas
empresas, mas já é um primeiro passo que elas tenham corpo,
tenham peso no mercado.
Com Ciência
- Existem estimativas de que o custo de uma inovação para
o setor de fármacos chega a US$ 500 milhões, não
é?
Biasoto - Francamente eu acho essas coisas muito malucas. Até
porque, se você pegar os produtos dos EUA, tudo que os órgãos
governamentais americanos colocam como gastos de P&D, e que, de um
jeito ou de outro, é transferido para as empresas, é um
volume absurdo de recursos. Então eu tenho muita prevenção,
muita dúvida, de que esses gastos de P&D sejam tão elevados.
Eu acho que é um pouco um processo de chantagem. Como tem sido
também o uso que tem sido feito da patente, que tem sido perverso.
Até que a patente poderia ser legitimável do ponto de vista
da proteção daquele que faz o desenvolvimento tecnolóico.
Mas o que temos visto hoje é uma coisa predatória. As empresas
acabam erigindo um bunker de monopólio e a patente, hoje, está
muito longe de ser um processo que incentive a inovação
tecnológica. Parece muito mais uma mera questão de construção
de monopólios.
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