Entrevistas
Para
o Ministério da Saúde, genéricos devem estilular
produção nacional de fármacos
Geraldo Biasoto Junior
"Estímulo aos genéricos e à indústria
nacional é pequeno", diz Alanac
Dante Alário Junior
Falta
de princípios ativos de medicamentos é obstáculo
ao desenvolvimento
Gilberto De Nucci
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"Estímulo
aos genéricos é pequeno frente aos investimentos que a indústria
precisa fazer", diz presidente da Alanac
O
presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos
Nacionais (Alanac) e diretor da Biolab Sanus, Dante Alário Junior,
fala sobre a situação da indústria farmoquímica
nacional, sobre a política adotada pelo Ministério da Saúde
para a produção e distribuição de genéricos
no país e afirma que o governo vem prejudicando o desenvolvimento
da pesquisa no setor farmoquímico.
Com Ciência
- Como o senhor avalia a situação da pesquisa no setor farmoquímico
no Brasil atualmente?
Dante Alário Junior - Temos algumas poucas indústrias
nacionais com tamanho para entrarem em projetos de pesquisa novos. A maioria,
no entanto, é de médio e pequeno porte e não tem
possibilidade de investir em pesquisa, muito menos de contratar serviços
para os [necessários] exames pré-clínicos e clínicos
no exterior. Elas terão que se limitar a fabricar produtos mais
antigos, de patente vencida, ou então genéricos. Nós
[Biolab Sanus], que temos um tamanho um pouco maior, vemos que é
importante partir para essa nova fase de investimento em pesquisa aqui
no Brasil, mas, lamentavelmente, a Biolab não é representativa
do setor. Os nossos recursos, além disso, também não
são grandes. O mercado brasileiro de medicamentos deve fechar o
ano com faturamento em torno de US$ 7 bilhões, sendo que a indústria
nacional representa apenas 30% desse total. Ou seja, US$ 2,1 bilhões
são divididos por aproximadamente 250 empresas nacionais. E os
70% dos US$ 7 bilhões estão divididos por 40 a 45 empresas
multinacionais. Outro fator limitante é a questão da lucratividade
da indústria. Para a maioria das pessoas é palavrão
falar que a indústria farmoquímica precisa dar lucro, porque
logo vem alguém apontar o dedo dizendo "você está
vivendo da saúde do necessitado". Mas a indústria farmacêutica
não é diferente das outras. Em alguns aspectos sim, porque
tem um lado social. É claro que não é a mesma coisa
que vender um palito de dente. Mas em outros ela é igual à
indústria de palitos de dente. Se ela não der lucro, não
tem como reinvestir. Eu não tenho como aplicar dinheiro em pesquisa
que "pode ou não dar certo".
Com Ciência
- Como vê a política do governo para o setor?
Alário Junior - É preciso entender que investimento
em pesquisa é capital de risco. Um produto patenteado não
é nenhuma garantia de sucesso. De qualquer forma, é preciso
ter lucro para poder fazer essa atividade. Neste momento, a indústria
farmacêutica está muito mal e a nacional pior ainda, porque
o Ministro da Saúde tomou uma decisão, da qual a Alanac
e outras associações de laboratórios discordam, que
é a de controlar os preços dos medicamentos. Ele congelou
o preço com o dólar a R$ 1,7 ou R$ 1,8, mas estamos fechando
o câmbio a R$ 2,7. O que eu faço com essa diferença?
Engulo? É o meu lucro que está indo embora. A indústria
nacional está vivendo um momento bastante dramático. Nós
temos compromissos e ficamos cada vez mais angustiados porque as coisas
estão caminhando, como no caso da parceria com a CAT [que desenvolveu
o fármaco Evasin, o qual deverá ser produzido pela Biolab
e outros laboratórios] e, com o passar do tempo, vão aumentar
as necessidades de desembolso para cumprirmos a nossa parte do projeto.
Eu não sei como faço isso quando tenho o meu preço
controlado, congelado, limitado etc. E o pior é que a alegação
do Ministro é a de que meia dúzia de empresas subiram os
preços exorbitantemente e obrigaram-no a adotaram essas medidas.
Para mim isso é demagogia, porque se me dizem que seis empresas
praticaram coisas inaceitáveis, punam essas empresas e não
o setor como um todo. A indústria nacional é a grande prejudicada.
O governo pode estar causando para a multinacional um prejuízo
de 3% do mercado mundial e em 97% do mundo, ela continua ganhando. Mas
para a indústria nacional uma medida dessas causa 100% de prejuízo,
porque todo o mercado da nacional está aqui. Essa medida me atinge
não em 3%, mas sim em 100% e em pouco tempo me liquida.
Com Ciência
- As pesquisas da Biolab são feitas em parcerias com institutos
de pesquisas e universidades. Como o senhor as avalia? Ainda existe alguma
desconfiança da indústria em relação à
universidade?
Alário Junior - As parcerias são um caminho saudável
para ambos [indústria e órgão de pesquisa]. Evidentemente
ainda há barreiras a serem enfrentadas. A indústria ainda
tem desconfiança da universidade e a universidade tem muito mais
desconfiança da indústria. Às vezes quero contratar
a universidade para uma fase específica da pesquisa, para agilizar
o desenvolvimento de algum produto e ela não tem nem equipamentos
tipo HPLC [equipamento para fazer análises], enquanto na minha
empresa tenho 14 deles. Com isso, a indústria questiona a capacidade
do pessoal universitário para a pesquisa. Outra questão
é o tempo, que para a indústria é mais curto que
para a academia. Nós contamos o tempo em segundos, enquanto a universidade
conta o tempo em horas ou até meses. São línguas
diferentes que ambos ainda precisam aprender a falar melhor. Por outro
lado, a universidade tem medo do contato com a indústria, porque
acha que esta macula sua imagem como instituição de ensino.
Tem medo da interferência da indústria, como se houvesse
interesse nosso em entrar na área de pesquisa, mas não é
essa a intenção. A indústria tem interesse em contratar
uma capacitação em determinada área e não
em interferir no ensino ou na pesquisa. Mas na universidade ainda há
muita gente com a visão de que o pesquisador que trabalha com a
indústria é um mercenário, quando o conhecimento
que ele possui poderia servir não só para a universidade
mas também para a indústria.
Com Ciência
- A implantação dos genéricos significou algum impulso
para a indústria nacional?
Alário Junior - Não. Em termos de avanços tecnológicos
absolutamente nenhum. Para se fazer genérico é preciso ter
uma indústria muito bem implantada. Não é mais como
se fazia antes, quando não havia as mesmas exigências. A
necessidade de adequação é um problema sério
porque é custosa e o genérico tem preço menor. As
margens de lucro dos genéricos são muito menores que as
do produto de marca. Como o governo não tem nenhuma intenção
de financiar a indústria nacional - porque quando financia, na
verdade empresta dinheiro a juros altos, se comparados com qualquer país
europeu ou com os Estados Unidos - então fica muito difícil
tomar empréstimos nessas condições.
Com Ciência
- Não há incentivo nem mesmo para os genéricos?
Alário Junior - Não. Se o empresário recorrer
ao BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento] consegue financiamento, mas
ninguém quer financiamento a esse preço. Quando se registra
um medicamento no Ministério da Saúde, paga-se por um similar
[agora não mais autorizado] R$ 20 mil e por um genérico
R$ 6 mil. Esse tipo de estímulo para registrar um número
maior de genéricos existe, mas isto é muito pouco diante
do que a indústria tem que investir em adequação
para produzir o genérico dentro das regras estabelecidas. É
preciso ter equipamentos e muita gente capaz. E o governo não quer
saber disso. Ele dá um ano, um ano e meio, para a indústria
se adaptar, enquanto no exterior esse tempo é de 10 a 15 anos.
O genérico representa certamente um mercado novo, importante e
interessante para a empresa nacional, mas em termos de agregação
tecnológica é zero. O genérico, pelo qual estão
todos maravilhados, tem um lado extremamente positivo, de levar à
população de menor poder aquisitivo um produto de qualidade
com preço menor, mas o lado tecnológico é zero. O
que é importante é que em paralelo com os genéricos,
haja o similar. A indústria pode usar o mesmo produto do concorrente,
mas porque não quer ser bioequivalente ao dele, quer ser melhor,
faz inovação. E aí sim a empresa cresce tecnologicamente.
Mas o governo não consegue ver isso. É fundamental a existência
do similar para que as empresas nacionais possam fazer inovação.
Com Ciência
- Qual a porcentagem de desenvolvimento de produtos para doenças
tropicais pelas indústrias nacionais?
Alário Junior - É mínima. Só um especialista
de mercado conseguiria chegar a esse número. A pesquisa em doenças
tropicais quase inexiste, porque quem faz pesquisa de fármacos
geralmente são os países desenvolvidos e esses países
não têm doenças tropicais, portanto, não têm
porque desenvolver esse mercado. Seria importante que o governo estimulasse
tal pesquisa, de alguma forma.
Com Ciência
- Como a Alanac se posiciona em relação ao Mercosul e à
Alca?
Alário Junior - A posição da Alanac é
favorável ao Mercosul. É uma questão estratégica.
Será muito mais fácil negociarmos como um bloco e não
como um país, individualmente. O Mercosul, além da possibilidade
de aproximação entre os países participantes também
pode nos tornar fortalecidos numa possível negociação
com a Alca, ou mesmo com o bloco europeu. Em relação à
Alca, nós não a apoiamos, porque as condições
dos países são muito distintas. Não adianta querer
tratar igualmente países tão desiguais. Industrialmente
estamos muito defasados em relação aos Estados Unidos e
ao Canadá. Nós entraríamos em absoluta desvantagem.
Nessas alturas o governo vai enfiar a Alca goela abaixo porque nós
não vamos pedi-la.
Com Ciência
- Quais as perspectivas para exportações de medicamentos
brasileiros?
Alário Junior - Eu diria que o Brasil começa a pensar
em exportação agora. Nós, da Biolab, acabamos de
contratar um diretor somente para comércio exterior. Vamos começar
com América Latina, que está mais próxima e sobre
a qual temos mais conhecimento. Posteriormente, a idéia é
exportarmos para países do Oriente ou outros. Se tivermos produtos
novos, como o Evasin [veja texto
na reportagem sobre Fármacos], por exemplo, fica muito mais fácil.
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