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Brasil: radiografia da saúde
Barjas Negri e Geraldo Di Giovanni (org.)

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Brasil: radiografia da saúde. Barjas Negri e Geraldo Di Giovanni (org.). Instituto de Economia/Núcleo de Estudos de Políticas Públicas/ Brasília, D.F.: Ministério da Saúde.

por Marcos Antonio Macedo Cintra

O livro Brasil: radiografia da saúde, organizado por Barjas Negri e Geraldo di Giovanni, originou-se de uma ampla pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde e coordenada pelo Instituto de Economia e pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas, ambos da Unicamp, envolvendo trinta renomados pesquisadores de diferentes instituições. Além das instituições acima citadas, participaram pesquisadores dos seguintes organismos: Instituto de Geociência da Unicamp, Fundap (SP), Fiocruz (RJ), Ipea (Brasília), Instituto de Medicina Social da UERJ, Instituto de Economia da UFRJ, Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da UFRJ, Departamento de Engenharia Biomédica da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp etc. Trata-se, portanto, de um enorme esforço coletivo dessas instituições de pesquisa, produzindo um verdadeiro divisor de águas na chamada "economia da saúde".

A pesquisa procurou apreender um vasto número de setores que pudesse dar conta do complexo ou sistema de saúde brasileiro. Complexo de saúde entendido como o conjunto que envolve a dinâmica da estrutura técnico-produtiva de equipamentos médico-hospitalares (nacional e estrangeira), da indústria farmacêutica e farmacoquímica, do mercado de trabalho na área da saúde, da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico, dos mecanismos de financiamento público e privado da atenção à saúde, da rede pública e privada de serviços, das reformas institucionais no setor, dos conflitos em torno dos mecanismos de concorrência na indústria farmacêutica etc. Assim, a concepção e execução da pesquisa foram ancoradas em uma noção de economia política, que visa a apreender a natureza e a dinâmica da organização capitalista do complexo de saúde brasileiro e suas relações com a política nacional de saúde e a política econômica.
O livro foi organizado em cinco partes, seguidas por quatro anexos e antecedidas por uma "Apresentação" de Barjas Negri e Geraldo Di Giovanni, além de uma "Introdução" de José Carlos de Souza Braga e Pedro Luiz Barros e Silva intitulada "A mercantilização admissível e as políticas públicas inadiáveis: estrutura e dinâmica do setor saúde no Brasil".

A primeira parte, com artigos de João Furtado, André Tosi Furtado, José Henrique Souza, Calil Said, Sérgio Queiroz, Aléxis Gonzáles Velásquez, Jacob Frenkel, Cláudio Salvadori Dedecca, Marcelo Weishaupt Proni e Amilton Moretto, tratou do "Complexo industrial e trabalho no sistema de saúde".

A segunda parte, com artigos de Sérgio Francisco Piola, Geraldo Biasoto Júnior, Sulamis Dain, Ana Cecília de Sá Campelo Faveret, Carlos Eduardo Cavalcanti, Déa de Carvalho e Waldemir Luiz de Quadros, apreendeu as "Finanças e dispêndios: financiamento do SUS, gasto público e base tributária".
A terceira parte, com artigos de Nilson do Rosário Costa, Pedro Luiz Barros e Silva e José Mendes Ribeiro, realizou um diagnóstico da "Reforma do setor saúde: o Brasil e as tendências internacionais".
A quarta parte, com artigos de Lígia Bahia, Cristina Maria Rabelais Duarte e Carlos Octávio Ocké Reis, retratou o "Sistema de saúde suplementar (o sistema privado de atenção à saúde)".
A quinta parte, com artigos de José Mendes Ribeiro, Ricardo Romano, Pedro José Baptista Bernardo e Maria Tereza Leopardi Mello, discutiu "Preços e contratos: em busca da regulação pertinente".
A enorme quantidade e também a excelente qualidade dos trabalhos e a amplitude dos temas abordados tornam impossível, nos limites de uma resenha, apresentar cada um dos artigos. Optou-se, então, por traçar alguns comentários gerais suscitados pela leitura desse livro monumental, que tem todos os elementos para se transformar numa das principais referências no debate sobre os rumos do complexo da saúde brasileiro.

A análise da estrutura técnico-produtiva do sistema de saúde - isto é, a base industrial relacionada com a atenção à saúde, que envolve a indústria de insumos e equipamentos médico-hospitalares, a indústria farmacêutica e a indústria farmacoquímica -, evidenciou as dificuldades enfrentadas por esse segmento industrial a partir da abertura econômica promovida nos anos 90. Conseqüentemente, identificou-se a necessidade de definir políticas públicas capazes de coordenar a expansão dessa estrutura técnico-produtiva, mediante a articulação do impacto dos gastos públicos em saúde sobre a demanda (de equipamentos, insumos, medicamentos etc), estabelecer tarifas alfandegárias sobre a importação de matérias-primas (fármacos, por exemplo), negociar a carga tributária e o financiamento público (leia-se, crédito do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES) para compor uma dinâmica industrial favorável a fim de impedir novos recuos, como aconteceram em alguns segmentos desta base industrial, nos anos 90.

No que tange à regulação da estrutura de serviços de saúde suplementar, as pesquisas ilustraram o acelerado processo de diversificação dos grupos privados de saúde mediante a formação de grandes conglomerados contendo: empresas de vale-alimentação, de assessoria ao cumprimento das condições de saúde dos trabalhadores, de ensino pelo vínculo com universidades privadas, de marketing, criação de seguradoras, distribuição e comercialização de equipamentos e medicamentos, construção, aquisição e reforma de unidades hospitalares, ambulatoriais e laboratoriais, constituição de empresas de transporte aéreo, terrestre e de cuidados domiciliares etc.
Sobre a evolução do gasto público líquido com saúde, os autores mostraram que houve uma redução nos anos 90. Porém, a aprovação da Emenda Constitucional No. 29/2000 viabilizou uma certa estabilidade no financiamento da saúde pública, à medida que assegurou um percentual mínimo de recursos da União, dos Estados e dos Municípios para gastos na área. Gradualmente, estados e municípios deverão alocar, no primeiro ano, pelo menos 7% das receitas resultantes de impostos e transferências constitucionais para essa área, sendo que esse percentual crescerá gradualmente até atingir 12% para os estados e 15% para os municípios, em 2004. A União deverá destinar 5% a mais do que dispensou no ano 1999 à saúde; para os anos seguintes, o valor apurado no ano anterior deve ser corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB).

Contudo, deve-se enfatizar que o mecanismo de reajuste do volume de recursos alocado para o sistema público de saúde federal ficou vinculado à taxa de crescimento do PIB, o que remete ao desempenho da economia. Ou seja, a taxa de reajuste dos recursos da órbita federal, durante um período recessivo, poderá ser negativa (o que implicaria em redução do volume de recursos). De todo modo, se essa decisão for levada a cabo, pelas três esferas de governo, poderá significar uma mudança importante no financiamento da saúde pública no país. Além disso, a despeito da persistência de graves problemas de saúde pública, houve avanços consideráveis na qualidade do serviço público de saúde, a partir do processo de descentralização implementado pela Norma Operacional Básica 01/1996 do Ministério da Saúde.

Emerge, portanto, dessas análises do sistema de saúde brasileiro a necessidade de uma política de preços para os fornecedores da base técnico-industrial e de uma política de alocação dos investimentos dos provedores de serviços de saúde, de forma articulada com a política pública e privada de atenção à saúde. Não se trata, evidentemente, de desencadear uma ordem do Estado, mas de promover uma negociação com os agentes públicos e privados que tomam decisões de formar preços, de investir na expansão da capacidade de oferta de produtos e serviços, de definir estratégias de gestão das redes de serviços de atenção à saúde, etc. Portanto, explicita-se a necessidade de uma regulação público-privada de todo o complexo de saúde.
Essa coordenação público-privada de amplo espectro implicaria uma forte orientação estratégica do Ministério da Saúde, juntamente com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre todo o conjunto do sistema de saúde, a fim de compatibilizar o dinamismo empresarial com os direitos dos usuários, visando a promover a melhoria da qualidade da atenção médico-hospitalar etc. Ou seja, uma política estratégica e negociada para coordenar, a partir do Ministério da Saúde, em articulação com a ANS, os investimentos na base técnica de serviços do setor público e do setor privado e, simultaneamente, na estrutura industrial.

Os fatos recentes que envolveram a indústria farmacêutica e o Ministério da Saúde, parecem ilustrar perfeitamente o êxito dessa coordenação negociada. O ministro José Serra, mediante a aprovação da lei dos medicamentos genéricos e da ameaça e quebra do direito de patente de alguns medicamentos, garantiu o pleno tratamento dos pacientes com HIV/Aids e transformou essa política pública e privada em referência mundial. Evidentemente, isso sinaliza que uma regulação do complexo de saúde, a partir do Ministério da Saúde, em conjunto com a ANS, poderia promover o encaminhamento de soluções para as grandes carências de saúde da população brasileira.
Finalmente, deve-se afirmar que se é verdade que havia muitas dificuldades para estabelecer plenamente os contornos da chamada "economia da saúde", a publicação deste livro torna seus limites um pouco mais delineados.

Atualizado em 10/10/01
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