Novo
instrumento de política científica e tecnológica
no setor petrolífero nacional: a experiência do CT-Petro
Adriana Gomes de Freitas
No final da década de 1990 evidencia-se um novo modelo institucional
no setor petróleo e gás natural. Essa mudança
coincide com a quebra do monopólio (lei No 9.478/1997) que
vem promovendo mudanças, particularmente na dinâmica
do sistema setorial de inovação relacionado à
indústria petrolífera nacional. A Lei nº 9.478/1997,
ao promover novas iniciativas que até então eram apenas
exercidas pela Petrobrás, vem possibilitando que outras empresas
estrangeiras venham competir com a empresa estatal em todos os segmentos
onde esta atua, a saber: atividades de exploração,
produção, refino e transporte. 1
A mudança
institucional em curso desde o final dos anos 90, promove também
um novo modelo de fomento às atividades de C&T no setor
petrolífero nacional, onde foi constituído o fundo
setorial do petróleo e gás natural - CT-Petro. Este
fundo tem como objetivo apoiar as atividades de C&T nesse setor
que antes eram exercidas prioritariamente pela Petrobras e seu centro
de Pesquisa, Desenvolvimento & Engenharia Básica (P,D&EB).
Os recursos destinados pelo fundo, composto por uma parcela dos
royalties arrecadados com a produção de petróleo
e gás natural, ampliando os recursos que vêm sendo
destinados à indústria petrolífera nacional.
A previsão plurianual do CT-Petro, no período 1999-2003,
é de um volume de recursos da ordem de RS$ 657 milhões
que serão liberados através do lançamento de
editais públicos. 2
O CT-Petro
tem como objetivo dar apoio à pesquisa científica
e tecnológica, bem como à capacitação
de recursos humanos do setor. O Plano Nacional de Ciência
e Tecnologia do setor petróleo e gás natural se propõe
a identificar e apoiar o desenvolvimento de tecnologias críticas
e os interesses da indústria do petróleo nas áreas
upstream e downstream. Durante o qüinqüênio
1999-2003, vários editais para seleção pública
de projetos de P&D no setor petrolífero serão
lançados. 3
Percebe-se
nas ações promovidas pelo CT-Petro, a iniciativa de
consolidação de um sistema setorial de inovação,
ao promover a articulação das instituições
científicas e tecnológicas do país envolvidas
no processo de desenvolvimento tecnológico do setor petróleo
e gás natural, fazendo com que estas integrem-se ainda mais
com as empresas de bens de capital, empresas de petróleo
e firmas de engenharia.
Os
primeiros editais do CT-Petro, lançados em 1999, apoiaram
a implantação da infra-estrutura de pesquisa para
proporcionar o suporte aos interesses emergenciais da Agência
Nacional do Petróleo, com vistas à qualidade técnica
dos combustíveis nacionais. Pode-se dizer que o edital "Pesquisa
e Desenvolvimento nas Áreas Prioritárias" (edital
03/2000) foi a primeira iniciativa de apoio ao desenvolvimento C&T
e a consolidação do sistema setorial de inovação.
Apesar de um grande volume de propostas submetidas, um número
menor de projetos foi aprovado e um número muito restrito
de instituições tiveram seus projetos aprovados4.
Esse edital propôs a articulação induzida entre
empresas do setor petróleo e gás natiral (P&GN)
com a comunidade científica, propondo uma agenda de projetos
de desenvolvimento tecnológico para esse setor. Apesar desses
esforços, o envolvimento das empresas nesse edital ficou
muito aquém do necessário ao estabelecimento de elos
sustentáveis entre a empresa e a universidade. Todavia, pode-se
constatar uma significativa concentração de recursos
em poucas instituições de C&T e empresas do país,
o que pode sinalizar a elevada especialização e concentração
de competências existente no sistema C&T nacional, que
se refletiu no Edital 03/2000 do CT-Petro.5
Em
2001, os Editais do CT-Petro perseguiram quatro orientações:
i) ampliação da capacitação técnica
das universidades e centros de P&D do N/NE, ii) reforço
à formação de recursos humanos no setor petróleo
e gás natural; iii) direcionamento e ampliação
da atuação das empresas na definição
da agenda de P&D para esse setor e iv) fomento a incubadoras
de empresas no setor.
Na
primeira orientação observa-se a proposta de melhorar
a capacitação técnica das Instituições
de ensino superior (IES) na região N/NE. Conforme as Diretrizes
Gerais do Plano Nacional de Ciência e Tecnologia do setor
petróleo e gás natural, dentre as quais destaca-se
que o total dos royalties provenientes da produção
do petróleo e gás natural destinado ao Ministério
de Ciência e Tecnologia, que deverá ser aplicado num
percentual mínimo de 40% em programas liderados por instituições
das regiões Norte e Nordeste do país (Lei nº
9.478/1997). A capacitação dessas regiões culmina
com um edital de arranjo inovador denominado "Redes Cooperativas
de Pesquisa do Setor Petróleo e Gás Natural nas Regiões
Norte e Nordeste". Durante o processo seletivo desse edital,
foram formadas treze redes na região Norte-Nordeste e cada
uma delas envolve mais de uma instituição de C&T
por projeto. Vale ressaltar que cada rede apresenta uma carteira
de projetos sobre um tema similar, portanto envolvendo várias
competências nucleadas no entorno de projetos pertencentes
a esse arranjo formado por uma rede. A constituição
das redes pode ser considerada como uma proposta ousada e uma perspectiva
de avanço importante no tratamento interdisciplinar e interinstitucional
para o desenvolvimento de uma carteira de projetos, culminando na
possibilidade de maior circulação de conhecimento
entre os pares, localizados em diferentes instituições
regionais. Oferece também a possibilidade de um agente contribuir
simultaneamente com o desenvolvimento do outro integrante da mesma
rede. Apesar de inovador, esse arranjo apresenta dificuldades operacionais
e jurídicas e a necessidade de geração de novas
formas de gerenciamento por parte dos órgãos de fomento.
A segunda
orientação trata os editais de apoio a formação
de recursos humanos no setor petróleo e gás natural.
Nesta direção também foi proposto edital para
fixação de doutores, técnicos e/ou profissionais
técnicos nas regiões Norte e Nordeste. Face ao crescimento
significativo e recente das atividades do setor petrolífero,
a oferta de recursos humanos existentes no país não
oferece contrapartida à demanda latente. Para tal, esses
editais procuram responder à necessidade de capacitar um
número maior de profissionais para atuar na indústria
e na atividade de P&D associadas ao setor. Esses esforços
também precisam ser consideráveis quando é
observada a insuficiência do número de recursos humanos
especializados que são formados na região Norte e
Nordeste.
A terceira
orientação presente nos editais do CT-Petro em 2001
foi apoiar um novo processo seletivo de projetos onde a empresa
identificasse e priorizasse a pesquisa aplicada de seu interesse,
o que culminou com o edital "Carta-Convite às Empresas
da Cadeia Produtiva Vinculada ao Setor Petróleo e Gás
Natural". Para essa modalidade de edital, as empresas deveriam
junto ao CT-Petro escolher os temas que seriam objeto de apoio.
Nesse edital o público-alvo são as grandes empresas
do setor petróleo e gás natural e/ou consórcio
de empresas. Esse edital teve como propósito efetuar uma
espécie de ajuste e/ou ampliação dos mecanismos
de estreitamento das empresas com as universidades, fazendo com
que aquelas definissem seus interesses de pesquisa e explicitasse
os mesmos para universidade. Esta última, por sua vez, se
comprometeria em elaborar o projeto. Vale ressaltar o caráter
inovador desse edital e sua tentativa de inverter o processo observado
no edital 03/2000 do CT-Petro, no qual as instituições
C&T buscaram as empresas para concorrer aos recursos do fundo
e, conseqüentemente, predominaram as pesquisas de interesse
acadêmico. Outro aspecto importante que deve ser observado
no edital carta convite é que este privilegia as grandes
empresas e/ou a formação de consórcios com
empresas com larga experiência em solicitação
de recursos junto aos organismos de fomento, pois os prazos e a
articulação para participar do processo seletivo exige
que as empresas interessadas sejam capazes de responder ao restrito
intervalo de tempo.
Por
último, os editais do CT-Petro tiveram a iniciativa de apoiar
o processo de inovação tecnológica na cadeia
produtiva do setor petróleo e gás natural, através
do fomento às incubadoras que porventura tivessem estrutura
mínima para dar suporte ao desenvolvimento de novas empresas
neste setor. Essa iniciativa, observa experiências internacionais
de fomento a novas empresas de base tecnológica, bem como
amplia os mecanismos de transferência de tecnologia para a
indústria petrolífera. Considerando a necessidade
de criar um espaço específico para o surgimento de
empresas, esse edital procurou dar suporte às incubadoras
se habilitem a auxiliar empresas do setor petróleo e gás
natural.
Os
fundos setoriais, particularmente o CT-Petro, representa um expressivo
volume de recursos neste setor. Por conta disso, percebe-se uma
certa re-orientação técnico-científica
das IES públicas e privadas do país induzida pelo
volume de recursos disponíveis para o fomento da P&D
no setor petrolífero nacional. Muitas dessas instituições
apóiam-se em áreas de fronteira do conhecimento para
promover sua inserção em atividades de inovação
desse setor. Resta saber o custo e/ou perdas de competências
que a migração forçada poderá causar
a esses Centros e/ou Universidades. Vale ressaltar as novas instituições
de P&D em petróleo e GN que, pelo resultado obtido nesse
edital, sinalizam o interesse em ampliar sua participação
nos próximos editais. Também vale ressaltar o surgimento
de "novas entrantes" - IES e empresas - interessadas em
realizar atividades de pesquisa no setor, estimuladas a participar
pela possibilidade de obtenção de recursos para pesquisa
proporcionadas pelo fundo. No caso dessas, será necessário
empreender esforços para que essas instituições
e/ou empresas sem tradição em P&D no setor reforcem
suas competências favorecendo a consolidação
do sistema setorial de inovação e a cadeia produtiva
do setor petróleo e gás natural.
Outro
aspecto importante relacionado ao CT-Petroé a ampliação
da atuação de agentes necessários à
inovação. Todavia, percebe-se que poucas instituições
contempladas criaram no seu entorno uma rede de parcerias e co-executores
como: fabricantes de equipamentos, firmas de engenharia, operadoras,
prestadoras de serviços e outros agentes. Deve-se, no entanto,
reforçar a importância da articulação
de um conjunto mais amplo de atores envolvidos com o processo de
inovação, sem o qual a difusão tecnológica
e seus reflexos à competitividade industrial poderão
ser maiores.
No
âmbito dos editais do CT-Petro a participação
das empresas do setor foi restrita e resta fazer a seguinte reflexão:
até que ponto serão realizados esforços de
consolidação do sistema de inovação
no setor petróleo e gás natural com participação
tão pouco expressiva dos demais agentes fundamentais ao processo
de inovação e do usuário da mesma? Até
que ponto o co-financiamento da P&D pelas empresas garante o
seu envolvimento e/ou a transferência efetiva do conhecimento
tecnológico? Essas reflexões transcendem a sucinta
abordagem aqui apresentada, mas é de fundamental importância
repensar sobre tais questões nesta fase inicial de implementação
dos recursos do CT-Petro, de forma a contribuir para a montagem
de rearranjos que facultem ao processo de inovação
e ampliem a competitividade da indústria petrolífera
nacional.
Os
fundos setoriais apresentam grandes possibilidades para um aumento
significativo da atividade C&T, particularmente no setor petrolífero
nacional. A experiência dos editais do CT-Petro permite aprofundar
o debate e ações que poderão reforçar
o sistema setorial de inovação, onde se fazem necessárias
iniciativas que garantam um maior envolvimento e integração
entre a empresas do setor petróleo e gás natural e
a universidade.
Adriana Gomes de Freitas é Pesquisadora Associada do Departamento
de Política Científica e Tecnológica do Instituto
de Geociências, da Unicamp e professora da PUC/SP e FIRB
Notas
4.
Em resposta ao Edital 03/2000 do CTPETRO, 585 projetos
foram submetidos por 150 instituições do país,
dos quais apenas 126 projetos foram aprovados por 37 instituições
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Bibliografia
1.
SUSLICK, S. B. (Org.). Regulação em
petróleo e gás natural. Campinas: Komedi, 2001. [voltar]
2.
FURTADO,
A. Mudança institucional e inovação na indústria
brasileira de petróleo. Campinas: UNICAMP, 2002. (mimeo)
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3. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA.
Plano Nacional de Ciência e Tecnologia do Setor Petróleo
e Gás Natural - CTPETRO. Diretrizes Gerais. link,
disponível em 14/12/2001 [voltar]
5. PEREIRA, N. M. et. al. Relatório de Projeto:
Perfil dos projetos financiados pelo CTPETRO Edital 03/2000. Campinas:
UNICAMP, 2002. (mimeo). [voltar]
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