Abertura
e política de preços no setor de petróleo:
uma breve introdução ao debate
Adriano
Pires
Leonardo Campos Filho
Nos
últimos cinco anos, foram realizadas inúmeras iniciativas
para corrigir as graves distorções que dominavam o
setor de petróleo no Brasil até meados da década
de 1990. Vasta gama de subsídios imperava beneficiando interesses
particulares em detrimento da sociedade como um todo. Os preços
distorcidos e controlados levavam a ações oportunistas,
e as quotas para retiradas nas refinarias engessavam a competição
e fomentavam a indústria de liminares. Por seu turno, a estrutura
de preços carregava um fardo, pouco conhecido, chamado Parcela
de Preço Específica (PPE), que arrecadava milhões,
não era prevista em lei e servia, basicamente, para fazer
frente aos subsídios. As importações e exportações
eram monopólio da Petrobras e o país estava fechado
ao fluxo de investimento privado no segmento de exploração,
produção, transporte e refino.
Com
o objetivo de incentivar a entrada de novos investimentos e aumentar
a concorrência, iniciou-se uma reforma que teve como balizador
fundamental a promulgação da Lei No 9478 de agosto
de 1997. O novo marco legal criava as bases para abertura dos segmentos
de exploração e produção, refino, transporte,
importação e exportação de gás
natural, petróleo e seus derivados. Objetivava-se, também,
a eliminação gradual dos subsídios e a progressiva
desregulamentação dos preços. Para tanto, foi
estabelecido um período de transição com término
previsto em agosto de 2000, posteriormente adiado para dezembro
de 2001. Durante esta fase, os preços seriam ainda controlados
pelos Ministérios da Fazenda e Minas e Energia. Em janeiro
de 2001, conclui-se, assim, esse processo com instauração
da plena liberdade de preços que passam a refletir as condições
de oferta e demanda do mercado internacional.
Por
meio da Lei No 10.336, foi instituída, em dezembro de 2001,
a Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico (CIDE) incidente sobre a importação
e comercialização de petróleo, gás natural,
seus derivados e álcool etílico. Com a CIDE, o governo
substituiu a PPE por um mecanismo de arrecadação com
respaldo legal e com destino definido. Os recursos arrecadados pela
contribuição são destinados para: pagamento
de subsídios, financiamento de projetos ambientais relacionados
à indústria do petróleo e gás nacional
e programas de infra-estrutura de transporte. Como se observa no
gráfico 1, a gasolina apresenta a maior alíquota e
o óleo combustível a menor. Segundo os dados do Tesouro
Nacional, entre janeiro e agosto de 2002, a CIDE já arrecadou
R$ 9,5 bilhões1.
O sucesso
do modelo de abertura pode ser medido pelos seguintes fatos: mais
de 40 novas empresas ingressaram no segmento de Exploração
e Produção, a ANP arrecadou com os leilões
cerca de R$ 1,5 bilhão em bônus de assinatura, e o
setor de petróleo e gás vem crescendo, acima da média
nacional, com sua participação no PIB elevando-se
de 2,7% em 1997 para 5,4 % em 20002.
O período
de transição para o mercado livre terminou em dezembro
de 2001. Entretanto, tanto o governo como a ANP se esqueceram de
que, apesar da queda das barreiras institucionais, a Petrobras detém
posição dominante em vários segmentos da cadeia.
Sendo assim, a liberdade de preços deveria ser vigiada. Ocorre
que nenhum mecanismo visível de acompanhamento dos preços
e de seus reajustes foi posto a serviço da sociedade. Essa
falta de informação cria desconfiança e fomenta
todo tipo de assertivas, corretas ou não, de que a Petrobras
estaria exercendo seu poder de mercado, praticando preços
de monopólio e discriminando a favor de suas subsidiárias.
Gráfico
1: Valor Máximo da CIDE incidente sobre os combustíveis |
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Em
meados de 2002, essa situação ficou latente quando
se verificou um intenso debate em torno da elevação
dos preços do GLP ao consumidor final. Após o fim
dos subsídios, o preço do produto ao consumidor final
aumentou 39% entre novembro de 2001 e julho de 20023.
Depois de uma série de discussões sobre os culpados
pela elevação, a ANP4
estabeleceu uma redução do preço nas refinarias
da Petrobras de 12,4% para o produto destinado à comercialização
em botijões de 13kg. Desde então, o preço do
produto na refinaria não foi alterado.
O ano
de 2002, também, tem sido pautado por uma série de
eventos fomentando a instabilidade tanto no mercado externo como
no ambiente doméstico. Na esfera internacional, o acirramento
do conflito na Palestina e as ameaças latentes de invasão
do Iraque adicionaram volatilidade ao mercado de petróleo.
No Brasil, a sucessão presidencial e os movimentos abruptos
da taxa de câmbio acrescentaram instabilidade aos preços
dos derivados que passaram a serem vistos como um fator de ameaça
à elevação da inflação.
Gráfico
2: Evolução do preço do petróleo
Brent |
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Diante
desse quadro, os reajustes dos preços do diesel e da gasolina
nas refinarias da Petrobras foram suspensos desde 30 de junho de
2002. Quando comparados aos preços internacionais do diesel
e da gasolina5 (Golfo do
México), os valores praticados em fins de outubro de 2002
no Brasil (preço na refinaria sem CIDE e ICMS) já
estão respectivamente cerca de 35% e 25% menores.
Gráfico
3: Preço óleo diesel Golfo X Petrobras |
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Gráfico
4: Preço gasolina Golfo X Petrobras |
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Dois
aspectos merecem destaque em relação aos desdobramentos
recentes da política de preços dos derivados de petróleo.
Primeiramente, caso não seja restabelecida a paridade com
o mercado externo distorções crescentes serão
observadas no ambiente doméstico. O atual patamar de preços
desestimula novos investimentos privados e impõe mais dificuldades
para Petrobras captar recursos no exterior. Esse fato necessariamente
reduziria as chances de sucesso da atual estratégia de internacionalização
da empresa, colocando-a em desvantagem em relação
aos seus competidores globais. Por outro lado, essa situação
conduz a patamares de consumo e refino ineficientes; contribuindo
para o desperdício na demanda e reduzindo os incentivos à
construção de refinarias no Brasil.
Caso
o objetivo do governo seja a redução da volatilidade
dos preços internacionais, que afeta negativamente a tomada
de decisão dos agentes no mercado e arrefece a atividade
econômica, a discussão deveria se concentrar na formulação
de mecanismos de amortecimento das flutuações dos
preços do produto. Nesse sentido, cabe examinar experiências
de países que adotaram tais mecanismos, apontando suas vantagens
e desvantagens. Na América Latina, destaca-se o caso do Chile
que, desde 1991, adotou um fundo de estabilização
para os preços dos derivados de petróleo.
O outro
aspecto está relacionado à necessidade de instrumentos
ágeis de acompanhamento e repressão a práticas
anticompetitivas, principalmente em segmentos caracterizados pela
presença de importantes barreiras à entrada. Caso
existam suspeitas de condutas abusivas, os órgãos
da defesa da concorrência, em conjunto com a ANP, devem rapidamente
proceder à investigação. Além disso,
a fórmula de reajuste de preços adotada pela Petrobras
deve ganhar em transparência e mais informações
devem veiculadas acerca dos preços e das condições
de compra nas refinarias da empresa.
Em
suma, o governo deve ter como objetivo a promoção
da competição ao longo do tempo, garantindo assim
a melhor maneira de proteger o interesse dos consumidores. Para
tanto, o setor deve ser regido pelas condições de
demanda e oferta do mercado internacional, atreladas a um órgão
regulador forte e articulado com os organismos de defesa da concorrência
que proporcionem um ambiente de liberdade vigiada. Caso estas condições
não sejam respeitadas, o Brasil corre o risco do isolacionismo
que afetaria negativamente a estratégia corporativa da Petrobras
e limitaria as possibilidades de novos investimentos.
Adriano
Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura -
CBIE e Professor da UFRJ.
Leonardo Campos Filho é consultor Associado do CBIE.
Notas:
1.www.stn.fazenda.gov.br
- consultado em outubro de 2002. [voltar]
2. Machado, G.V., 2002, Estimativa da contribuição
do setor petróleo ao Produto Interno Bruto do Brasil, Nota
Técnica ANP No 15, Rio de Janeiro. [voltar]
3. Evolução dos preços de GLP/Média
Brasil - www.anp.gov.br.
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4. Resolução do Conselho Nacional
de Política Energética (CNPE) No 4 de 06 de Agosto
de 2002 e Despacho Agência Nacional do Petróleo (ANP)
No 524/2002. [voltar]
5. Como o Brasil exporta gasolina, o preço
externo de referência é o valor prevalecente no mercado
do Golfo do México, deduzido do custo de frete. No caso do
diesel, como o país é importador, a paridade é
formada pelo preço de referência no Golfo somado do
frete até o Brasil. [voltar]
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