História
do petróleo no Brasil
A história da indústria petrolífera do Brasil
se confunde com a criação da Petrobras, em 1953, empresa
que alavancou a exploração deste recurso natural que
se tornaria um dos termômetros da política internacional.
No cenário mundial, hoje, o Brasil ocupa o 16º lugar
no ranking dos maiores produtores de petróleo do mundo.
Até isso ocorrer foi preciso que houvesse um aumento da capacitação
de recursos humanos, injeção de capital, crises internacionais
e a criação de políticas que organizaram e
priorizaram o petróleo para o desenvolvimento do país.
Mas
este foi o resultado de uma caminhada que começou quando
observadores e curiosos foram gradativamente desvendando os primeiros
vestígios de petróleo em solo brasileiro a partir
do final do século XIX. Nos EUA, em 1859, perfurava-se o
primeiro poço de petróleo na Pensilvânia, descoberto
pelo coronel Edwin L. Drake. A hoje módica extração
de 19 barris ao dia, motivou inúmeras outras iniciativas.
No
Brasil, as primeiras tentativas de encontrar petróleo datam
de 1864, Mas apenas em 1897, o fazendeiro Eugênio Ferreira
de Camargo perfurou, na região de Bofete (SP), o que foi
considerado o primeiro poço petrolífero do país,
muito embora apenas 2 barris tenham dele sido extraídos.
Nesta época o mundo conheceu os primeiros motores à
explosão que expandiriam as aplicações do petróleo,
antes restritas ao uso em indústrias e iluminação
de residências ou locais públicos. No final do século
XIX, dez países já extraíam petróleo
de seus subsolos.
Entre
as principais tentativas de órgãos públicos
organizarem e profissionalizarem a atividade de perfuração
de poços no país estão a criação
do Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro
(SGMB), em 1907, do Departamento Nacional da Produção
Mineral, órgão do Ministério de Agricultura,
em 1933, e as contribuições do governo do estado de
São Paulo. Muito embora as iniciativas tenham sido importantes
para atrair geólogos e engenheiros estrangeiros e brasileiros
para pesquisar nos estados do Alagoas, Amazonas, Bahia e Sergipe,
a falta de recursos, equipamentos e pessoal qualificado dificultaram
a chegada de resultados positivos.
Durante
a década de 30, já se instalava no Brasil uma campanha
para a nacionalização dos bens do subsolo, em função
da presença de trustes (reunião de empresas
para controlar o mercado) que apossavam-se de grandes áreas
de petróleo e de minérios, como o ferro. Um das pessoas
que desempenhou papel chave nesta campanha foi Monteiro Lobato,
que sonhava com um Brasil próspero que pudesse oferecer progresso
e desenvolvimento para sua população. Depois de uma
viagem aos Estados Unidos, em 1931, Lobato retorna entusiasmado
com o modelo de país próspero que conhecera e passa
a defender as riquezas naturais do Brasil e sua capacidade de produzir
petróleo, através de contribuições de
artigos para jornais e palestras para promover a conscientização
popular. Estavam entre seus esforços de luta, cartas enviadas
ao então presidente Getúlio Vargas, alertando-o sobre
os malefícios da política de trustes para o
país e a necessidade de defesa da soberania nacional na questão
do petróleo; recebeu do governo a concessão de duas
companhias de petróleo de exploração do recurso,
além de ter lançado os livros O escândalo
do petróleo e do infanto-juvenil, O poço do
Visconde, Serões de Dona Benta e Histórias de Tia
Nastácia, sobre a descoberta do petróleo.
(...)
O assunto é extremamente sério e faz jus ao
exame sereno do Presidente da República, pois que as
nossas melhores jazidas de minérios já caíram
em mãos estrangeiras e no passo em que as coisas vão
o mesmo se dará com as terras potencialmente petrolíferas.
(...)
Trecho
da Carta que Monteiro Lobato enviou ao presidente Getúlio
Vargas em 20 de janeiro de 1935.
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Nesse
meio tempo, no interior da Bahia, no município, coincidentemente
mas nada relacionado ao escritor, de Lobato, Manoel Ignácio
Bastos, engenheiro que trabalhava para a delegacia de Terras e Minas,
encontra amostras de uma substância negra que, após
ser analisada pelos engenheiros Antonio Joaquim de Souza Carneiro,
da Escola Politécnica de São Paulo e Oscar Cordeiro,
da Bolsa de Mercadorias, é confirmada como sendo petróleo.
Depois de muitas tentativas frustradas de atrair a atenção
das autoridades, finalmente, em 1939, a sonda enviada pelo DNPM
jorraria petróleo abundantemente, sendo considerado o primeiro
poço comerciável do país, dois anos depois.
Apenas
como curiosidade, quem recebeu os créditos pela descoberta
foi Oscar Cordeiro, fato que só seria corrigido pela Petrobras
em 1965, quinze anos após a morte de Ignácio Bastos,
após extensa análise documental apresentada pela viúva
de Bastos.
"Minha
filha, eu agora tomei um choque. Passei no Lobato e vi lá
uma placa - 'Mina de Petróleo de Oscar Cordeiro'. E
eu retruquei. Não disse a você, Maneca, que não
convidasse ninguém e esperasse ajuda do governo? E
Maneca, sempre incisivo nas respostas: 'Mas minha filha, Cordeiro,
como presidente da Bolsa de Mercadorias, pode levar avante
a parte comercial da sociedade' ".
Maneca
- apelido de Manoel Ignácio Bastos. Entrevista que
Dona Diva, viúva de Bastos, concedeu ao Jornal da Bahia
na década de 1950. Fonte: Afinal quem descobriu
o petróleo no Brasil? de Petronilha Pimentel.
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O
êxito obtido em Lobato reforçou a necessidade do país
minimizar sua dependência em relação às
importações de petróleo. Conseqüentemente,
em 1939 o governo de Getúlio Vargas instala o Conselho Nacional
do Petróleo (CNP), com a primeira Lei do Petróleo
do país, para estruturar e regularizar as atividades envolvidas,
desde o processo de exploração de jazidas até
a importação, exportação, transporte,
distribuição e comércio de petróleo
e derivados. Este decreto tornou o recurso patrimônio da União.
Daí
em diante, muitas perfurações foram feitas nas bacias
do Paraná de Sergipe-Alagoas e do Recôncavo, sendo
que as principais descobertas foram feitas nesta.
Nos
anos 50, a pressão da sociedade e a demanda por petróleo
se intensificavam, com o movimento de partidos políticos
de esquerda que lançam a campanha "O
petróleo é nosso". O governo Getúlio
Vargas responde com a assinatura, em outubro de 1953, da Lei 2004
que instituiu a Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras) como
monopólio estatal de pesquisa e lavra, refino e transporte
do petróleo e seus derivados.
O
início da indústria do petróleo no Brasil
Em função do desenvolvimento industrial e da construção
de rodovias que interligavam as principais cidades brasileiras,
o consumo de combustíveis fósseis aumenta grandemente
na década de 50. No período, a produção
nacional era de apenas 2.700 barris por dia, enquanto o consumo
totalizava 170 mil barris diários, quase todos importados
na forma de derivados (combustível já refinado). Esses
dados foram publicados por Celso Fernando Lucchesi, no número
33 da Revista do Instituto de Estudos Avançados, da
USP. A partir da década de 1950, então, a nova empresa
intensificou as atividades exploratórias e procurou formar
e especializar seu corpo técnico, para atender às
exigências da nascente indústria brasileira de petróleo
(leia reportagem sobre capacitação
para o setor petrolífero)
Com
a criação da Petrobras "saímos do zero,
já que a indústria [de petróleo antes da Petrobras]
era praticamente inexistente", afirma José Lima, gerente
executivo de Recursos Humanos da Petrobras.
Até
1968, os técnicos vindos de outros países foram, gradativamente,
sendo substituídos por técnicos brasileiros, que eram
enviados ao exterior para se especializarem. Os esforços
eram concentrados na região da Amazônia e do Recôncavo.
Quinze anos após a criação da Petrobras, as
áreas de exploração se expandiram para a acumulação
de Jequiá, na bacia de Sergipe-Alagoas, em 1957 e Carmópolis
(SE), em 1963. Em 1968, a área de exploração
atingiu Guaricema (SE), o primeiro poço offshore (no
mar) e Campo de São Matheus (ES), em 1969. Essas descobertas
contrariaram os resultados de um relatório divulgado em 1961,
pelo geólogo norte-americano Walter Link, contratado pela
Petrobras, que concluiu a inexistência de grandes acumulações
petrolíferas nas bacias sedimentares brasileiras. Mas Guaricema,
fruto de investimentos em dados sísmicos e sondas marítimas,
injetou novos ânimos nas perspectivas de um Brasil auto-suficiente,
que passaria a redirecionar suas pesquisas agora para o mar. Ao
final de 1968, a indústria brasileira produzia mais de 160
mil barris por dia.
Embora
a empresa já estivesse melhor estruturada, com profissionais
brasileiros mais especializados e com a produção mais
incrementada, a alta competitividade do mercado internacional tornava
a importação uma atividade irresistível, estacionando
a produção nacional, frente a um consumo crescente.
O declínio das reservas terrestres e a baixa produção
no mar levaram à ampliação dos financiamentos
no downstream (refino, transporte e petroquímica)
e à criação da Braspetro em 1972, com a finalidade
de buscar alternativas de abastecimento de petróleo em outros
países. Neste ponto, o petróleo já era o peso
e a medida de muitas economias do mundo, fato que foi comprovado
com a eclosão da primeira crise do petróleo, em 1973,
que modificou profundamente as relações de poder das
empresas multinacionais, de países consumidores e dos países
produtores de petróleo.
Em
meio à crise mundial, o Brasil descobre o campo marítimo
de Ubarana, na bacia de Potiguar (ES) e o campo de Garoupa, na Bacia
de Campos (RJ), em 1974, que marcaria o início de uma segunda
fase dentro da Petrobras, aquela em que a empresa se diferenciaria
pela exploração do petróleo em águas
profundas e ultraprofundas. Em função da bacia de
Campos, a produção petrolífera brasileira chega
aos 182 mil barris ao dia, sendo reconhecida até os dias
atuais como a mais produtiva bacia do país e uma das maiores
produtoras de petróleo de águas profundas do mundo.
Os primeiros tratados de risco são assinados em 1975, quando
o país abre as portas para a entrada de multinacionais para
explorarem petróleo com a promessa de trazerem um aporte
financeiro que fosse significativo para o país. Apesar das
empresas estrangeiras terem o direito de atuar em 86,4% das bacias
sedimentares (associadas à presença de jazidas de
petróleo) do país, deixando apenas o restante nas
mãos da Petrobras, os contratos não produziram e nem
trouxeram o capital que prometeram.
Fora
isso, junte-se o fato da chegada de uma segunda crise do petróleo
que voltaria a mexer com as relações internacionais,
em 1978, e o cenário petrolífero brasileiro estaria
condenado. Ao contrário do que se esperava, o choque do petróleo
e os preços quintuplicados, sacudiram a indústria
nacional, forçando grandes investimentos na prospecção
de jazidas em território brasileiro para reduzir a dependência
externa. Os primeiros frutos surgiram em 1981, quando a produção
marítima superou a terrestre e, em 1984, quando a produção
brasileira se iguala à importada, com meio milhão
de barris diários.
A promulgação
da Constituição em 1988 estabeleceu o fim dos contratos
de risco. Neste momento os geólogos e engenheiros da Petrobras
já utilizavam a tecnologia da sísmica tridimensional
(3D) de maneira rotineira, o que diminuiu o custo exploratório
e trouxe importantes descobertas de gás e petróleo
nas bacias de Santos (SP), do Solimões (AM) e na região
do rio Urucu.
A Lei
do Petróleo, de 1997, inicia uma nova fase na indústria
petrolífera brasileira. Entre as mudanças está
a criação da Agência Nacional do Petróleo
(ANP), que substituiu a Petrobras nas responsabilidades de ser o
órgão executor do gerenciamento do petróleo
no país, e na nova tentativa de internacionalização
do petróleo no Brasil. Esta Lei permitiu a formação
de parcerias com empresas interessadas em participar do processo
de abertura do setor, numa tentativa de trazer novos investimentos
para o país.
Entre
as mais de 20 bacias petrolíferas conhecidas no país,
a produção ultrapassa 1,5 milhão de barris
ao dia. Atualmente, a Petrobras detém o recorde mundial de
perfuração exploratória no mar, com um poço
em lâmina d'água de 2.777 metros. Ela exporta a tecnologia
de exploração nesses ambientes para vários
países.
(GB)
Textos consultados
- "Petróleo",
de Celso Fernando Lucchesi. Estudos Avançados 12 (33),
1998.
- Afinal, quem descobriu o petróleo do Brasil? Das tentativas
de Allport no século passado às convicções
científicas de Ignácio Bastos, de Petronilha Pimentel.
Editora desconhecida. Rio de Janeiro, 1984.
- Regulação em petróleo e gás natural,
coordenado por Saul Susick. Impresso do Brasil, Campinas, SP. 2001.
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