Royalties
de petróleo: recursos para a sustentabilidade ou instrumento
de barganha política?
Os
royalties constituem uma das formas mais antigas de pagamento
de direitos. A palavra royalty tem sua origem no inglês
royal, que significa "da realeza" ou "relativo
ao rei". Originalmente, royal era o direito que os reis
tinham de receber pagamento pela extração de minerais
feita em suas terras. No Brasil, os royalties são
aplicados quando o assunto é recursos energéticos,
como o petróleo e o gás natural, sendo uma compensação
financeira que as empresas exploradoras e produtoras desses bens
não-renováveis devem ao Estado e cujo pagamento é
feito mensalmente.
Royalties
foram aumentados
Embora
a legislação que rege o pagamento dos royalties
no Brasil seja antiga - estabelecida em 1953 pela mesma lei
que criou a Petrobrás - são raras as pesquisas
que avaliam a forma como esse dinheiro é aplicado quando
chega nos caixas dos estados e dos municípios. Segundo
a ANP, naquela época, determinava-se o pagamento de
4% aos estados e de 1% aos municípios sobre o valor
da produção terrestre de petróleo e gás
natural em seus territórios. Após algumas leis
e decretos, em dezembro de 1989, uma nova lei trouxe uma alteração
na distribuição dos royalties, concedendo
0,5% também aos municípios onde se localizam
instalações de embarque e desembarque de petróleo
ou de gás natural. Com isso, o porcentual dos estados
teve de ser diminuído de 4% para 3,5%, para os casos
em que a lavra acontecesse em terra, e o porcentual do Fundo
Especial (distribuído entre todos os estados e municípios
da federação) foi reduzido de 1% para 0,5%,
quando a lavra acontecesse na plataforma continental. Em 1997,
a Lei do Petróleo aumentou para 10% a alíquota
básica dos royalties. Esta alíquota pode
ser reduzida pela ANP até um mínimo de 5%, considerando
riscos geológicos, expectativas de produção
e outros fatores.
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O dinheiro
arrecadado através dos royalties tem várias
aplicações, dentre elas o investimento em pesquisa
científica e o repasse aos estados e municípios que
exploram, refinam ou distribuem o petróleo. O controle e
a distribuição dos royalties está sob
a responsabilidade da Agência Nacional do Petróleo
(ANP). No entanto, pouco se sabe a respeito da aplicação
que esses beneficiários do poder público fazem desses
recursos. Alguns estudos de caso realizados por pesquisadores trazem
conclusões que, porém, ainda não são
capazes de elucidar a questão: os estados e municípios
estão aplicando os royalties para a melhoria da qualidade
de vida da população local e a recuperação
e conservação ambientais?
Propostas
"Esses recursos deveriam ser usados em setores que não
trazem retorno financeiro imediato, como o de pesquisas sobre energias
renováveis", opina a economista Amyra El Khalili, presidente
da ONG Consultant, Trader and Adviser (CTA). Ela explica que, embora
os royalties e outros mecanismos de compensação
financeira - como o ICMS Ecológico, multas e termos de ajuste
de conduta pelo impacto causado em áreas de preservação
ambiental - tenham sido criados para proporcionar melhorias ao meio
ambiente, muito pouco tem sido feito para que se avance nesse sentido
nos estados e municípios. "É preciso saber quem
administra esses recursos e de que maneira eles são administrados",
afirma Khalili. "Se esses recursos caem num caixa único
das prefeituras, eles podem ser usados para qualquer coisa, mesmo
que o foco não seja a melhoria da qualidade de vida da população
ou a recuperação e conservação do meio
ambiente".
Khalili
avalia que a melhor forma de proporcionar um destino seguro aos
royalties de petróleo e gás natural seria aplicá-los
em projetos de commodities ambientais. "Assim, os recursos
seriam aplicados diretamente em projetos que têm como objetivo
a sustentabilidade econômica e ambiental, isto é, a
geração de empregos e renda ao mesmo tempo em que
se permite a preservação ambiental. Nesses projetos,
a comunidade favorecida deve ser a proprietária e a receptora
dos recursos financeiros", sugere a economista. Ela também
propõe que a aplicação dos royalties
passe por discussões públicas, expondo a todos como
estão sendo gastos esses recursos. "Poderia ser usado
o mesmo sistema dos Comitês de Bacias Hidrográficas,
nos quais representantes de órgãos governamentais,
institutos de pesquisa e da sociedade civil discutem, em audiências
públicas, em quais projetos os recursos devem ser aplicados".
As
discussões públicas não ficariam limitadas
aos projetos dos estados e municípios para aplicar os royalties,
mas também acabariam abrangendo a área científica.
"Qual a razão de se continuar investindo em pesquisas
sobre um recurso energético que não é renovável
e que, portanto, traz conseqüências desfavoráveis
ao meio ambiente e ao próprio ser humano?", questiona
a economista, referindo-se ao Plano Nacional de Ciência e
Tecnologia de Petróleo e Gás Natural (CT-Petro),
que tem ações de fomento à pesquisa e ao desenvolvimento
tecnológico da indústria do petróleo, administradas
pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e financiadas
com os recursos dos royalties do petróleo.
Rio
de Janeiro é o maior beneficiado
Hoje, o Rio de Janeiro e seus municípios (em especial aqueles
que fazem fronteira com a bacia de Campos) são os mais beneficiados
com os royalties, já que o estado é o maior
produtor de petróleo do país e possui as maiores reservas
nacionais do produto. Segundo a ANP, os royalties são
calculados mensalmente para cada campo produtor (área produtora
de petróleo e/ou de gás natural a partir de um reservatório
contínuo ou de mais de um reservatório) através
da aplicação da alíquota sobre o valor da produção
de petróleo e de gás natural.
Se
os números e porcentagens parecem muito bem definidos e o
pagamento de royalties uma obrigação revalidada
pela Constituição Federal de 1988, o destino que é
dado a esse dinheiro pelos estados e municípios ainda é
uma incógnita. Para o jurista e professor de direito ambiental
Paulo Affonso Leme Machado, a lei deveria ser mais clara quanto
ao que deve ser feito com os recursos advindos de royalties.
"A lei não pode deixar essa questão para ser
resolvida da forma que convém aos municípios e estados.
É lamentável que nenhuma lei seja explícita
sobre o assunto, porque dessa forma não há compromisso
para que o dinheiro seja aplicado em melhorias ambientais",
afirma Machado.
Danos
e benefícios
O oceanógrafo e mestre em ecologia José Julio Ferraz
de Campos desenvolve, desde agosto de 1999, um projeto de pesquisa
que avalia como técnicas de valoração econômica
podem ser utilizadas para medir os efeitos dos derrames de petróleo
no mar sobre o meio ambiente e nas comunidades que dele dependem
economicamente. A pesquisa é o projeto de doutorado de Ferraz,
desenvolvido no Departamento de Planejamento Energético da
Unicamp. Ferraz, que há dois anos recebe bolsa da ANP para
executar seu projeto, realiza um estudo de caso em São Sebastião
e Ilha Bela, no litoral norte do estado de São Paulo, onde
está o Terminal Almirante Barroso.
"Ainda
é cedo para apresentar algum resultado. Mas posso dizer que
os dados obtidos indicam que os danos econômicos sofridos
pela comunidade de Ilha Bela eqüivalem a mais de 50% dos gastos
que a Petrobras tem com o combate e a limpeza do derrame",
ressalta Ferraz. Quanto aos royalties, ele afirma que "estão
completamente incorporados ao orçamento da cidade, fazendo
parte do seu planejamento orçamentário". No entanto,
quando é questionado a respeito da aplicação
desses recursos, o oceanógrafo alerta para a realidade do
município. "Pelo que ouvi na região, os recursos
não estão sendo investidos especificamente em infra-estrutura
para a população mais pobre da Ilha Bela", afirma.
(SN)
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