A
indústria petroquímica brasileira
Saul
Gonçalves d'Ávila
A
indústria petroquímica: conceituação
Petróleo e gás natural são normalmente percebidos
pelo grande público como sendo essencialmente fontes primárias
de combustíveis, seja para uso em meios de transporte na
forma de gasolina, diesel ou mesmo gás, seja para geração
de calor industrial por combustão em fornos e caldeiras.
Todavia, nem todos tem presente que é também do processamento
inicial desses mesmos recursos naturais que provêm as matérias-primas
básicas de um dos pilares do sistema industrial moderno,
a indústria petroquímica. Partindo geralmente ou da
nafta, que é uma fração líquida do refino
do petróleo, ou do próprio gás natural tratado,
os sofisticados processos petroquímicos são capazes
de quebrar, recombinar e transformar as moléculas originais
dos hidrocarbonetos presentes no petróleo ou no gás,
gerando, em grande escala, uma diversidade de produtos, os quais,
por sua vez, irão constituir a base química dos mais
diferentes segmentos da indústria em geral. Atualmente, é
possível identificar produtos de origem petroquímica
na quase totalidade dos ítens industriais consumidos pela
população tais como embalagens e utilidades domésticas
de plástico, tecidos, calçados, alimentos, brinquedos,
materiais de limpeza, pneus, tintas, eletro-eletrônicos, materiais
descartáveis e muitos outros.
Tipicamente,
podem ser distinguidos três estágios, ou gerações,
industriais na cadeia da atividade petroquímica: (1) indústrias
de 1a. geração, que fornecem os produtos petroquímicos
básicos, tais como eteno, propeno, butadieno, etc; (2) indústrias
de 2a. geração, que transformam os petroquímicos
básicos nos chamados petroquímicos finais, como polietileno
(PE), polipropileno (PP), polivinilcloreto (PVC), poliésteres,
óxido de etileno etc.; (3) indústrias de 3a. geração,
onde produtos finais são quimicamente modificados ou conformados
em produtos de consumo. A indústria do plástico é
o setor que movimenta a maior quantidade de produtos fabricados
com materiais petroquímicos.
A manutenção
da competitividade exige que as modernas indústrias petroquímicas
estejam fisicamente interligadas em 'pólos petroquímicos',
com os fornecedores de nafta ou de gás natural a montante
(upstream), e com as empresas utilizadoras de seus produtos
a jusante (downstream). Normalmente, nas atividades de 1a.
geração dos pólos estão também
incluídas a prestação de serviços de
utilidades, tais como fornecimento de água industrial, energia,
tratamento de efluentes, manutenção, etc. Enquanto
que a totalidade das plantas de 1a. e 2a. gerações
freqüentemente ficam localizadas nos pólos, a maioria
das indústrias de 3a. geração se apresenta
distribuída por outras regiões, mesmo afastadas.
Em
geral, a competitividade da indústria petroquímica
está criticamente associada a fatores como grau de verticalização
empresarial, grandes economias de escala, disponibilidade e garantia
de fornecimento de matéria-prima, altos investimentos em
tecnologia e logística de distribuição de produtos.
Tais fatores fazem com que o segmento petroquímico seja um
campo onde jogam apenas empresas de grande porte, as mais importantes
com elevado grau de internacionalização das atividades.
A
indústria petroquímica brasileira: panorama atual
A indústria petroquímica brasileira atual é
conseqüência do planejamento estatal iniciado em 1965
com a instalação do GEIQUIM - Grupo Executivo da Indústria
Química, responsável pelas orientações
básicas na concepção dos três pólos
petroquímicos hoje existentes, que iniciaram as suas atividades
ao longo de um período de 10 anos: (1) pólo de São
Paulo (Capuava/Santo André), em 1972; (2) pólo da
Bahia (Camaçari), em 1978 e (3) pólo do Rio Grande
do Sul (Triunfo), em 1982. Nestes pólos, situados próximos
a refinarias da Petrobras, está hoje localizada a quase totalidade
das indústrias petroquímicas de 1a. e 2a. gerações,
embora existam algumas instalações destas modalidades,
de menor porte, em outros centros industriais do país. Apesar
de a expressiva produção brasileira de 3 milhões
de toneladas/ano de eteno, o balisador da produção
petroquímica, corresponder atualmente a 3% da produção
mundial, ainda não existem no país empresas petroquímicas
de grande porte, totalmente integradas e empresarialmente verticalizadas,
a semelhança do que ocorre nos Estados Unidos, Europa e Japão.
Nos
últimos 12 anos, vem decrescendo continuamente a ação
coordenadora e o apoio estatal ao setor petroquímico, expressas
no período de implantação da indústria
na forma de financiamentos de bancos oficiais, da participação
da Petroquisa, subsidiária da Petrobras, nos empreendimentos
e do fornecimento de nafta em condições favorecidas.
As privatizações dos anos 90, iniciadas no governo
Collor, acompanhadas pela abrupta abertura comercial e pelo encolhimento
das proteções tarifárias, não favoreceram
novos investimentos na indústria petroquímica, cujo
crescimento praticamente estagnou durante a década, como
indica o pequeno crescimento do setor, de apenas 9% entre 1990 e
1997 comparado a um aumento do PIB em torno de 21% nesta fase economicamente
turbulenta do país. Nesse período, a Petroquisa deixou
de atuar como planejadora e arquiteta da política industrial
do setor e teve de alienar a maior parte de suas participações
societárias. Mais recentemente, em 2000, foi interrompido
o subsídio à nafta recebida da Petrobras. Tendo em
vista que, em média, 83% dos custos variáveis da indústria
provêm da matéria-prima, este fato, previsivelmente,
teve impacto fortemente negativo na competitividade das empresas
nacionais, principalmente das de 2a. geração, mais
suscetíveis à concorrência de produtos similares
importados.
As
três petroquímicas de 1a. geração, Petroquímica
União, Braskem-Unidade de Insumos Básicos e Copesul,
são de capital predominantemente nacional, como também
a maioria das de 2a. geração, entre estas destacando-se
Braskem, Oxiteno, Petroflex e Ipiranga. No entanto, empresas mundiais,
como p. ex., Dow Química, Rhodia, Basell (associação
petroquímica entre Basf e Shell), Solvay e outras, têm
aqui expressiva presença na 2a. e na 3a. gerações
através de suas filiais, algumas delas já instaladas
antes do surgimento dos pólos petroquímicos. As empresas
globais se distinguem das nacionais pelos produtos de maior valor
agregado, atuando destacadamente na área de especialidades
químicas, com forte conteúdo tecnológico, constantemente
atualizado e ampliado através do apoio dos centros de P&D
localizados nos países de origem.
Mesmo
após as reestruturações ocorridas neste ano,
a indústria petroquímica no Brasil encontra-se ainda
pulverizada em um grande número de empresas, apresentando
um nível de verticalização extremamente baixo
ao contrário do que ocorre no resto do mundo. Assim é
que, em 2001, no pólo de São Paulo, representado por
unidades de Capuava, Santo André e Paulínia, existiam
nada menos do que 24 diferentes empresas de 2a. geração;
em Camaçari-Ba, estavam instaladas 19 empresas de 2a. geração,
além da Copene, que é como era chamada a atual Unidade
de Insumos Básicos da Braskem; e em Triunfo, a Copesul abastecia
7 empresas de 2a. geração. Além disso, é
comum a presença de uma mesma empresa nos três grandes
pólos.
Enquanto
que as empresas de capital estrangeiro são totalmente controladas
por suas matrizes e atuam segundo uma estratégia mundial,
as empresas de capital nacional, limitadas pelo seu porte, pautam
por atender quase que exclusivamente ao mercado interno. O quadro
societário do segmento nacional, resultante do período
de implantação, é um emaranhado de participações
acionárias envolvendo um pequeno conjunto de investidores
controladores, sendo os mais importantes os grupos Odebrecht, Ultra,
Mariani, Unipar, Petroquisa, Ipiranga e Suzano. Os cruzamentos acionários
constituem um dos fatores que tem prejudicado de sobremaneira o
planejamento de médio e longo prazos da indústria
e a tomada de decisões importantes na direção
da expansão da produção e da geração
de inovações tecnológicas, com sérios
reflexos na competitividade do setor como um todo. Porém,
a recente constituição da Braskem em agosto de 2002
veio dar início ao processo de reestruturação
empresarial na direção da verticalização
industrial da petroquímica brasileira, abrindo novos horizontes.
A Braskem,
resultante da incorporação à Copene dos ativos
petroquímicos dos grupos controladores (Odebrecht e Mariani)
apresenta-se com um faturamento anual superior a R$ 7 bilhões,
o que a torna a maior petroquímica da América Latina.
A ação verticalizada na 1a. e 2a. gerações,
o foco no segmento de termoplásticos (PE's, PP's e PVC) com
plantas modernas e de economia de escala, e a disposição
de investimentos em tecnologia e inovações, conferem
à nova empresa um alto grau de competitividade e um lugar
de destaque nas futuras reorganizações do setor, que
serão inevitáveis.
A
indústria petroquímica brasileira: perspectivas
O potencial de mercado sinalizado pelo baixo consumo local em relação
aos padrões dos países desenvolvidos e a defesa e
preservação do mercado interno de petroquímicos,
cuja balança comercial hoje se encontra equilibrada num cenário
de intensa competição internacional, são fortes
fatores de indução à realização
de novos investimentos para a expansão da petroquímica
no Brasil. No entanto, afigura-se que a concretização
desses investimentos exigirá previamente o aprofundamento
da reestruturação empresarial e da conseqüente
verticalização industrial. É nesta perspectiva
em que provavelmente se inserem os novos pólos e complexos
petroquímicos já planejados para os próximos
anos, o primeiro em Duque de Caxias-RJ, com investimentos previstos
de US$ 800 milhões e início das atividades em 2003,
empregando gás natural como matéria-prima. Outro pólo,
definido para ser construído em Paulínia-SP, envolvendo
a aplicação de US$ 2 bilhões, usando nafta
da refinaria adjacente da Petrobras, ainda não tem data prevista
para começo de operação. No futuro pólo
de Paulínia e ainda em outro complexo petroquímico
em concepção no oeste do Mato Grosso com base no gás
natural boliviano, está prevista uma forte presença
da Braskem na forma de unidades produtoras de termoplásticos.
Resolvidos
os aspectos de financiamento associados à atual conjuntura
econômica do país, três fatores influenciarão
de sobremaneira a expansão competitiva da petroquímica
brasileira e a manutenção da sustentabilidade do negócio
em um mundo globalizado: (1) a disponibilidade de nafta ou outros
derivados de petróleo, que é determinada pela expansão
concomitante do refino do petróleo, ou da oferta adequada
de gás natural; (2) as implicações ambientais
de novos empreendimentos junto aos tradicionais centros industriais;
e, por fim, (3) a capacidade e a competência para investimentos
pesados em tecnologia, seja na construção de novas
plantas no 'estado da arte' seja em atividades de Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D) para promover inovações tecnológicas
na atualização contínua dos processos industriais
e no desenvolvimento de novos produtos.
Segundo
os especialistas, o parque brasileiro de refino de petróleo,
representado pelas atuais 13 refinarias, opera hoje proximamente
ao limite de produção e terá de ser ampliado
até 2005 a fim de atender às demandas previstas de
derivados de petróleo. Como a elasticidade do consumo de
combustíveis é bem menor do que aquela dos petroquímicos,
a garantia de suprimento de nafta às novas unidades petroquímicas
e aos aumentos de capacidade das existentes tem de ser adequadamente
equacionada, inclusive levando em conta a necessidade de eventuais
importações de matéria-prima. Por outro lado,
para abastecer novos pólos que eventualmente venham a optar
pelo gás natural como matéria-prima, a petroquímica
terá de disputar espaço de fornecimento com os atuais
clientes do mercado, que comercializam ou utilizam o gás
como combustível industrial, doméstico e veicular.
Apesar
dos benefícios que propicia à população
pelos produtos que fornece, a indústria química apresenta
junto ao público um nível de aceitação
muito baixo, que era da ordem de 20% em 1995, e que hoje ainda persiste
apesar das campanhas de esclarecimento e dos progressos obtidos
com os programas de ação responsável, implantados
por todas as empresas do setor. Assim, na maior parte do país,
os novos empreendimentos petroquímicos vêm encontrando
crescente oposição de comunidades locais que acompanham
de perto as implicações ambientais relacionadas à
instalação de novas indústrias, como aliás
ocorre em todo o planeta. A especificação do futuro
pólo de Paulínia-SP, por exemplo, está sendo
acompanhado de perto pelos movimentos ambientalistas, que exigem
o maior rigor possível no controle das emissões gasosas
e no tratamento de efluentes líquidos, o que, provavelmente,
demandará investimentos adicionais. Tais cuidados já
estão sendo tomados no novo pólo em implantação
em Duque de Caxias-RJ, que se definiu pelo uso do gás natural,
menos poluente, inclusive para gerar energia industrial.
Pelo
menos a médio prazo, afigura-se que, devido à globalização,
a expansão da petroquímica brasileira se dará
com apreciável, se não maciça, importação
de tecnologia, porém em condições bem mais
custosas e menos flexíveis de licenciamento em relação
àquelas conseguidas durante a vigência do modelo tri-partite
dos anos setenta, quando o licenciador também era sócio
do empreendimento. Embora em algumas empresas de capital nacional
as incipientes estruturas de P&D, montadas com incentivos governamentais
durante o período militar, tenham evoluído para eficientes
centros de pesquisa, como ocorreu na Oxiteno e no grupo Odebrecht,
tradicionalmente o nível de investimentos em desenvolvimento
tecnológico deste segmento do setor é muito baixo,
inferior, em média, a 1%, do faturamento. A notável
exceção é a Oxiteno que investiu 1,7% em 2000.
Mais modestos foram os investimentos das empresas químicas
do Grupo Odebrecht no mesmo ano, que totalizaram 1,2% das vendas.
A conseqüência é que, no período de 1992
a junho de 2000, as nacionais depositaram no Instituto Nacional
de Propriedade Industrial, apenas 34 patentes (sendo 16 de empresas
do grupo Odebrecht e 11 da Oxiteno) contra 4.491 registros realizados
pelas petroquímicas de capital estrangeiro, preocupadas em
proteger a sua tecnologia desenvolvida no exterior. Entre estas,
apenas a Rhodia Brasil, que representa 15% do faturamento mundial
do Grupo Rhodia, mantém no país um dos quatro centros
mundiais de P&D do Grupo, investindo em desenvolvimento tecnológico
cerca de 2% das vendas locais, notadamente em especialidades químicas.
Se
as disparidades acima apontadas podem ser parcialmente explicadas
pela atuação dos dois segmentos de capital, nacional
e estrangeiro, em áreas que diferem no valor agregado e intensidade
tecnológica dos produtos, muito disso também tem a
ver com os problemas da estrutura empresarial citados, com a ausência
no Brasil de incentivos fiscais a atividades de geração
de inovações tecnológicas, a exemplo do que
ocorre nos países desenvolvidos, e, certamente com a inexperiência,
que se traduz em falta de cultura, do empresariado e dos grandes
investidores brasileiros, nessa atividade em geral, salvaguardadas
as exceções.
Ações
governamentais recentes poderão contribuir eficazmente para
promover o desenvolvimento tecnológico brasileiro, em particular
no setor petroquímico. A Medida Provisória no 66,
de agosto de 2002, a ser votada até o fim do ano, por exemplo,
amplia significativamente os incentivos fiscais a P&D industrial,
e boa parte dos recursos dos Fundos Setoriais do Ministério
de Ciência e Tecnologia poderá contemplar aplicações
no setor petroquímico. Além disso, a expansão
da pós-graduação nas áreas de Química
e de Engenharia Química na última década e
as recentes renovações dos laboratórios dos
centros universitários de excelência, em particular
aquelas realizadas em São Paulo sob o patrocínio da
Fapesp, e no Rio de Janeiro, na COPPE/UFRJ com o apoio da Petrobras,
colocam à disposição da indústria interessada
no desenvolvimento tecnológico uma relativa abundância
de mão-de-obra altamente qualificada e um parque moderno
e sofisticado de equipamentos de pesquisa, favorecendo a realização
de P&D no país com diminuição de custos.
Nesta
perspectiva, será fundamental a ampliação da
interação universidade-indústria-órgãos
de financiamento governamentais, atividade que vem sendo fomentada
há alguns anos tanto pelos programas governamentais do CNPq
como promovida por entidades privadas, a exemplo do Instituto Uniemp,
de São Paulo. Empresas que tradicionalmente mantêm
programas de parceria com organizações de pesquisa
nacionais, entre as quais se destacam a Oxiteno, a Braskem, esta
através das empresas que lhe deram origem (principalmente
OPP e Copene), e a Rhodia Brasil, saberão melhor aproveitar
essas novas oportunidades de ampliar sua competividade tecnológica,
que, com certeza, representa o maior desafio a ser vencido pelas
empresas nacionais nos anos vindouros considerando-se os condicionantes
impostos pela concentração industrial que se observa
a nível mundial no setor petroquímico.
Saul Gonçalves d'Ávila é professor da Faculdade
de Engenharia Química da Unicamp.
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