Petróleo:
fonte renovável de guerras
"O controle pelo controle dos recursos naturais voltou ao palco
principal da geografia". A afirmação de Michael
Klare, titular da cadeira de Paz e Segurança Mundial no Hampshire
College e na Amhrest University, nos Estados Unidos, foi feita em
seu livro "Resource Wars: the new landscape of global conflict".
Klare argumenta que guerras como a do Golfo, a operação
no Afeganistão e a anunciada intervenção no
Iraque, pelo Estados Unidos, situam-se entre as disputas pelo controle
de um recurso natural estratégico e fundamental: o petróleo.
Na opinião de Klare, uma boa parte das guerras de conquista
e posicionamento estarão marcadas pelo controle geo-estratégico
de recursos como os energéticos, os sistemas aqüíferos,
minerais e florestais.
Guerras
como a do Yom Kippur (1973), Irã x Iraque (1980-1988) ou
a do Golfo (1991) são diretamente relacionadas às
disputas pelo petróleo por vários intelectuais. Mas
nem todos concordam que a causa fundamental seja o petróleo.
Para o geógrafo Nelson Bacic Olic, o petróleo foi
um dos elementos da Guerra do Golfo, mas não o único.
"Saddam Hussein invadiu o Kwait também porque não
reconhece que haja ali uma fronteira. A questão é
que as fronteiras que conhecemos hoje no Oriente Médio, assim
como as dos países africanos, são fronteiras artificiais,
que vêm sendo feitas, por exemplo, pelos europeus desde o
período colonial", diz Olic. Para ele, outra razão
importante para essa guerra, e também para a anterior contra
o Irã, é a necessidade do Iraque de uma saída
mais ampla para o mar. "A única saída do Iraque
é pelo estuário comum entre os rios Tigre e Eufrates,
chamado Chatt-El-Arab. Uma das razões dessas guerras foi
a tentativa do Iraque de ampliar seu espaço para a exportação",
diz o geógrafo, que acredita também que os futuros
conflitos no Oriente terão muito menos a ver com petróleo
e muito mais com água.
A opinião
é de certa forma compartilhada por Saul Suslick, diretor
do Cepetro (Centro de Estudos do Petróleo) da Unicamp. Para
ele, cada vez mais existe um esforço mundial para uma menor
dependência do petróleo. Nos Estados Unidos, ao mesmo
tempo que existe a preocupação de diversificar as
fontes de energia, há um estoque de petróleo e seus
derivados e uma campanha para explorar petróleo em territórios
norte americanos não explorados. Suslick argumenta que por
esse motivo e pela menor importância que o petróleo
assume hoje, se comparado a década de 70, dificilmente poderá
ocorrer um novo choque nos preços do petróleo. "O
petróleo ainda ocupa uma agenda de preocupações,
mas cada vez mais os conflitos estarão vinculados a outras
questões, como a água, por exemplo", afirma Suslick.
Para
Nelson Bacic, o mundo hoje é menos dependente do Oriente
Médio também porque existe uma outra área muito
promissora para exploração do petróleo: a região
que bordeja o Mar Cáspio. "O Azerbaijão é
conhecido atualmente como o novo Kwait. Junto com o Cazaquistão
e o Turcomenistão possui mais petróleo que o Golfo
Pérsico. A fronteira das regiões produtoras de petróleo
está se deslocando para a Ásia Central", diz
Bacic.
Ambições
das potências do mar Cáspio
(Projeções e metas estratégicas para
2010)
|
Países
|
Petróleo (1) |
Exp.
Petróleo (1) |
Azerbaijão |
1,2 |
1 |
Cazaquistão |
2 |
1,7 |
Turcomenistão |
0,2 |
0,15 |
|
Fonte:
Energy Information Administration, www.eia.doe.gov
Notas: (1) Milhões de barris diários
|
O Programa
Traceca (Transport
Corridor Europe, Caucasus, Asia) confirma essa idéia. Lançado
numa conferência em Bruxelas em 1993, o programa pretende
desenvolver um corredor de transporte, num eixo leste oeste, cruzando
o Mar Negro através do Cáucaso e do Mar Cáspio
até a Ásia Central. Com assistência técnica
e financeira da União Européia e do Banco de Desenvolvimento
da Ásia, o sistema de transporte deverá incluir rodovias,
ferrovias, portos e oleodutos num trajeto ainda não definido,
pela Ucrânia, Bulgária, Moldova, Romênia, Turquia,
Georgia, Azerbaijão, Turcomenistão, Uzbequistão,
Tadjiquistão e Kirquistão.
Segundo
texto
do jornalista e historiador José Arbex, para a revista Caros
Amigos, o Traceca será um componente fundamental de estruturação
da Eurásia no século XXI, como eixo de transporte
de petróleo ou corredor de mercadorias. Para Arbex, o traçado
da futura rota ajuda a compreender o interesse americano pelo Afeganistão,
uma região de acesso entre o extremo asiático, o Oriente
Médio e a Europa, e os conflitos entre a Índia e o
Paquistão pela região da Caxemira, que pode se tornar
um dos pontos de passagem da rota.
Mesmo
que esteja ocorrendo esse deslocamento de interesses para a Ásia
Central, atualmente o foco de tensão relacionado ao petróleo
ainda é o Oriente Médio. De acordo com o Relatório
Nacional de Política Energética do Estados Unidos
de 2001 (Report
of the National Energy Policy), o abastecimento norte-americano
depende das reservas do Golfo Pérsico e coloca como prioridade
o acesso dos Estados Unidos a essas reservas.
Segundo
Michael Klare, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados
Unidos declarou em 1999, que os norte americanos continuariam tendo
um interesse vital em assegurar seu acesso aos suprimentos de petróleo
no exterior e, neste sentido, deveriam conscientizar-se da necessidade
de estabilidade e segurança regionais em áreas chave
de produção, a fim de assegurar esse acesso aos recursos
e sua livre circulação. Ainda segundo Klare, o presidente
Jimmy Carter em 1980 afirmou que qualquer intenção
de potências hostis para a interrupção da circulação
de petróleo do Golfo Pérsico seria considerado como
um ataque aos interesses vitais dos Estados Unidos, que poderia
ser reprimido por qualquer meio necessário, incluindo a força
militar.
Após
o ataque de 11 de setembro ao World Trade Center foi aberto um precedente
contra o terror que relaciona-se também com a necessidade
"vital" norte-americana pelo petróleo. Não
apenas o Afeganistão é um ponto de passagem estratégico,
mas o Iraque, atualmente ameaçado pelos norte americanos,
detém uma reserva potencial de petróleo que, em tese
supera, as atuais reservas da Arábia Saudita principal fornecedora
dos Estados Unidos.
De
acordo com o estudo "Panorama do Petróleo e Gás
2002", realizado pela empresa italiana ENI (Ente Nazionale
Idrocarburi), o Iraque é o país com maior disponibilidade
de reservas, para um total de 130 anos, seguido pelo Kuwait, com
reservas para 123 anos, os Emirados Árabes Unidos, para 105
anos, a Arábia Saudita, para 81 anos, e Venezuela, para 67
anos.
Países |
Reservas
Comprovadas |
Produção
|
Exportação
|
Iraque |
112.500
milhões de barris |
2,593
milhõesde barris diários |
1,710
milhõesde barris por dia |
Arábia Saudita |
262.697
milhões de barris |
7,888
milhõesde barris diários |
6,035
milhõesde barris por dia |
|
Fonte:
Organization of the Petroleum Exporting Countries www.opec.org |
De
acordo com a Energy Information Administration, o Iraque,
antecipando uma eventual suspensão das sanções
econômicas impostas pela ONU e pelos EUA desde o final da
Guerra do Golfo, assinou acordos com companhias da Rússia,
França e China sobre as reservas potenciais de petróleo
e gás, que serão efetivados quando as sanções
forem suspensas. Segundo Michael Klare, os dissidentes americanos
escolhidos por Washington para liderar o novo regime de Bagdá,
após eventual queda do ditador iraquino, ameaçaram
cancelar todos os contratos com os países que não
auxiliarem na derrubada de Saddam Hussein.. O professor de Paz e
Segurança Mundial Michael Klare afirma que o controle sobre
as reservas potenciais iraquianas será estratégico
no século XXI e prevê, que independente dos resultados
das atuais inspeções da ONU no Iraque, uma invasão
norte americana nesse país ocorrerá no máximo
na terceira semana de fevereiro de 2003. Mesmo que existam outros
elementos importantes entre os motivos para alguns conflitos, o
petróleo, fonte não renovável de energia, continuará
sendo na sua história, uma fonte constante de guerras.
(MK)
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