A
base legal do novo setor de petróleo no Brasil
Natália
Araujo Miller Fernandes Vianna
A partir
de 1995, inicia-se o processo de abertura da indústria petrolífera
e gasífera no Brasil, com a aprovação da Emenda
Constitucional no 9, de 9 de novembro de 1995, que deu nova redação
ao parágrafo primeiro do art. 177 da Constituição
Federal de 1988, iniciando-se, também, o processo de regulamentação
do mercado.
Apesar
de continuar pertencendo a União o monopólio: (i)
da pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás
natural e outros hidrocarbonetos; (ii) da refinação
do petróleo nacional ou estrangeiro; (iii) da importação
e exportação dos produtos e derivados básicos
resultantes da produção e refino do petróleo
e gás natural e; (iv) do transporte marítimo do petróleo
bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo
produzidos no país, bem como do transporte, por meio de conduto,
de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de
qualquer origem, a Emenda Constitucional no 9/95, permitiu que a
União pudesse contratar empresas estatais ou privadas, observadas
as condições estabelecidas em lei, em todas
as atividades acima descritas, colocando fim a exclusividade da
Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) no exercício
do monopólio, permitindo que novos players pudessem
participar das atividades, trazendo um grande avanço e incremento
para a indústria.
Porém,
para tornar eficaz a Emenda Constitucional, houve a necessidade
da criação da Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997
- "Lei do Petróleo", que dispõe sobre a
política energética nacional, as atividades relativas
ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional
de Política Energética e a Agência Nacional
do Petróleo e dá outras providências. Tal lei
buscou abordar todos os pontos relevantes para que fossem efetivadas
as mudanças necessárias no novo cenário que
estava surgindo, incluindo, de maneira correta, o petróleo,
seus derivados e o gás natural no conceito de fontes de energia,
sujeitando-os à política energética nacional,
seus princípios e objetivos, estabelecidos no art. 1o da
Lei.
Além
do monopólio, a União Federal também não
perdeu, segundo o art. 3o da Lei do Petróleo, a propriedade
dos "depósitos de petróleo, gás natural
e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território
nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial,
a plataforma continental e a zona econômica exclusiva",
da mesma forma que ocorre em quase todo mundo, exceto nos Estados
Unidos, que é o único país onde os recursos
minerais do subsolo pertencem aos proprietários das terras
onde os mesmos estão situados. Portanto, a transformação
da concepção ocorrida foi, tão somente, na
forma do exercício do monopólio, que passou a
ser exercido, por empresas constituídas sob as leis brasileiras,
com sede e administração no país, mediante:
(i) concessão, que deverá ser precedida de licitação
e só será efetivada através de contrato de
concessão e apenas para as atividades de exploração,
desenvolvimento e produção de petróleo e de
gás natural ou; (ii) autorização, que é
concedida para as atividades de refino de petróleo, processamento
de gás natural, transporte e importação e exportação
de petróleo, seus derivados e gás natural.
Não
obstante a propriedade dos depósitos de hidrocarbonetos serem
pertencentes ao Estado, efetivada a concessão para exploração
e produção de petróleo ou gás natural,
em caso de êxito do concessionário, este passa a ser
proprietário dos bens extraídos, cabendo-lhe,
também, os encargos e tributos incidentes.
É importante frisar que, a mudança de cenário
que ocorreu não implica em afirmar que o Estado deixou de
ser produtor e provedor, uma vez que continua participando dessas
atividades através da Petrobras, porém, ele não
é mais o único produtor e provedor do mercado, tendo
adquirido, também, um novo papel, o de Estado Regulador,
e exerce essa nova função através da Agência
Nacional do Petróleo (ANP), órgão da Administração
Pública Federal Indireta, submetido ao regime autárquico
especial e vinculado ao Ministério de Minas e Energia, que,
agora, possui o ônus de garantir o abastecimento do mercado
nacional - ônus que era da Petrobras - e, que tem como finalidade
precípua, além da promoção da contratação,
apenas das atividades econômicas de que trata o art. 177 da
Constituição e da fiscalização das atividades
econômicas integrantes da indústria do petróleo,
"no sentido da educação e orientação
dos agentes do setor, bem como da prevenção e repressão
de condutas violadoras da legislação pertinente, dos
contratos e das autorizações", a promoção
da regulação, que deverá ser feita "no
sentido de preservar o interesse nacional, estimular a livre concorrência
e a apropriação justa dos benefícios auferidos
pelos agentes econômicos do setor, pela sociedade e pelos
consumidores e usuários de bens e serviços da indústria
do petróleo". 1
Segundo
Marcos Juruena Villela Souto, em seu livro "Desestatização,
Privatização, Concessões e Terceirizações",
a ANP, em sua natureza jurídica, é uma agência
reguladora voltada para intervenção no mercado específico
do petróleo, como o objetivo de regular a relação
entre a oferta, com qualidade e preço acessível, e
demanda, isso porque, apesar de não haver um consenso entre
os juristas sobre qual o conceito de regulação, o
ponto consensual é a necessidade de estabelecer princípios
para as atividades que possuem natureza de monopólios naturais,
para que sejam minimizadas as forças de mercado através
de controles sobre os preços e a qualidade do serviço,
assegurando a competição e viabilizando a existência
e continuidade do mercado, além de assegurar, também,
a prestação de serviço de caráter universal
e a proteção ambiental. Portanto, a regulação
desenvolve-se de acordo com os seguintes princípios: (i)
mercado regulado para competição; (ii) Estado-intervencionista
ou Estado-regulador; (iii) agências de regulação
dotadas de autonomia e especialização; (iv) atenção
aos monopólios naturais; (v) ambiente de transição,
cabendo ao Estado supervisionar o poder de mercado dos operadores,
zelar pela implantação de um novo modelo organizacional,
arbitrar conflitos e completar o processo de regulação
normativa e; (vi) garantia do interesse público.2
Todas
as funções de competência da ANP, estão
previstas na "Lei do Petróleo" e no Decreto nº
2.455, de 14 de janeiro de 1998 que implantou a agência, mas,
existe ainda uma função de extrema relevância
que deve ser ressaltada e que está estipulada no art. 10,
da Lei nº 9.478/97: "quando, no exercício de suas
atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que
configure ou possa configurar infração da ordem econômica3,
deverá comunicá-lo ao Conselho Administrativo de Defesa
Econômica - CADE4,
para que este adote as providências cabíveis, no âmbito
da legislação pertinente.".
Apesar
de podermos verificar que, no âmbito regulatório, a
ANP já deu importantes passos, cabe lembrar que ainda resta
pela frente um longo processo de aprendizado e estabilização
da regulação, para que o ideal - um mercado que caminhe
sem necessidade de constantes intervenções estatais
- seja alcançado.
Natália
Araujo Miller Fernandes Vianna, advogada e consultora associada
da Expetro - Consultoria Internacional em Petróleo e Gás
Ltda., na Equipe de Regulação Estratégia e
Contratos. Tem pós-graduação em Petróleo,
Gás Natural e Energia pela COPPE/UFRJ.
Notas:
1. Decreto no 2.455, de 14 de janeiro de
1998 [voltar]
2. SOUTO, Marcos Juruena Villela, Desestatização,
Privatização, Concessões e Terceirizações,
Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2000. 557p. [voltar]
3. Os Crimes Contra a Ordem Econômica
estão tipificados na Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro
de 1991, e define como crime, apenado com detenção
de um a cinco anos, a aquisição, distribuição
e revenda de derivados de petróleo e gás natural,
álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis
carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da
lei e o uso de gás liquefeito de petróleo em motores
de qualquer espécie ou para fins automotivos, em desacordo
com as normas estabelecidas em lei; e, também, tipifica como
crime, com pena de detenção de um a cinco anos e multa,
a produção de bens ou exploração de
matéria-prima pertencente à União, sem autorização
legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo
título autorizativo. [voltar]
4. A questão da defesa da concorrência
encontra conflitos quanto à competência entre o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da
Justiça - CADE (órgão de defesa da concorrência)
que, através da Lei da Defesa da Concorrência, visa
proteger a competição, assegurando que o mercado permaneça
aberto à entrada de novos agentes e evitando que monopólios
públicos sejam transformados em monopólios privados,
e a Agência Nacional de Petróleo - ANP (órgão
regulador) que regula, basicamente, duas indústrias distintas:
a indústria do petróleo e a indústria do gás
natural, que possuem, como ponto em comum, características
de monopólio natural em determinados setores da cadeia, como
por exemplo na indústria de gás natural, nos segmentos
de transporte e distribuição.
Ocorre que, ao contrário do que acontece com a ANEEL que
possui alguns poderes a fim de regular as estruturas de mercado,
a lei 9.478/97, não gerou para a ANP poderes para regular
a defesa da concorrência, apesar de estipular que seja fomentada
a competição nos segmentos da indústria em
que é possível. A solução encontrada
para esse conflito foi a criação de um convênio
entre a ANP e o CADE, cabendo a ANP emitir pareceres técnicos,
auxiliar nas questões relativas à indústria
de petróleo e gás, informar qualquer prática
que possa provocar efeitos anti-competitivos e comunicar qualquer
fato que possa configurar uma infração à ordem
econômica e ao CADE a aplicação da Lei da Defesa
da Concorrência, monitoramento e acompanhamento das práticas
de mercado e promoção de processos administrativos
para apurar as suspeitas de infração da ordem econômica.
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