Conhecer
as incertezas: o desafio da indústria do petróleo
Saul
B. Suslick
A demanda contínua e crescente de energia de baixo custo
e a disponibilidade de recursos de hidrocarbonetos colocam ainda
o petróleo como uma importante fonte não-renovável
da matriz energética mundial para as próximas décadas
do século XXI.
Para
atender o suprimento dessa fonte energética para a sociedade,
as empresas se dedicam à exploração como um
primeiro passo para manter o ciclo de geração de jazidas.Trata-se
de uma atividade estratégica da cadeia produtiva do petróleo
composta por uma seqüência complexa de etapas e de processos
decisórios, envolvendo investimentos e riscos bastante elevados
e de longa maturação na expectativa de descobertas
de volumes de petróleo crescentes.
A análise
das incertezas constitui um dos elementos-chave das atividades de
exploração e produção de petróleo.
No passado, em decorrência do estágio evolutivo e da
disponibilidade de prospectos de óleo e gás mais facilmente
identificáveis, a maioria dos processos decisórios
para análise de riscos ainda podia ser realizada de forma
simples e intuitiva. Além disso, os desafios na indústria
do petróleo não se apresentavam de forma tão
diversa e contraditória como se mostram na atualidade. Por
exemplo, até recentemente, na análise dos riscos envolvidos
na exploração e produção bastava a observação
das variáveis geológicas mais relevantes (volumes,
dinâmica das acumulações, etc...) e das tendências
gerais do mercado (o preço do óleo, a demanda de derivados,
etc...), a tal ponto que a possibilidade de descoberta de boas jazidas
afastava a necessidade de uso de metodologias complexas e mais abrangentes.
Entretanto,
esse cenário alterou-se drasticamente em função
da diminuição dos indícios de jazidas de petróleo
mais fáceis de serem encontradas e de baixos custos, da crescente
globalização dos negócios e do envolvimento
de diversos agentes, tornando o processo de tomada de decisão
na exploração bastante complexo e nem sempre de fácil
solução.
Além disso, as empresas envolvidas na atividade exploratória
freqüentemente se defrontam na quantificação
de diferentes tipos de riscos, tais como:
- Risco
de um poço exploratório ou de desenvolvimento ser
seco;
- Risco
de uma descoberta não possuir um volume de óleo
suficiente para os custos envolvidos no seu aproveitamento econômico;
- Risco
relacionado com o preço futuro de óleo e gás
natural;
- Risco
econômico-financeiro;
- Risco
ambiental;
- Risco
político vinculado às incertezas jurídico-institucionais
de um país detentor dos recursos petrolíferos;
Neste
trabalho estamos abordando somente os dois primeiros tipos que podem
ser incluídos na categoria dos riscos geológicos que
são avaliados após a descoberta de um indício
suficientemente atrativo que justifique a continuidade das atividades
de exploração e avaliação do seu potencial
econômico. O sucesso geológico é diretamente
vinculado aos modelos geológicos de acumulação
e da definição dos limites e dos volumes envolvidos
e dos riscos inerentes às variáveis críticas
da dinâmica das acumulações petrolíferas
(geração, reservatórios, suprimento e "timing").
Para
se ter uma noção da magnitude do risco que é
muito bem percebido na indústria, a cada dez poços
perfurados somente entre um a três resultam em acumulações
comerciais. Por exemplo, o custo estimado de um poço na bacia
de Campos em lâmina d'água acima de 2.500 metros não
sai por menos de US$ 15 milhões. Dados da literatura apontam
que as taxas médias de sucesso de poços pioneiros
perfurados nas bacias petrolíferas localizadas em zonas de
fronteira (com escasso conhecimento geológico) situam-se
numa faixa entre 20-30% dependendo da complexidade da bacia (Figura
1). Deve-se ressaltar que essas estatísticas devem ser avaliadas
cuidadosamente, pois apontam tendências gerais. As grandes
companhias buscam sempre projetos em áreas com campos com
maiores expectativas de grandes volumes de óleo, exibindo
geralmente elevados sucessos nas fases iniciais do ciclo exploratório
e declinando a medida que a indústria se defronta com campos
com volumes mais reduzidos e com níveis de descoberta mais
complexos.
Figura
1 -
Probabilidade de sucesso de poços pioneiros perfurados
em bacias internacionais. Valores em percentagem indicam a
razão entre descobertas e poços perfurados.
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Fonte:
Petroconsultants, Oil and Gas Journal (diversos)
|
A importância
deste ciclo de geração de jazidas pode ser percebida
pelo perfil atual da produção de petróleo no
Brasil que atualmente é de 1,49 milhões de barris/dia
de óleo e 39,63 milhões de m3/dia de gás. Esta
produção continuará crescendo nos próximos
anos com base nas reservas atualmente conhecidas oriundas dos campos
de Marlim, Albacora, Albacora Leste, Barracuda-Caratinga, Roncador,
Marlim Sul e Marlim Leste e demais campos descobertos pela Petrobras
há mais de uma década. Observa-se a preponderância
da participação de zonas produtoras de bacias marítimas
em águas profundas no atendimento do suprimento nacional
(Figura 2) que com a entrada de produção de novos
campos e as descobertas recentes deverão possibilitar atingir
a auto-suficiência no atendimento da demanda nacional nos
próximos anos.
Figura
2 -
Evolução da produção anual de
petróleo cru no Brasil nas bacias terrestres e marítimas
(valores em milhares de barris)
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Fonte:
Relatório Anual (ANP, diversos), Petrobras
|
O ambiente
de águas profundas é uma tendência que se manifesta
não somente no Brasil, mas em diversas zonas produtoras,
principalmente nas regiões fora do Golfo Pérsico.
Para enfrentar as restrições exploratórias
nesses ambientes e nas demais regiões, a inovação
tecnológica vem desempenhando um papel de grande importância
na redução das incertezas tanto nas fases de exploração
como de produção de petróleo, incrementando
as probabilidades de sucesso e criando viabilidade econômica
de novas jazidas. Um dos grandes avanços no incremento do
sucesso exploratório refere-se a tecnologia sísmica
tridimensional conhecida na indústria como sísmica
3D. Aylor (1999) coletou dados de taxas de sucesso na perfuração
definidas com o apoio das tecnologias da sísmica 3D e constatou
um aumento dessas taxas em 50% na locação dos prospectos
em relação às tecnologias tradicionais conforme
indica a Tabela 1.
Tabela
1
- Taxas de sucesso na perfuração de poços
pioneiros com o apoio da tecnologia sísmica tridimensional
(sísmica 3D)
|
Empresa
|
Local
|
Sísmica 2D
|
Sísmica
3D
|
Exxon |
Golfo
do México |
43%
|
70%
|
Fairfield |
Golfo
do México |
37% |
50%
|
Exxon |
Mar
do Norte
(Reino Unido) |
36%
|
47%
|
Exxon |
Mar
do Norte
(Países Baixos) |
47%
|
70%
|
Texaco |
Louisiana
|
33%
|
62%
|
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Fonte:
Aylor(1999) modificado
|
Uma
outra componente neste processo de gestão das incertezas
exploratórias refere-se ao custo de descoberta que corresponde
ao investimento aplicado em exploração dividido pelo
montante de petróleo descoberto que pode ser estimado como
adição de novas reservas. Dados coletados pela Unicamp
(2002) indicam uma tendência declinante dos custos de descoberta
nesta última década. O resultado dessa razão
indica um relativo sucesso das grandes companhias ("majors")
na renovação do seu estoque de suas reservas. Pode-se
verificar o forte impacto que as cotações de óleo
exercem sobre o esforço exploratório.
Apesar
desses resultados refletirem o aporte das novas tecnologias exploratórias
Figura
3
- Evolução dos custos de descoberta nas principais
empresas de petróleo
Cotações do petróleo tipo Brent em US$/bbl
e dos investimentos em US$/bbl em valores constantes de 2000
|
|
Fonte:
Unicamp(2002)
|
(modelagem
de reservatórios, tecnologia sísmica, tecnologias
de perfuração, novas técnicas de gerenciamento
das incertezas exploratórias), essas estatísticas
devem ser observadas com cautela. Uma das principais dificuldades
são os tipos de informações utilizadas para
as estimativas das reservas (extensões, descobertas, aquisições,
revisões, recuperação avançada) e dos
dados de custos. Por outro lado, os dados da Figura 3 apontam de
uma maneira geral elevadas competências das equipes exploratórias
das empresas nesta última década em que pese as dificuldades
crescentes na identificação de reservatórios
com elevados volumes e boa qualidade de óleo.
Fica
evidente a importância estratégica da atividade de
exploração na geração de novos prospectos
visando a manutenção das vantagens competitivas das
empresas de petróleo, bem como atender a demanda deste bem
mineral para os diversos mercados. Trata-se de uma das etapas de
maior criatividade na longa cadeia dos negócios na indústria
do petróleo onde são adicionados valores aos ativos
minerais. As corporações empregam atualmente procedimentos
exploratórios sistemáticos para comparar as previsões
geradas pelas novas tecnologias versus os resultados efetivamente
alcançados. Por sua vez, os geocientistas (geólogos,
geofísicos, etc..) e os engenheiros de petróleo aprenderam
a trabalhar com as incertezas e calibrar as suas estimativas trazendo
enormes benefícios para as corporações petroleiras
não somente na redução das incertezas, mas
principalmente na redução dos custos exploratórios
possibilitando acessar prospectos em zonas cada vez mais remotas.
Saul
B. Suslick é professor do Instituto de Geociências
e Diretor do Centro de Estudos de Petróleo (CEPETRO) da UNICAMP
Referências
Bibliográficas
1. Aylor, W.K., Measuring the impact of 3D seismic on business performance,
SPE, HEEC Hydrocarbon Economics and Conference, 1999, Dallas,
21-23 March, 12p.
2. Rose, P.R. Chance of sucess and its use in petroleum exploration.
In: Steinmetz, R. ed., The Business of Petroleum Exploration.
AAPG Treatise of Petroleum Geology, 1993, p.93-120.
3. Suslick,S.B; Furtado,R. Quantifying the Value of Technological,
Environmental, and Financial Gain in Decision Models for Offshore
Oil Exploration, Journ.Petrol Sci. Eng., 2001.
4. Unicamp, Projeto de Monitoração das Incertezas
na Exploração e Produção, Centro de
Estudos de Petróleo, Instituto de Geociências, Laboratório
de Análises Geoeconômicas de Recursos Minerais, Unicamp,
2002 (www.ige.unicamp.br/~lage).
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