O
petróleo é nosso
Carlos Vogt
I
O petróleo sempre mobilizou politicamente a sociedade brasileira
ao longo do século XX e assim continua a fazê-lo nesse
começo de século.
Por
muitas razões, entre elas a de seu alto valor estratégico
para a economia dos países e para o desenvolvimento das nações.
O interessante
é que passam-se os anos mas não se alteram muito as
posturas dos grupos que entre si se opõem relativamente às
formas de exploração e de produção do
petróleo no país.
Desde
1947 a opinião pública brasileira foi confrontada
com essa duplicidade de atitudes, intensificada pela campanha "o
petróleo é nosso" que alguns chegam a considerar
tão intensa e apaixonante, no século XX, quanto fora
a da abolição da escravatura, no século XIX.
No
cenário que se seguiu ao fim da 2ª Guerra Mundial, em
que o liberalismo anglo-saxão vencedor repercutiu também
no Brasil com a queda do Estado Novo e da ditadura Vargas, os assim
chamados "entreguistas", com forte representação
na grande imprensa e nas grandes organizações patronais
propugnavam pela abertura total do país ao capital estrangeiro
para a exploração do petróleo em terras brasileiras.
O argumento
era o de que o país não tinha nem capital, nem técnica,
tampouco tecnologia para as modernas prospecções que
os países desenvolvidos dominavam inteiramente. Em resumo,
o argumento era de que "o petróleo ia ficar debaixo
da terra".
Contra
eles, os "nacionalistas" que pregavam o monopólio
estatal do petróleo, que acreditavam na capacidade de planejamento
e de atuação eficaz do estado e que não admitiam
outra alternativa que não fosse a da criação
de uma empresa nacional para a exploração do então
chamado "ouro negro".
II
Em 1953, quando Getúlio Vargas, em seu segundo governo, agora
presidente eleito pelo voto, promulga, no dia 3 de outubro, a lei
da criação da Petrobras, vários acontecimentos
importantes marcaram a cena histórica desses princípios
da segunda metade do século XX.
No
dia 5 de março morria, em Moscou, aos 73 anos de idade, o
ditador Joseph Stálin que durante 29 anos dirigira, com mão
de ferro, os destinos da União Soviética, transformando-a,
ao preço de muitas vidas, na grande potência rival
dos EUA e no segundo grande ator do drama da guerra fria, cujo desenrolar
se daria até 1989 com a queda do muro de Berlim.
No
dia 19 de junho, como parte desse drama, são executados na
cadeira elétrica, nos EUA, Julius e Ethel Rosemberg, acusados
de terem passado para a URSS segredos da fabricação
da bomba atômica.
No
mês seguinte, no dia 27, depois de três anos de combates
e de mais de 5 milhões de mortos, é assinado o armistício
entre as Nações Unidas, China e Coréia do Norte
para por fim à Guerra da Coréia. Tudo continuou como
antes, do ponto de vista da divisão das duas Coréias
pelo paralelo 38, mas o Japão começou aí a
conhecer a retomada de seu desenvolvimento econômico já
que foi um dos grandes fornecedores de material bélico para
a guerra.
Estava
em cena o plano de recuperação econômica do
Japão, tão eficiente e estratégico, na Ásia,
quanto o plano Marshall, adotado pelos EUA, através de uma
lei de 1948, para a reconstrução da Europa devastada
pela Guerra e como parte da diplomacia para conter o avanço
da expansão soviética: raízes do novo liberalismo.
Também
em 1953, no dia 15 de março, a primeira montadora de automóveis
no Brasil, a Volkswagen, instala-se em um pequeno barracão
no Ipiranga, na cidade de São Paulo, para montar, com peças
de fabricação alemã e com mão-de-obra
brasileira, carros da linha Volks e da linha Kombi.
Em
29 de abril, o filme O cangaceiro, de Lima Barreto, ganha
a Palma de Ouro do Festival de Cannes e no dia 26 de junho fracassa
a tentativa de golpe, depois bem sucedida, em 1958, do grupo de
revolucionários cubanos liderados por Fidel Castro contra
o governo do ditador Fulgêncio Batista.
Com
a criação da Petrobras, em 3 de outubro de 1953, vencem
os "nacionalistas" e triunfa a campanha de mobilização
da opinião pública "O petróleo é
nosso", que teve vários próceres na história
republicana do século XX, no Brasil.
III
Monteiro Lobato morre em 1948, no mesmo ano em que a União
Nacional dos Estudantes (UNE) cria a Comissão Estudantil
de Defesa do Petróleo, surgindo, na seqüência,
em decorrência do movimento de mobilização nacional
em torno do tema, o lema consagrado de "O petróleo é
nosso".
Ele
próprio, Monteiro Lobato, como é sabido, teve um papel
fundamental nessa consagração. Autor festejado, editor
de sucesso, Lobato teve uma militância política e institucional
tão intensa em sua vida quanto é grande e variada
a sua obra literária. Dos livros infantis, cujo cenário
de imaginação e de fantasia está no Sítio
do Pica-Pau Amarelo, com seus personagens inesquecíveis e
suas histórias memoráveis, aos contos regionais de
gosto gótico e impressionista, passando pelas cartas e pelos
textos de militância nacionalista, Monteiro Lobato mostra
uma vocação política forte, apenas matizada
pelo didatismo de suas intenções e, no mais das vezes,
transfigurada em peça literária de alta qualidade.
Bate-se
contra a ditadura de Artur Bernardes, contra a ditadura de Getúlio
Vargas sendo um ativista ferrenho na defesa do voto secreto.
Quando
em 1936 lança O escândalo do petróleo
já vinha de anos a sua luta pelo petróleo e por sua
exploração e produção nacionais.
Ele
próprio, em 1931, criara a Companhia Petróleos do
Brasil, que no seu lançamento teve metade das ações
subscritas em 4 dias, conseguindo, enfim, que em 1936, a sonda de
Alagoas, de sua empresa, depois de ser interditada por intervenção
federal, fizesse jorrar, a 250 metros de profundidade no poço
São João, de Riacho Doce, o primeiro jato de gás
de petróleo.
Lobato
escreve cartas a Getúlio, milita na imprensa, faz palestras
e conferências, viaja aos EUA, conhece e aprende as novas
técnicas e metodologias de exploração e de
produção do petróleo, batalha pela exploração
do ferro por empresas brasileiras, exige políticas de proteção,
de investimento e de desenvolvimento para exploração
das riquezas escondidas no solo, até que é preso em
1941, em São Paulo sob a acusação de querer,
com seus escritos e o seu persistente ativismo, desmoralizar, o
Conselho Nacional do Petróleo.
A sua
atuação, a força de suas análises e
opiniões, o respeito nacional e internacional de que gozam
o homem e o autor acabam por inspirar tanto os partidos de esquerda
como os movimentos sociais que viriam pôr na rua, no começo
dos anos 1950, a grande campanha nacionalista de defesa do petróleo.
Monteiro
Lobato continuava ativo e militante da causa do petróleo,
mesmo depois de sua morte.
Hoje,
o petróleo é nosso e a Petrobras também. Pela
mesma militância histórica que levou à sua criação,
não foi privatizada e, embora o monopólio da Petrobras,
consagrado numa emenda, quando de sua criação, tenha
sido um pouco flexibilizado, a empresa continua estatal, adquiriu
a condição de transnacionalidade pelo alcance de suas
operações e é detentora de tecnologias de exploração
em águas profundas e em águas muito profundas que
lhe são muito peculiares e de domínio muito específico.
Nesse
sentido, a empresa não só produz petróleo mas
produz também conhecimento tecnológico para exportação.
No
caso do petróleo, o sentimento da população
brasileira parece expressar-se num eterno e eloqüente arremedo
dos versos do poeta Castro Alves: o petróleo é nosso
- a Petrobras também -, como a praça é do povo
e o céu é do condor.
|