Petróleo:
por que os preços sobem (e descem)?
Adilson
de Oliveira
O petróleo
é a principal fonte de energia do mundo. Junto com o gás
natural, na verdade um subproduto da indústria do petróleo,
ele alimenta mais de 60% das necessidades energéticas das
economias industriais. Apesar do enorme esforço científico
e tecnológico desenvolvido nos últimos 30 anos para
encontrar fontes alternativas, ainda não foi encontrada fonte
de energia, com custos comparáveis ao petróleo, que
possa substituí-lo. O mundo industrial continua dependendo
do óleo negro para mover a logística de transporte,
que permite levar a produção aos mais diversos rincões
do planeta, e, com a emergência das centrais térmicas
alimentadas com gás natural, também para o suprimento
de eletricidade. Um corte abrupto no suprimento de petróleo
causaria um efeito devastador na economia, como a recente crise
elétrica no Brasil nos ilustrou.
Há
cerca de trinta anos, a possibilidade do esgotamento dos recursos
petrolíferos foi percebida como um ameaça real de
curto prazo. Estimava-se àquela época que chegaríamos
ao início do século XXI com as reservas de petróleo
em rápido declínio e, conseqüentemente, com preços
estratosféricos.
O consumo
de petróleo crescia em ritmo acelerado enquanto a descoberta
de novas reservas movia-se lentamente. Os países árabes,
onde se localizava a maior parte das reservas, ameaçaram
fazer do suprimento de petróleo uma arma política.
A combinação da perspectiva de uma escassez física
com limitações políticas de suprimento provocou
forte aumento no preço do petróleo, de certa forma
confirmando as previsões pessimistas. O petróleo chegou
ser vendido por US$ 40 o barril, porém esse patamar mostrou-se
insustentável.
O preço
elevado da principal fonte de energia do mundo industrial provocou
severa recessão econômica, reduzindo seu consumo. Além
disso, induziu a exploração de novas bacias sedimentares
em busca de novas fontes de suprimento desse combustível
fóssil assim como a busca de tecnologias mais eficientes
para o uso da energia e a substituição do petróleo
por fontes alternativas. Esses movimentos combinados provocaram
drástica reversão de expectativas. A trajetória
de elevação no preço do petróleo sofreu
radical inflexão: em meados da década de 80, o preço
estava muito próximo, em termos reais, do patamar praticado
antes da crise dos anos 70.
Depois
de cerca de pouco mais de uma década de relativa estabilidade,
voltamos a viver um período de forte instabilidade no preço
do petróleo. Diferentemente da crise da segunda metade do
século passado, nos dias atuais, a questão do esgotamento
físico das reservas não está no centro das
preocupações dos países industriais. Uma análise,
limitada estritamente ao aspecto da disponibilidade de recursos,
indica que as reservas conhecidas e a expectativa de novas descobertas
permitem manter o consumo atual por pelo menos outros 50 anos.
O problema
percebido como mais grave, no curto prazo, é a crise política
no Golfo Pérsico onde se concentram as reservas conhecidas
de petróleo (mais de 60% das reservas encontram-se nessa
região). No longo prazo, o problema maior é a perspectiva
de forte elevação do consumo de combustíveis
nos países em desenvolvimento pela pressão que esse
movimento virá a exercer sobre as reservas mundiais e o meio
ambiente.
O petróleo
é um insumo com características peculiares. Seu custo
técnico de produção varia muito, em função
das características geo-econômicas e geológicas
da região produtora. Nos dias atuais, esse custo técnico
do barril oscila entre pouco menos de US$ 1 em alguns campos da
Arábia Saudita e pouco mais de US$ 12 em boa parte dos campos
terrestres da costa leste do Estados Unidos. No caso brasileiro,
temos campos produtores com custo técnico do barril inferior
a US$ 6 na bacia de Campos e outros com custo técnico superior
a US$ 18 nas bacias terrestres da Bahia.
Contudo,
o custo do petróleo não é composto apenas de
seu custo técnico de produção. Sobre este incidem
tributos (royalties, imposto sobre lucros excepcionais etc)
que são particularmente relevantes no caso dos petróleos
de baixo custo técnico de produção. Estes impostos
são a mais importante fonte de receita fiscal nos países
em desenvolvimento que têm no petróleo seu principal
produto de exportação. (Em alguns casos, mais de 80%
do preço corresponde à receita fiscal do país
produtor.) Nesses países, as empresas petrolíferas
são induzidas a programar sua produção em função
das necessidades fiscais do governo. Quando o preço no mercado
internacional está elevado e a situação fiscal
é confortável, as empresas são induzidas a
restringir sua produção. O inverso ocorre quando o
preço está baixo e a situação fiscal
é frágil. A OPEP procura organizar os programas de
produção de seus países membros, visando manter
o preço do petróleo em patamar elevado (entre US$
24 e US$ 28 por barril) relativamente aos custos técnicos
de produção desses países.
Pelo
ângulo da demanda, o petróleo é um insumo que
se caracteriza por forte inelasticidade preço no curto prazo,
porém com substancial elasticidade preço no longo
prazo. Isso significa que uma forte elevação no preço
provoca pequena alteração no consumo no curto prazo,
porém modifica de forma importante o consumo no longo prazo.
Em outras palavras, todo ganho excessivo dos produtores no curto
prazo traz embutido o risco de perda de mercado significativa no
longo prazo. Esse risco é, na verdade, o principal elemento
inibidor da ganância dos produtores de petróleo que
percebem na forte dependência de suprimento do petróleo
do mundo industrial uma oportunidade para aumentar significativamente
o preço desse insumo.
O consumo
de petróleo está também concentrado em poucos
países. Somente os Estados Unidos consomem cerca de 25% do
petróleo produzido no mundo. Os países europeus e
o Japão são responsáveis por cerca de 40% adicionais.
A perspectiva de relativa tranqüilidade na disponibilidade
física de petróleo depende, no longo prazo, da manutenção
desse quadro de profunda desigualdade no consumo desse precioso
combustível, em que menos de 15% da população
mundial ficam com dois terços dos benefícios econômicos
da maior riqueza mineral do planeta. No curto prazo, a tranqüilidade
no suprimento de petróleo depende das condições
políticas vigentes no Golfo Pérsico, principalmente
na Arábia Saudita, de onde sai pouco mais de 15% do abastecimento
de petróleo do mundo nos dias atuais.
Depois
da crise da década de 70, vivemos um período de relativa
tranqüilidade no mercado de petróleo nas duas décadas
seguintes. Para tanto foram determinantes dois fatores: a estagnação
no consumo mundial de petróleo e a perspectiva de uma solução
negociada no problema palestino. O alongamento do horizonte de esgotamento
das reservas conhecidas e a expectativa de o suprimento de petróleo
do Golfo Pérsico em regime cooperativo com os países
consumidores aproximaram o preço do petróleo para
o custo técnico de produção dos produtores
marginais dos Estados Unidos (US 16 por barril).
Mais
recentemente, os dois fatores apontados acima foram revertidos.
O relaxamento nos Estados Unidos da preocupação com
os problemas ambientais provocados pelo uso intensivo de combustíveis
fósseis vem provocando novamente incremento significativo
no consumo de petróleo nos países desenvolvidos que,
como já dissemos, são os maiores consumidores desse
combustível. Necessariamente o Golfo Pérsico deve
aumentar sua oferta para manter o equilíbrio do mercado a
preços razoáveis.
Contudo,
o caminho negociado para o problema palestino foi abandonado voltando-se
a utilizar a força como mecanismo de solução.
A perspectiva de uma solução cooperativa para a oferta
de petróleo a partir do Golfo Pérsico tornou-se menos
provável a partir do ataque terrorista do ano passado que
levou o governo Bush a adotar a firme decisão de usar a força
para submeter o Iraque. A perspectiva de uma guerra naquela região
gera enorme incerteza quanto ao fluxo de petróleo no curto
prazo com óbvios impactos no seu preço, devido à
sua inelasticidade de curto prazo. O preço do petróleo
tende a ficar relativamente elevado enquanto persistir o clima de
tensão militar no Golfo Pérsico.
No
longo prazo, a decisão da administração americana
atual de minimizar os impactos ambientais da aceleração
do consumo de combustíveis e a percepção de
ser sua política garantir o controle das reservas do Golfo
Pérsico para abastecimento de seu espaço geo-político
tendem, por um lado, a postergar o esforço necessário
de busca de fontes alternativas de energia e, por outro lado, a
acirrar a luta política e, infelizmente, militar pelo controle
das reservas de hidrocarbonetos do mundo. Uma vez mais, estamos
diante da perspectiva de preço elevado para o petróleo,
especialmente para os países que não dispuserem de
fontes próprias de suprimento desse precioso recurso natural.
Felizmente,
o Brasil possui significativos recursos petrolíferos que
nos permitem amenizar de forma significativa os efeitos das fortes
oscilações das condições de suprimento
de petróleo no mercado mundial. Contudo, os mecanismos institucionais
necessários para alcançar esse objetivo não
foram ainda estabelecidos. A forte elevação do preço
do petróleo no ano em curso, associada à forte desvalorização
cambial dos últimos meses tem provocado forte pressão
no preço dos derivados de petróleo com óbvios
impactos inflacionários. O governo eleito terá que
se debruçar sobre esse tema com brevidade. Um mecanismo tributário
flexível que permita acomodar fortes flutuações
no preço do petróleo no mercado internacional parece
ser o caminho sensato a seguir.
Adilson de Oliveira é professor do Instituto de Economia
da UFRJ
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