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Hercúleo
Carlos Vogt
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Petróleo: por que os preços sobem (e descem)?

Adilson de Oliveira

O petróleo é a principal fonte de energia do mundo. Junto com o gás natural, na verdade um subproduto da indústria do petróleo, ele alimenta mais de 60% das necessidades energéticas das economias industriais. Apesar do enorme esforço científico e tecnológico desenvolvido nos últimos 30 anos para encontrar fontes alternativas, ainda não foi encontrada fonte de energia, com custos comparáveis ao petróleo, que possa substituí-lo. O mundo industrial continua dependendo do óleo negro para mover a logística de transporte, que permite levar a produção aos mais diversos rincões do planeta, e, com a emergência das centrais térmicas alimentadas com gás natural, também para o suprimento de eletricidade. Um corte abrupto no suprimento de petróleo causaria um efeito devastador na economia, como a recente crise elétrica no Brasil nos ilustrou.

Há cerca de trinta anos, a possibilidade do esgotamento dos recursos petrolíferos foi percebida como um ameaça real de curto prazo. Estimava-se àquela época que chegaríamos ao início do século XXI com as reservas de petróleo em rápido declínio e, conseqüentemente, com preços estratosféricos.

O consumo de petróleo crescia em ritmo acelerado enquanto a descoberta de novas reservas movia-se lentamente. Os países árabes, onde se localizava a maior parte das reservas, ameaçaram fazer do suprimento de petróleo uma arma política. A combinação da perspectiva de uma escassez física com limitações políticas de suprimento provocou forte aumento no preço do petróleo, de certa forma confirmando as previsões pessimistas. O petróleo chegou ser vendido por US$ 40 o barril, porém esse patamar mostrou-se insustentável.

O preço elevado da principal fonte de energia do mundo industrial provocou severa recessão econômica, reduzindo seu consumo. Além disso, induziu a exploração de novas bacias sedimentares em busca de novas fontes de suprimento desse combustível fóssil assim como a busca de tecnologias mais eficientes para o uso da energia e a substituição do petróleo por fontes alternativas. Esses movimentos combinados provocaram drástica reversão de expectativas. A trajetória de elevação no preço do petróleo sofreu radical inflexão: em meados da década de 80, o preço estava muito próximo, em termos reais, do patamar praticado antes da crise dos anos 70.

Depois de cerca de pouco mais de uma década de relativa estabilidade, voltamos a viver um período de forte instabilidade no preço do petróleo. Diferentemente da crise da segunda metade do século passado, nos dias atuais, a questão do esgotamento físico das reservas não está no centro das preocupações dos países industriais. Uma análise, limitada estritamente ao aspecto da disponibilidade de recursos, indica que as reservas conhecidas e a expectativa de novas descobertas permitem manter o consumo atual por pelo menos outros 50 anos.

O problema percebido como mais grave, no curto prazo, é a crise política no Golfo Pérsico onde se concentram as reservas conhecidas de petróleo (mais de 60% das reservas encontram-se nessa região). No longo prazo, o problema maior é a perspectiva de forte elevação do consumo de combustíveis nos países em desenvolvimento pela pressão que esse movimento virá a exercer sobre as reservas mundiais e o meio ambiente.

O petróleo é um insumo com características peculiares. Seu custo técnico de produção varia muito, em função das características geo-econômicas e geológicas da região produtora. Nos dias atuais, esse custo técnico do barril oscila entre pouco menos de US$ 1 em alguns campos da Arábia Saudita e pouco mais de US$ 12 em boa parte dos campos terrestres da costa leste do Estados Unidos. No caso brasileiro, temos campos produtores com custo técnico do barril inferior a US$ 6 na bacia de Campos e outros com custo técnico superior a US$ 18 nas bacias terrestres da Bahia.

Contudo, o custo do petróleo não é composto apenas de seu custo técnico de produção. Sobre este incidem tributos (royalties, imposto sobre lucros excepcionais etc) que são particularmente relevantes no caso dos petróleos de baixo custo técnico de produção. Estes impostos são a mais importante fonte de receita fiscal nos países em desenvolvimento que têm no petróleo seu principal produto de exportação. (Em alguns casos, mais de 80% do preço corresponde à receita fiscal do país produtor.) Nesses países, as empresas petrolíferas são induzidas a programar sua produção em função das necessidades fiscais do governo. Quando o preço no mercado internacional está elevado e a situação fiscal é confortável, as empresas são induzidas a restringir sua produção. O inverso ocorre quando o preço está baixo e a situação fiscal é frágil. A OPEP procura organizar os programas de produção de seus países membros, visando manter o preço do petróleo em patamar elevado (entre US$ 24 e US$ 28 por barril) relativamente aos custos técnicos de produção desses países.

Pelo ângulo da demanda, o petróleo é um insumo que se caracteriza por forte inelasticidade preço no curto prazo, porém com substancial elasticidade preço no longo prazo. Isso significa que uma forte elevação no preço provoca pequena alteração no consumo no curto prazo, porém modifica de forma importante o consumo no longo prazo. Em outras palavras, todo ganho excessivo dos produtores no curto prazo traz embutido o risco de perda de mercado significativa no longo prazo. Esse risco é, na verdade, o principal elemento inibidor da ganância dos produtores de petróleo que percebem na forte dependência de suprimento do petróleo do mundo industrial uma oportunidade para aumentar significativamente o preço desse insumo.

O consumo de petróleo está também concentrado em poucos países. Somente os Estados Unidos consomem cerca de 25% do petróleo produzido no mundo. Os países europeus e o Japão são responsáveis por cerca de 40% adicionais. A perspectiva de relativa tranqüilidade na disponibilidade física de petróleo depende, no longo prazo, da manutenção desse quadro de profunda desigualdade no consumo desse precioso combustível, em que menos de 15% da população mundial ficam com dois terços dos benefícios econômicos da maior riqueza mineral do planeta. No curto prazo, a tranqüilidade no suprimento de petróleo depende das condições políticas vigentes no Golfo Pérsico, principalmente na Arábia Saudita, de onde sai pouco mais de 15% do abastecimento de petróleo do mundo nos dias atuais.

Depois da crise da década de 70, vivemos um período de relativa tranqüilidade no mercado de petróleo nas duas décadas seguintes. Para tanto foram determinantes dois fatores: a estagnação no consumo mundial de petróleo e a perspectiva de uma solução negociada no problema palestino. O alongamento do horizonte de esgotamento das reservas conhecidas e a expectativa de o suprimento de petróleo do Golfo Pérsico em regime cooperativo com os países consumidores aproximaram o preço do petróleo para o custo técnico de produção dos produtores marginais dos Estados Unidos (US 16 por barril).

Mais recentemente, os dois fatores apontados acima foram revertidos. O relaxamento nos Estados Unidos da preocupação com os problemas ambientais provocados pelo uso intensivo de combustíveis fósseis vem provocando novamente incremento significativo no consumo de petróleo nos países desenvolvidos que, como já dissemos, são os maiores consumidores desse combustível. Necessariamente o Golfo Pérsico deve aumentar sua oferta para manter o equilíbrio do mercado a preços razoáveis.

Contudo, o caminho negociado para o problema palestino foi abandonado voltando-se a utilizar a força como mecanismo de solução. A perspectiva de uma solução cooperativa para a oferta de petróleo a partir do Golfo Pérsico tornou-se menos provável a partir do ataque terrorista do ano passado que levou o governo Bush a adotar a firme decisão de usar a força para submeter o Iraque. A perspectiva de uma guerra naquela região gera enorme incerteza quanto ao fluxo de petróleo no curto prazo com óbvios impactos no seu preço, devido à sua inelasticidade de curto prazo. O preço do petróleo tende a ficar relativamente elevado enquanto persistir o clima de tensão militar no Golfo Pérsico.

No longo prazo, a decisão da administração americana atual de minimizar os impactos ambientais da aceleração do consumo de combustíveis e a percepção de ser sua política garantir o controle das reservas do Golfo Pérsico para abastecimento de seu espaço geo-político tendem, por um lado, a postergar o esforço necessário de busca de fontes alternativas de energia e, por outro lado, a acirrar a luta política e, infelizmente, militar pelo controle das reservas de hidrocarbonetos do mundo. Uma vez mais, estamos diante da perspectiva de preço elevado para o petróleo, especialmente para os países que não dispuserem de fontes próprias de suprimento desse precioso recurso natural.

Felizmente, o Brasil possui significativos recursos petrolíferos que nos permitem amenizar de forma significativa os efeitos das fortes oscilações das condições de suprimento de petróleo no mercado mundial. Contudo, os mecanismos institucionais necessários para alcançar esse objetivo não foram ainda estabelecidos. A forte elevação do preço do petróleo no ano em curso, associada à forte desvalorização cambial dos últimos meses tem provocado forte pressão no preço dos derivados de petróleo com óbvios impactos inflacionários. O governo eleito terá que se debruçar sobre esse tema com brevidade. Um mecanismo tributário flexível que permita acomodar fortes flutuações no preço do petróleo no mercado internacional parece ser o caminho sensato a seguir.


Adilson de Oliveira é professor do Instituto de Economia da UFRJ

 
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Atualizado em 10/12/2002
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