Manual do Novo Peregrino
Carlos
Vogt
Nunca
mais construir a imitação da excedência da luz,
nunca, digo, não por vontade do indivíduo pleno ou
por ensejo,
antes por imposição de pessoa, pacto de imagens, planificado
e plano,
este que transforma um guarda-roupa de subjetividades
num ícone errante de dor, angústia, programa de saudades.
Nunca
mais o cão alarido atrás de grades familiares,
solo de andarilhos, pose de esfinges, solidão de bares,
nesses de gravuras que vendem fórmulas prontas de dramas
finos,
esses que se fazem das mãos cheias de despojos,
como museus de bobagens nos bolsos de meninos:
pedra de bugalho, guimba de cigarro, luz de vaga-lume, canto de
cigarra, entulho de desejos.
Posturas,
pois, sem erros e atropelos, ali no lugar devido,
como um navio atracado ameaça navegar o cais,
salão em que o mocinho se encontra com o bandido,
e os dois são únicos no mesmo enredo, são um
e muitos em muitas capitais.
Se
já não há perguntas com respostas para a embriaguez
das circunstâncias,
por simplicidade de método, para encurtar o não,
resumo o programa em que se fundem a linguagem com o outro, a imagem
com o chão:
agarrar a tolice, como o samurai a mosca, com a espada da bebida,
trocar o aéreo pelo sóbrio, a chama pelo jogo, a sombra
pelo líquido,
ser paciente e boi, nos olhos, no cansaço, nas faltas e abundâncias,
ruminar detalhe por detalhe, grama por grama, areia por estrela,
símbolo por ação,
desconstruir o sonho pela vida, a vida pelo enigma, o enigma pelo
óbvio,
ser banal e bobo na banalidade de ser um e múltiplo, mas
não ser ubíquo,
resistir heróica e inutilmente à utilidade da palavra,
como pássaro se perde de si próprio no canto solitário
que a gaiola agrava.
Nunca
mais o estilo decidido, nunca mais a ilusão do real pelo
real,
tampouco a explosão semântica do símbolo cindido,
no modo ambíguo de falar de si para esconder-se mais;
agora não será preciso correr com o espelho sobre
o objeto mudo,
no movimento vão de armazenar o mundo,
de construir represas para conter os furos,
de fabricar armários de guardar cascalhos;
não penetrar paisagens pela dimensão da profundidade
que elas não têm,
ser lateral e plano na exclamação cruzada de suas
molduras,
ficar parado e móvel nas ruínas de cenários
como um cenário em ruínas,
habitar a interface do mundo com o muro,
ver e estar sendo visto: janela de neon, poltrona de vacâncias,
moinho de securas.
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