Vilas
significaram distância entre patrões e operários
A história
das vilas operárias no Brasil desenvolveu-se a partir da
chegada das estradas de ferro e com a instalação das
primeiras indústrias no País. As vilas, construídas
no final do século XIX e começo do século XX,
eram controladas pelos industriais, que delas eram proprietários
e assim mantinham seus empregados sob custódia. A historiadora
e pesquisadora Daisy Serra Ribeiro, que estudou as vilas em Campinas
da década de 30, explica que o sistema de dominação
presente nas primeiras vilas operárias brasileiras não
se diferenciava muito do presente nas senzalas.
O papel
das vilas era "tirar das vistas" o operário e segregá-lo.
Havia regras morais rígidas, entre elas a proibição
de bebidas alcoólicas. Na opinião da professora da
Faculdade de Arquitetura da PUC-Campinas, Maria Cristina da Silva
Schicchi, uma das responsáveis pela disciplina Estudos Sócio-Econômicos
da Arquitetura e Urbanismo, a formação das vilas tinha
segundas intenções. "Foi o primeiro tipo de segregação
oficializada", comenta. Incentivados pelo governo a construir
as vilas em troca de redução dos impostos os industriais
não titubeavam.
Inicialmente
criadas para abrigar os trabalhadores, a maioria deles imigrantes
europeus empregados das redes ferroviárias, as vilas estavam
sempre na periferia das cidades e foram um marco na história
de São Paulo e do Rio de Janeiro. Distantes quatro quilômetros
do centro, os moradores podiam se locomover a pé. Embora
houvesse a pressão do patrão, que tornava o trabalhador
seu dependente, dava-se ao operário, como observa Maria Cristina
Sacchi, uma sensação de garantia.
Além
das vilas construídas pelos patrões, as cidades do
início do século também abrigavam, nas regiões
de periferia, bairros populares. Estes, eram formados, em sua maioria,
por casas construídas pelos próprios operários
e cortiços.
Da
proteção à especulação
Nos
anos 30, o Estado brasileiro passou a garantir o direito de moradia
aos cidadãos, o que propiciou a atuação de
loteadores, que edificavam as casas e as financiavam para as famílias.
Esse processo deu início a políticas do Governo Federal,
marcadas pelos planos habitacionais que se tornaram famosos, como
o das Companhias de Habitação (Cohab).
A entrada
dos loteadores e dos especuladores no mercado imprimiu uma nova
aparência às vilas. A partir da década de 30,
o operário começa a se sentir dono da cidade, que
passa por um processo amplo de transformação. O interesse,
como realça a professora Maria Cristina Schicchi, era comprar
as áreas, fazer o arruamento e esperar pela valorização.
Havia controle do Estado, que fiscalizava se os loteadores cumpriam
as exigências de oferecer redes de água, esgoto, e
energia elétrica, em respeito à planta prevista. À
medida que o setor central crescia, alcançava as vilas, que
eram empurradas para a periferia, cada vez mais distantes do centro.
Passou-se, então, a investir em sistemas viários,
a exemplo da capital São Paulo. "O investimento em transporteacontece
porque muda essa relação espaço-tempo. Aí
as vilas perdem o sentido", observa a professora da PUC-Campinas.
Face
oculta da segregação
As
vilas operárias normalmente não eram fechadas por
portões e as construções tinham de 8 a 10 metros
de frente e 25 a 35 metros de fundo. Nelas eram construídas,
no máximo, seis casas geminadas para quatro casas isoladas,
a maioria delas térrea. Havia, em média, oito ruas
nos lotes, e as famílias tinham de dois a cinco filhos. As
casas tinham que seguir um desenho idêntico, fornecido pela
Prefeitura. Esses modelos eram econômicos e bem-feitos, como
afirma a pesquisadora Daisy Serra, que responde pela Coordenadoria
Setorial do Patrimônio Cultural de Campinas.
A Vila
Operária Manoel Dias, tombada pelo patrimônio histórico
e localizada no bairro Vila Industrial de Campinas, é uma
das que despontaram na década de 30. A Vila Póvoa
e a Vila Marieta são modelos básicos de vilas operárias
desse mesmo período. Caracterizada como uma minicidade, a
Vila Maria Zélia, também em Campinas, até hoje
é mantida com escola, comércio, área de lazer,
arborização e congrega inúmeras famílias.
Ao longo do tempo, vários proprietários das vilas
venderam suas casas.
Memória
contada por imagens
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Viela
da Vila Industrial, em Campinas. Foto: Amarildo Carnicel
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Pesquisadores
do Centro de Memória da Unicamp (CMU) iniciaram, em 1991,
uma pesquisa de caráter sócio-histórico-antropológico
para resgatar o passado de diversos bairros de Campinas, a começar
pelo Cambuí e pela Vila Industrial. A pesquisa consistiu
na análise de inventários do Corpo de Bombeiros, da
Santa Casa, do Tribunal de Justiça, de levantamento da documentação
histórica textual e de fotos e depoimentos obtidos em entrevistas
com os velhos moradores.
A construção
das estradas de ferro trouxe operários para trabalhar nas
oficinas da Mogiana e da Paulista, em Campinas. Com o tempo, instalaram-se
as indústrias de curtumes e de equipamentos agrícolas.
Estimulados pelo trem de ferro, que servia como meio de transporte,
os fazendeiros barões do café trouxeram suas famílias
para a cidade e o Cambuí foi o bairro que acolheu essa elite.
Antes um bairro habitado por prostitutas e negros (ex-escravos),
que ocupavam cortiços e espaços desvalorizados, o
Cambuí foi tomado pela burguesia, que afastou os antigos
moradores para longe. Os proletários, que trabalhavam nos
trilhos - mais tarde, na capital paulista, na instalação
dos bondes elétricos - moravam nas vilas operárias.
A
pesquisa do Centro de Memória da Unicamp revela facetas distintas
do Cambuí e da Vila Industrial através do tempo. A
coordenadora-geral da pesquisa e diretora do Centro de Memória
da Unicamp, Olga Rodrigues de Moraes von Simpson, acrescenta que
o sentido da convivência em grupo foi prejudicado: "Ambos
os bairros passaram por um intenso processo de transformação
e propiciaram uma perda de qualidade de vida muito grande".
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Foto:
Amarildo Carnicel
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O pesquisador
do CMU e professor do Curso de Especialização em Jornalismo
Científico, promovido pelo Laboratório de Estudos
Avançados em Jornalismo (Labjor/Unicamp), Amarildo Carnicel,
fotografou a Vila Industrial e o Cambuí. Ele enfatiza que
é visível a relação de pertinência
que os moradores da Vila Industrial têm com o bairro, o que
não ocorre entre a população do Cambuí.
"No Cambuí, eu era recebido como intruso. Eu percebia
claramente que as pessoas desviavam da objetiva", comenta.
A pesquisa
do CMU foi encerrada em 1997 e, até 1998, fez-se exposições
das imagens, primeiro entre a população da Vila Industrial
e do Cambuí, para que conhecessem sua história, e
depois para toda a população campineira, no Museu
da Cidade. O trabalho, lembra Olga von Simson, se tornou possível
graças ao financiamento do CNPq e ao Prêmio Estímulo
de Cultura, concedido pela Secretaria Municipal de Cultura, que
permitiu a produção de um vídeo.
(RB)
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