Fórum
Social propõe uma outra cidade possível.
As
condições de vida na grandes cidades, principalmente
as dos países subdesenvolvidos, têm se deteriorado.
De pólo atrativo que propiciava o acesso a uma intensa vida
cultural e social, melhores oportunidades de emprego e um enriquecedor
convívio com diferentes experiências de vida, elas
têm se tornado centros irradiadores de migrações
para lugares menores, com menos poluição, violência,
tráfego e melhores condições de vida. As grandes
cidades, por serem concentradoras de população, são
mais sensíveis à piora das condições
econômicas, mesmo que seja de apenas uma parte da população.
Pensando
nesse problema e vendo a cidade como o lugar em que as questões
sociais se tornam mais dramáticas, realizou-se no dia 2 de
fevereiro, durante o Fórum Social Mundial 2002, em Porto
Alegre, a conferência "Cidades, populações
urbanas". Nesse encontro, estiveram debatendo os problemas
das cidades, sob o comando da professora da Faculdade de Arquitetura
da USP e urbanista Ermínia Maricato, pesquisadores e representantes
de movimentos sociais de diferentes partes do mundo. Em um fórum
de resistência à globalização neoliberal
como o de Porto Alegre, o objetivo era mostrar como um processo
que se dá em nível global e nacional tem seus efeitos
visíveis nas grandes concentrações urbanas.
Dentro do espírito propositivo do Fórum Social, a
conferência pretendeu também trazer sugestões
e idéias para a resolução dos problemas e para
uma melhor organização dos movimentos sociais.
Os
anos 90 trouxeram alterações no papel do Estado. Em
um movimento que já havia se iniciado em alguns países
desenvolvidos, os países subdesenvolvidos reduziram os investimentos
estatais e privatizaram empresas públicas - incluindo empresas
que forneciam água, energia, transportes e habitação.
Com isso, aplicava-se uma política econômica que procurava
equilibrar as contas públicas e abrir espaços para
mais investimentos vindos de empresas privadas, seguindo as orientações
de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco Mundial. Ao mesmo tempo, os países subdesenvolvidos
passaram a contar com uma presença maior de investimentos
estrangeiros, através de empresas multinacionais.
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Ermínia
Maricato - contra a cidade do pensamento único.
Foto: RE
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O efeito
da redução do Estado e da globalização
foi analisado, na abertura da conferência, por Ermínia
Maricato. Segundo ela, os direitos sociais, econômicos e políticos,
que foram conquistados através das lutas históricas
dos trabalhadores, foram perdidos. A exclusão social daqueles
que não podem pagar pelos serviços - que eram oferecidos
pelo Estado e que agora são disponibilizados pelo mercado
- favorece as atividades ilegais e a agressão ao meio ambiente.
As camadas mais ricas podem usufruir de um padrão de consumo
semelhante aos do Primeiro Mundo, mas estão rodeadas pela
violência e pelo crime organizado, que crescem na "cidade
oculta". Segundo ela, as especificidades de cada local acabam
sendo atropeladas por um modelo de urbanismo gestado nos países
do Primeiro Mundo.
O mexicano
Guillermo Rodriguez, da Federación Continental de Organizações
Comunitárias (Fecoc), apontou a falta de acesso ao Estado
nos países subdesenvolvidos. Segundo ele, já que a
saúde, a educação, o saneamento, deixaram de
ser papel do Estado, cidadania passou a se dar na esfera da resolução
individual de problemas e não na luta por direitos coletivos.
As pessoas não buscam mais por direitos junto ao Estado,
de uma forma coletiva e organizada, mas tentam obter acesso a serviços
no mercado. Como objetivos para os movimentos da América
Latina Rodriguez colocou a luta para reverter a privatização
da água, a melhoria das habitações e a luta
por terras urbanas.
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Cesare
Ottolini - por uma conspiração internacional
pelo direito à cidade. Foto: Rafael Evangelista
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O cientista
político Cesare Ottolini pediu uma conspiração
internacional pelo direito à cidade. Segundo ele, os habitantes
têm o direito de construir a cidade. Ottolini alertou aos
movimentos sociais para que mantenham sua independência com
relação aos políticos, mesmo que eles sejam
simpáticos às suas causas. "Os políticos,
quando chegam ao poder, tendem a se tornar mais conservadores",
disse. Ele lembrou dos conselhos de bairro dos anos 70, que burocratizaram-se
nos anos 80. Como sugestão de fonte de investimentos em políticas
sociais o italiano propôs o cancelamento das dívidas
dos países pobres. "Mas tem que haver uma vinculação,
por parte dos governo que tiverem dívidas abatidas, de parte
dos recursos com as políticas sociais", ponderou. Outra
fonte de recursos citada por Ottolini foi a Taxa Tobin.
A Taxa
Tobin foi proposta pelo economista James Tobin, premiado com o Nobel
de economia em 1972. Ela consiste na taxação em 0,1%
das transações de todo o capital especulativo que
circula pelo planeta. O ATTAC
(Ação pela Tributação das Transações
Financeiras em Apoio aos Cidadãos), uma das entidades promotoras
do Fórum Social Mundial, teve a Taxa Tobin como uma de suas
metas iniciais. Os recursos oriundos da Taxa Tobin poderiam constituir
uma reserva de investimentos em políticas públicas.
Peter
Marcuse, urbanista e professor da Universidade de Columbia, em Nova
Iorque, também citou a Taxa Tobin como fonte de recursos.
Outra alternativa seriam os fundos de pensão, que concentram
uma grande quantidade de recursos. No entanto, seria preciso ainda
chegar a um consenso sobre como a gestão e a captação
desses recursos pode ser feita.
Segundo
ele, o Fórum Social é uma oportunidade para que o
movimento social defina o que há de errado no modelo atual
e qual é o novo modelo ideal. "Definimos que a habitação
não deve ser vista como um produto. Sabemos que não
queremos a segregação, o trabalho inadequado, a insegurança
e a falta de saúde. Mas não estão claros pontos
como: que tipo de integração desejamos, que habitação
desejamos - gerida por quem, com que donos?", perguntou. Para
o urbanista, esses problemas relacionam questões locais,
globais e nacionais.
Marcuse
encerrou afirmando o paradoxo da construção de um
novo mundo possível. Para ele, precisamos de novos homens
para contruir um novo mundo mas "só conseguiremos um
novo mundo se tivermos novos homens", completou.
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