Educação
para uma nova cidade
Pedro
levanta às sete horas para ir trabalhar. Ele mora na periferia
de uma grande metrópole brasileira, mas não leva mais
do que meia hora para chegar à empresa, pois um trem bala
liga os bairros ao centro da cidade. Com seu cartão de usuário
freqüente, Pedro tem 30% de desconto no preço da passagem,
desde que utilize sempre o mesmo trajeto, pelo menos nos dias úteis.
Durante a viagem, o trem passa por uma área agrícola
e muito arborizada. É o cinturão verde que cerca a
cidade, abastecendo os habitantes do centro e da periferia e ajudando
a purificar o ar.
Ao
chegar no trabalho, Pedro abre suas mensagens na caixa de correio
eletrônico e verifica que recebeu, entre outros, a pauta da
reunião daquela noite na associação de moradores
de seu bairro, da qual participa como diretor. Com uma jornada de
trabalho diária de sete horas, sobra algum tempo no final
da tarde para descansar, se divertir e também participar
das atividades da associação.
O cenário
e o personagem acima, que são fictícios, mas bem poderiam
representar nosso desejo de cidade (sustentável) do futuro,
encobrem um elemento essencial da vida nesse ambiente: a educação.
Ser
alfabetizado já não é suficiente para viver
numa metrópole contemporânea, menos ainda o será
na perspectiva de um desenvolvimento sustentável para as
cidades. E não apenas por motivos prosaicos, como comprar
o passe de trem mais vantajoso ou ler um e-mail, mas também
econômicos. "Para atingir um crescimento estável
e sustentável, precisamos de uma força de trabalho
bem educada, bem equipada e adaptável. A educação
serve também, mais amplamente, para promover a cidadania
ativa e ajuda a combater a exclusão social", diz o documento
Indicadores
do Desenvolvimento Sustentável, do Department for Environment,
Food & Rural Affairs (DfES), do Reino Unido, sobre os objetivos
da educação para o desenvolvimento sustentável.
Imaginemos,
por exemplo, que o principal assunto da reunião da associação
de moradores da qual Pedro é diretor fosse a construção
de uma praça em um local doado pela prefeitura, onde havia
funcionado uma fábrica de componentes fotográficos.
Os resíduos dessa empresa representariam um risco, pois podem
estar associados ao surgimento de determinados cânceres e
os moradores teriam que tomar uma decisão, com base em informações
recebidas de fontes diversas. Os antigos donos da fábrica
poderiam dizer que não existe qualquer risco; especialistas,
no entanto, certamente divergiriam sobre o tema.
Qualquer
que seja o desfecho dessa história, para tomar a decisão,
os moradores precisariam contar com uma boa base de conhecimentos
sobre o assunto. Mesmo que não conheçam a priori
o tema, poderiam buscar informações na Internet, entrevistar
pessoas, consultar obras de referência, produzir boletins
de esclarecimento à comunidade e receber propostas. Para
isso, no entanto, é fundamental que tenham aprendido a ler
(e não apenas a decifrar códigos), a buscar informações
e julgá-las conforme a pertinência para a discussão,
o que dificilmente se consegue sem passar "pelos bancos escolares".
Como
se preparar
Se
é verdade que o papel da educação para o desenvolvimento
sustentável é cada vez mais amplamente reconhecido,
as desigualdades entre os países continuam imensas. Mesmo
entre os desenvolvidos, a situação não é
homogênea. Mas nestes, pelo menos, os padrões de educação
têm crescido significativamente.
No
Reino Unido, segundo pesquisa do DfES, tem-se comprovado melhora
crescente na qualificação dos estudantes nas últimas
décadas. Em 2001, 76% dos jovens com 19 anos obtiveram qualificação
de nível 2 no sistema de avaliação educacional
britânico, em comparação com cerca de 45% que
obtiveram a mesma qualificação em 1984 (veja gráfico
abaixo). Proporções semelhantes se verificam no País
de Gales (76%), Escócia (78%) e Irlanda do Norte (75%).
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Há
mais estudantes melhor qualificados hoje no Reino Unido.
Fonte: Headline Indicators - H5: Education. Department
for Environment, Food & Rural Affairs. London: UK
Government.
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Nos
países membros da Organização de Cooperação
para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), começa-se
a ir à escola cada vez mais cedo. Segundo estatísticas>
do Centre for Educational Research and Innovation (CERI), mais de
75% das crianças com 3 anos de idade estão na escola
(em tempo integral) na França, na Bélgica (flamenga)
e Islândia, embora no Canadá, Coréia, Turquia
e Suíça essa proporção ainda seja de
menos de 15 % (veja gráfico). Neste caso, porém, seria
preciso investigar outras razões possíveis (culturais,
políticas) para explicar tal situação.
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Educação pré-primária
para crianças de 3 anos atinge grandes proporções
em países como França, Itália, Bélgica,
Islândia e Nova Zelândia.
Fonte: Starting
Young, OECD Observer, 30/mar/2001.
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Se
tomarmos a escolaridade como parâmetro, a posição
do Brasil não é exatamente confortável. Por
um lado, aumentou o número de matriculados no ensino fundamental
nos últimos anos. Mas o domínio da escrita e da leitura
pelos alunos brasileiros, ao que parece, continua muito baixo. Pelo
menos é o que mostram os resultados da última pesquisa
do Programa para Avaliação Internacional de Estudantes
(PISA) da OCDE, onde o Brasil aparece entre os que tiveram pior
desempenho, atrás não só de países como
Estados Unidos e Finlândia, mas também de Coréia
e Hungria, que, afinal, não estão tão distantes
de nós economicamente. O PISA, que mede o grau de alfabetização
(litteracy) matemática, científica e de leitura
e compara periodicamente o desempenho de alunos de um conjunto de
mais de 30 países, pode até ser questionado como parâmetro
único de comparação (seria necessário
levar em conta outros dados), mas seus resultados não são
negligenciáveis. Eles indicam que o problema de compreender
um texto é mais complexo do que decodificar informações
ou reconhecer dados e isto é ainda uma grande dificuldade
para muitos indivíduos. No entanto, é um requisito
para a cidadania e o desenvolvimento sustentável.
Uma
das saídas que tem sido preconizada por alguns para superar
o problema é aumentar o grau de participação
da sociedade civil e desenvolver programas alternativos de educação.
Algumas experiências interessantes certamente existem, como
é o caso dos programas Casa Verde Builders, Environmental
Corps, Cultural Warriors e American YouthWorks Charter School, do
American Institute for Learning, ONG que funciona em Austin (Texas).
Esses programas são baseados em metodologia de educação
dirigida a projetos e oferecem treinamento em construção
civil, artes, administração, ambientalismo e multimídia
a jovens que potencialmente deixariam a escola (evitando, assim,
a evasão escolar), ao mesmo tempo que estão coordenados
com outras ações e programas mais "tradicionais",
como cursos preparatórios para universidade, diploma de segundo
grau (através de convênio com escolas da região)
e mesmo alfabetização.
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No
entanto, essas experiências estão longe de atingir
um grande percentual da população, além de
comportarem uma série de ambigüidades e dificuldades
que as tornam insuficientes para suprir as necessidades de educação
para o desenvolvimento sustentável. Como afirma o professor
da Faculdade de Educação da USP, Pedro Jacobi, "as
experiências que inovam a relação entre Estado
e Sociedade Civil ainda estão longe de representar um paradigma
de significativa repercussão no atual quadro brasileiro".
No entanto, segundo o professor, tais experiências são
necessárias num contexto democrático em que há
necessidade de fortalecer a participação dos cidadãos,
mas elas precisam contar com a disposição do Estado
em implantar programas que a incentivem e em aceitar os conflitos.
"Os desafios para ampliar a participação estão
intrinsecamente vinculados à predisposição
dos governos locais em criar espaços públicos e plurais
de articulação e participação, nas quais
os conflitos se tornam visíveis e as diferenças se
confrontam", conclui (veja texto
de Jacobi sobre o assunto, em pdf).
(MM)
Leia
também: O
papel das novas tecnologias.
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