Editorial:

As cidades e os muros
Carlos Vogt

Reportagens:
Prós e contras da revitalização urbana
Enfim o Estatuto da Cidade
Programa Habitat procura desenvolver a qualidade de vida nas cidades
Ocupações revelam déficit habitacional
Fórum Social propõe uma outra cidade possível
Novas metrópoles, velhos problemas
Conflitos entre centro e periferia
Qualidade das águas é cada vez pior
Lixo é problema ambiental com agravantes sociais
Transporte em São Paulo: conflitos e soluções
Poluição sonora piora ambiente urbano
Preservação ambiental: destino alternativo para o litoral sul de São Paulo?
Cidade tenta unir tecnologia com inclusão social
Educação para uma nova cidade
Brasília contrastes de uma cidade planejada
Vilas significaram distância entre patrões e operários
Artigos:
Dimensões da tragédia urbana
Ermínia Maricato

Aprovação do Estatuto da Cidade
Geraldo Moura

O passado nas cidades do futuro
Cristina Meneguello
"As cidades nos países subdesenvolvidos" em um mundo globalizado
Tatiana Schor
Cidades e seus fragmentos
Rogério Lima
Cidade, língua, escolae a violência dos sentidos
Cláudia Pfeiffer
A cidade como objeto de estudo
Maria Josefina Gabriel Sant'Anna
Poema:
Manual do novo peregrino
Carlos Vogt
 
Bibliografia
Créditos

 

 

Qualidade das águas utilizadas nas cidades é cada vez pior

A água é um recurso fundamental para a sobrevivência dos homens. A disponibilidade de água para o consumo sempre foi um fator determinante na escolha dos locais de fixação de comunidades humanas. Apesar de abundante, o acesso a esse recurso é limitado por fatores geográficos e econômicos. A água não está ao alcance de todos e, nas áreas urbanas, é cada vez menos acessível. A densidade populacional nas grandes cidades tem crescido, aumentando a demanda por água e alimento e a produção de esgoto e lixo; muitas atividades industriais e agrícolas também usam muita água e descarregam muita poluição nos rios.

O fornecimento de água para as populações de muitas nações industrializadas é fortemente prejudicado pela poluição da água disponível e pela falta de planejamento urbano.

O uso racional da água nos centros urbanos e os programas de despoluição e recuperação ambiental dos rios e bacias fluviais, ajudariam a melhorar a qualidade de vida, mantendo a higiene nas cidades, garantindo a qualidade para o consumo e higiene pessoal, prevenindo enchentes e garantindo água para fins recreativos. De forma geral, podemos caracterizar o sistema urbano de fornecimento de água como tendo algumas etapas principais: captação, tratamento para uso, utilização, tratamento para posterior descarga nos rios, lagos ou litorais. Este sistema parece ser muito simples, mas na realidade, muitos fatores interferem no ciclo; muitas cidades não tratam nada do esgoto, e raras são as que tratam 100 por cento; em vários trechos de rios, há cidades que captam rio abaixo das descargas de outras cidades, o que vai tornando o tratamento cada vez mais difícil

No Brasil, não faltam exemplos de problemas. As bacias hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí estão situadas em uma região que, além de ser densamente povoada é uma das regiões do país com maiores índices de desenvolvimento econômico. O "comitê de bacia", ou comitê gestor desta Unidade de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (UGRH) composta pelas bacias hidrográficas desses rios, encontra grandes dificuldades no que diz respeito à garantia atual e futura da oferta de água para os usos doméstico, industrial e agrícola. Cerca de 30 mil litros por segundo da água da bacia do Piracicaba é transposta para a Bacia do Alto Tietê e garante mais de metade do abastecimento da grande São Paulo, o que torna a situação ainda mais drástica para as cidades do interior, na região de Campinas. A relação entre demanda de água total das bacias e a disponibilidade mínima estimada caracteriza a região como crítica. Muitos trechos dos rios Piracicaba, formado pelos rios Jaguari e Atibaia, mais o Jundiaí e o Capivari têm água de péssima qualidade devido às descargas lançadas diariamente - a maior parte dos esgotos urbanos não é tratada e parte dos efluentes industriais despejados ainda carregam compostos tóxicos.

O professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Oswaldo Sevá, dimensiona a situação: "Na região da cidade de Campinas, somos cerca de 1 milhão de habitantes, dos quais uns 80 mil talvez tenham seu esgoto tratado". A escassez de água ocorre devido à redução da vazão dos rios Atibaia e Jaguari, que no seu trecho inicial, ainda na Serra da Mantiqueira fornecem água para a capital paulista, e a isto se soma a deterioração dos rios devido ao não tratamento dos esgotos urbanos e industriais.

Nessa região, o sistema de esgotos, quando existe, começa na casa do usuário e vai para a rede de coleta de esgoto nos bairros. Cada rede de coleta leva o esgoto para um tubo de dimensões maiores que se chama tronco coletor e o conduz até uma estação de tratamento. Porém, como nessa região as estações de tratamento de esgotos (ETEs) são raras, ele acaba sendo despejado diretamente nos rios. O problema, é que a água consumida por populações que habitam muniícipios rio abaixo, vem desses mesmos rios.

Quando não há rede de esgoto os dejetos vão para a fossa. Estas, se forem bem projetadas e mantidas, funcionam bem para casas no meio rural e loteamentos não muito densos.

Segundo Sevá, "Na região, não há muita diferença entre as estações de tratamento de esgoto (ETE) e as estações de tratamento de água (ETAs), pois a própria água do rio já é um tipo de esgoto, às vezes mais diluído. Se você for analizar as ETAs da Sanasa, elas quase funcionam como uma ETE". O esgoto tratado nas ETEs, antes de ser descarregado nos rios, passa por processos biológicos, físicos e químicos para reduzir o impacto ambiental e o risco de doenças. Já a água captada pelas ETAs apresenta alta acidez devido a presença de matéria orgânica em fermentação, vinda do despejo dos esgotos não tratados e das indústrias. Antes de serem adicionados produtos químicos específicos para torná-la potável, essa água passa por processos de tratamento muito parecidos com o processo que ocorre nas ETEs. Para transformar a água suja dos rios em água potável para os consumidores, as ETAs acumulam grande quantidade de lodo - que contém produtos quimicos - que muitas vezes é despejado novamente nos rios. Somente agora, a Sanasa anunciou em Campinas, o investimento em uma ETL - estação de tratamento do lodo gerado nas suas duas maiores ETAs, no distrito de Souzas.

A carga de esgoto depositada diariamente nos rios, não é proveniente somente do usuário doméstico. Grande parte é proveniente de esgotos liberados pelas indústrias locais, a maioria das quais não tratam e descarregam diretamente nos rios ou estão ligadas na mesma rede coletora do município. Sevá chama a atenção para a importância do tratamento local do esgoto: " Cada indústria, cada universidade, ou condomínio, ou presídio, enfim, cada unidade geradora de esgoto em maior quantidade, deveria realizar o tratamento, e mesmo assim, isso ainda não bastaria para resolver o problema de forma estrutural".

O estudo realizado pelo pesquisador Bastiaan Philip Reydon e seu grupo no Departamento de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), mostra que a implantação de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) e Estações de Tratamento de Água (ETAs) nessas bacias, hoje, teria um custo econômico bem menor do que daqui a alguns anos, quando os mananciais estarão mais degradados, podendo inclusive perder sua capacidade natural de regeneração. No entanto, os pesquisadores salientam que o tratamento dos esgotos não é suficiente para a despoluição dos mananciais. É necessário um esforço conjunto de integração dos diversos municípios e das instituições responsáveis pela gestão de recursos hídricos e de saneamento. Vale lembrar que, apesar da situação ser desastrosa, essa é uma região brasileira relativamente desenvolvida se comparada com cidades de outras regiões.

Breve histórico

É possível que os primeiros sistemas de água e esgoto tenham surgido em 3000 a.C., e que a reutilização de águas para irrigação das produções agrícolas já exista há cerca de 5000 anos. Até 1850, os sistemas e água e esgoto eram muito precários. A falta de planejamento para reutilização da água, aliada a falta de água adequada para o consumo e ausência de tratamento, resultaram em epidemias catastróficas como a cólera asiática ou o tifo, que assolaram a Europa durante os anos de 1840 e 50. Na década de 1850, foram descobertas as relações entre as formas de utilização e poluição da água disponível e as epidemias que vinham causando grande mortalidade nas cidades. O período de 1850 a 1950 foi marcado por intensa pesquisa sobre o assunto e desenvolvimento de novas alternativas como a progressiva introdução da filtração da água para o consumo e a maior utilização de aquedutos nas cidades. Após 1960, surgiu o que alguns pesquisadores chamam de "era do reaproveitamento e reciclagem da água", em que o aproveitamento máximo da água disponivel é uma medida já reconhecida pela legislação de vários estados norte americanos e da União Européia. Atualmente, o aumento do interesse em maximizar o uso da água é uma resposta às crescentes pressões da sociedade pelo consumo de água de alta qualidade, e à dependência de água pela agricultura e indústria.

Alguns cientistas chamam a época em que vivemos de "Era da reciclagem e reutilização da água". As pesquisas tem se intensificado para que sejam encontradas novas alternativas. O objetivo é maximizar os processos de tratamento de água e esgoto nas regiões urbanas. No entanto, o desenvolvimento de pesquisas e novas tecnologias não é suficiente. Os países de Terceiro Mundo dificilmente terão acesso a essas tecnologias.

Os pesquisadores Olli Varis, da Universidade Tecnológica de Helsink, Finlândia, e Lászlo Sómlyódy, da Universidade Tecnológica de Budapeste, Hungria, publicaram um estudo que trata da infra estrutura dos sistemas de água utilizados nas zonas urbanas de cidades pertencentes a países de Terceiro Mundo (Jacarta, na Indonésia) e Primeiro Mundo (Copenhagen, na Dinamarca). Segundo eles, os países de Primeiro Mundo geralmente contam com alta tecnologia, capital e estrutura sócio-econômica para a tomada de decisões sobre o uso da água pelas populações urbanas. No Terceiro Mundo, muitas cidades não contam com sistemas de esgoto que, quando existem, são ineficientes e geralmente mal dimensionados. Mesmo os países do Primeiro Mundo estão encontrando cada vez mais dificuldades para conseguir o que alguns cientistas chamam de um uso "sustentável" da água nos centros urbanos.

A questão da água no contexto da urbanização não consiste somente nos aspectos de fornecimento de água e saneamento. Em uma visão mais ampla, os problemas relativos ao uso da água urbana fazem parte de um contexto maior de utilização dos recursos naturais nas sociedades humanas. Mesmo depois da criação da expressão "desenvolvimento sustentável", hoje perseguido por muitos cientistas, a situação não é animadora. Enfim, nos resta uma pergunta chave , feita por Sevá: "É possível construir um ambiente limpo em um lugar que já está violentamente deteriorado"?

 

Algumas doenças causadas pela falta se saneamento

Doença
Agente causador
Forma de contágio
Cólera
Bactéria Vibrio colerae
Ingestão de água contaminada
Febre tifóide
Bactéria Salmonella typhi
Ingestão de água contaminada
Hepatite A
Vírus da hepatite A
Ingestão de alimentos contaminados, contato fecal-oral
Dengue
Aedes aegypti
Picada do inseto
Esquistossomose
Asquelminto Schistosoma mansoni
Ingestão de água contaminada, através da pele
Amebíase
Protozoário Entamoeba histolytica
Ingestão de água ou alimentos contaminados por cistos

 

(JS)

 

Atualizado em 10/03/2002

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