O
uso de redes eletrônicas em biodiversidade
Dora
Ann Lange Canhos,
Sidnei de Souza
e Vanderlei Perez Canhos
O
Brasil é um país que dispõe de um enorme capital natural (de genes
a ecossistemas), considerável capacidade instalada (recursos humanos
especializados, acervos científicos e coleções biológicas únicas)
e razoável competência em tecnologias capacitadoras, como biotecnologia
e tecnologia da informação e comunicação. A prosperidade econômica
e o futuro do país será cada vez mais dependente do uso sustentável
do seu capital natural. Portanto a informação sobre a biodiversidade
e ecossistemas será vital para uma gama de aplicações científicas,
tecnológicas, educacionais e governamentais.
Grande
parte da informação sobre biodiversidade existe em forma não prontamente
utilizável. De bibliotecas tradicionais (papel), a bases de dados
distribuídas (e não integradas), e amostras (espécimens) de coleções
biológicas (botânicas, zoológicas, e microbiológicas), os nossos
registros sobre a biodiversidade são descoordenados e, via de regra,
inacessíveis. É evidente que precisa haver um esforço integrado
- local, regional e internacional - envolvendo inúmeros indivíduos
e instituições, das mais diversas áreas do conhecimento, para a
construção de uma rede de informação verdadeiramente útil e utilizável.
É evidente que esta rede dependerá também dos avanços na tecnologia
de comunicação e informação.
A
base legal para o desenvolvimento de sistemas de informação para
biodiversidade é a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que
resumidamente trata da conservação in-situ (no local de origem)
e ex-situ (fora do local de origem), da utilização sustentável
da biodiversidade e repartição dos benefícios resultantes da utilização
comercial dos recursos genéticos.
A Convenção reconhece a necessidade de definir uma estratégia que
estabeleça mecanismos para compartilhar e trocar informação e conhecimento
técnico-científico. Esse mecanismo, estabelecido no escopo da CDB,
foi denominado the Clearing-house Mechanism (CHM).
O modelo adotado foi a de um sistema descentralizado, formado por
pontos focais nacionais e coordenado pelo secretariado da CDB. Este
modelo, proposto pelo governo Brasileiro, em oposição a um modelo
centralizado, tem como base o uso intensivo da Internet.
A Rede Brasileira de Informação em Biodiversidade, a BINbr (Biodiversity
Information Network - Brasil) está sendo implementada através de
um projeto financiado pelo tesouro nacional e GEF/Banco Mundial,
fruto de uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente através
do Projeto de Conservação da Biodiversidade Brasileira
(Probio) e da Fundação André Tosello através da Base de Dados Tropical
(BDT) - a equipe do BDT estabeleceu o Centro
de Referência em Informação Ambiental (Cria).
A importância da BINbr foi
iniciar um movimento de integração de pessoas e instituições, propagando
a "cultura internet" junto às comunidades científica, política e
de educação. Do ponto de vista técnico, foi adotada uma filosofia
aberta no desenvolvimento dos sistemas online, tornando-os bastante
flexíveis, frente ao rápido desenvolvimento de novas tecnologias
na área de disseminação de informação por meios eletrônicos, e de
baixo custo. Todo o sistema BINbr foi desenvolvido utilizando software
de domínio público ou shareware.
Além do Clearing-House Mechanism, no plano internacional, destaque
deve ser dado ao Global Biodiversity Information Facility - GBIF,
uma iniciativa recém estabelecida com a finalidade de viabilizar
uma rede interoperável de bases de dados e de ferramentas de tecnologia
da informação. O GBIF é composto por países membros e organizações
participantes associadas, e está sendo implementado em estreita
colaboração com programas estabelecidos e organizações que compilam,
mantém e utilizam informações biológicas.Tem como meta tornar a
informação sobre biodiversidade disponível de tal modo a produzir
benefícios econômicos, sociais e ambientais. O objetivo do GBIF
é desenhar, implementar, coordenar e promover a compilação, interligação,
padronização, digitalização e disseminação global dos dados mundiais
sobre biodiversidade, obedecendo critérios de propriedade intelectual
e reconhecendo os devidos créditos aos provedores de informação.
O conteúdo e a relação com outras iniciativas está esquematizado
na figura 1.
Uma
terceira iniciativa relevante para o Brasil é a Rede
Inter-Americana de Informação em Biodiversidade - IABIN (Inter-American
Biodiversity Information Network), que tem como missão promover
meios compatíveis de coleta, comunicação e troca de informação relevante
para tomada de decisão e educação em conservação da biodiversidade.
IABIN é uma iniciativa da Cúpula das Américas em Desenvolvimento
Sustentável (Santa Cruz, Bolívia, 1996) que deve complementar iniciativas
já existentes como o próprio Clearing-House Mechanism.
Assim, têm-se vários mecanismos oficiais - internacionais, regionais
e nacionais - sendo estabelecidos, visando criar uma base compreensível
de informação sobre biodiversidade, sendo que o elemento essencial
continua sendo o dado ou a informação local.
A
base para qualquer estratégia de informação passa pelo tripé:
A essência é tornar a informação de qualidade acessível e utilizável
para o usuário final. Temos grandes desafios técnicos e socioculturais
a serem enfrentados. Do ponto de vista técnico, a evolução da tecnologia
de comunicação e de informação impõe um grande dinamismo, versatilidade
e capacidade de mudança. A questão chave é o estabelecimento de
padrões mínimos que facilitem a troca e o compartilhamento de dados
e informações. Devemos acompanhar de perto os desenvolvimentos da
Internet 2, de padrões como XML (Extensible Markup Language) e de
metadados (como Dublin Core e FGDC) que certamente serão essenciais
para o estabelecimento desta rede de informação de uma forma distribuída
e integrada. Temos que acompanhar também iniciativas como o Species
2000 e o Species Analyst.
O Species 2000 tem como objetivo enumerar todas as espécies de plantas,
animais e microrganismos conhecidas como ponto de partida para estudos
de biodiversidade global. Um dos grandes problemas na construção
de um sistema de informação que tem como unidade a espécie, é a
questão da nomenclatura (validade, sinonímia, atualização, etc.).
Iniciativas como o Species 2000 e outras buscam solucionar este
problema criando dicionários permanentemente atualizados.
O Species Analyst é
um projeto de pesquisa que está desenvolvendo padrões e ferramentas
para o acesso a bancos de dados de coleções biológicas distribuídas
pelo mundo. O projeto está baseado no Museu de História Natural
e Centro de Pesquisa em Biodiversidade da Universidade de Kansas.
O projeto visa desenvolver ferramentas que permitam a troca, o uso
e a análise de fichas de coletas de espécimens depositados em coleções
científicas. Os padrões e software que estão sendo desenvolvidos
fornecem um mecanismo para combinar vários bancos de dados de diferentes
coleções em uma base de dados única, virtual. É também possível
realizar análises com os resultados, tais como prever a distribuição
potencial de espécies. Trata-se de um exemplo concreto de utilização
de uma base de conhecimento distribuída para aplicação local.
Para participar dessas iniciativas é fundamental preparar os nossos
dados/informações apoiando a organização e digitalização dos nossos
acervos científicos e incentivando e viabilizando a produção e disseminação
de novos dados e informações.
Temos
também o desafio sociocultural. Algumas iniciativas têm procurado
envolver a comunidade científica na construção de base de conhecimento
da diversidade biológica. Dois grandes exemplos são os workshops
por Bioma, realizados com o apoio do PROBIO, e o programa Biota/Fapesp
- Instituto Virtual da Biodiversidade.
Estabelecido oficialmente em março de 1999, o Programa Biota é o
resultado de três anos de planejamento e articulação de um grupo
de pesquisadores com a comunidade científica do Estado de São Paulo,
com o apoio da Coordenação de Ciências Biológicas e o respaldo da
Diretoria Científica da Fapesp.
Há cerca de 500 pessoas vinculadas ao Biota/Fapesp entre pesquisadores
e estudantes de graduação e pós-graduação atuando em todo o estado
de São Paulo nas mais diversas áreas de relevância para a Conservação
da Biodiversidade.
Todos os Projetos do Biota/Fapesp estão sendo integrados através
do Sistema de Informação Ambiental (SinBiota). Além do Banco de
Dados textual, o SinBiota possui uma Base Cartográfica do Estado
de São Paulo com temas como relevo, rede de drenagem e remanescentes
de vegetação na escala 1:50.000. No caso das Unidades de Conservação
os mapas estão em escala 1:10.000. Todos os mapas também estarão
disponíveis on line.
O Banco de Dados e a Base Cartográfica estão sendo interligados
por meio do Atlas Biota/SP,
que permite a visualização da distribuição geográfica dos pontos
de coleta de uma ou mais espécies.
O próximo passo será a integração dos dados atuais (resultante dos
levantamentos que estão sendo realizados) com dados históricos provenientes
dos museus, herbários e coleções de microrganismos do Estado de
São Paulo. Todos esses centros de informação serão integrados através
de uma rede distribuída que, em um futuro próximo, será integrada
à Species Analyst Network.
A base para qualquer decisão é a informação. Quanto melhor estruturada
e acessível, maior será a possibilidade de ser utilizada. A comunidade
científica tem que se conscientizar do seu papel mais amplo que
é a de informar e formar, de tornar os seus conhecimentos disponíveis
a um público cada vez mais amplo. Para tanto é necessário estabelecer
parcerias envolvendo diferentes atores, integrar diferentes áreas
do conhecimento e usar todas as ferramentas que a revolução tecnológica
da informação e comunicação nos oferecem.
Dora
Ann Lange Canhos, Sidnei de Souza e Vanderlei Perez Canhos são
pesquisadores do Centro de Referência em Informação
Ambiental (Cria)
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