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             Agricultura 
              e Biodiversidade: do extrativismo à sustentabilidade 
             
              João Paulo Feijão Teixeira 
             Tomou, 
              pois, o Senhor Deus ao homem 
              e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e guardar. 
              Gênesis 2:15 
             
              A citação bíblica de Gênesis já indica o conflito de ações que cabia 
              ao homem no produzir alimentos e guardar, cuidar e manter a grande 
              riqueza natural que seria seu habitat. Conflito que perpassa toda 
              a trajetória do homem na Terra, desde o império do extrativismo 
              aos nossos dias. 
             
              As atividades agrícolas responsáveis, principalmente, para obtenção 
              do alimento, sempre exerceram uma das maiores pressões ambientais, 
              pelo uso inadequado de recursos naturais promovendo intensa degradação 
              ambiental a partir da destruição de habitats e de espécies potencialmente 
              úteis. 
             
              A agricultura responde, hoje, por mais de 20% da produção primária 
              líquida do planeta e ocupa cerca de 3/5 da área terrestre utilizável. 
             
              O desafio enfrentado pelo mundo moderno é de atender à necessidade 
              de aumentar a produção de alimentos para a população em crescimento, 
              além de conservar os fundamentos ecológicos necessários para sustentar 
              esse aumento, sabendo-se que a base alimentar humana limita-se a 
              poucas espécies: trigo, soja, milho, arroz, o que representa risco 
              para segurança alimentar.  
            Em 
              2026 a população mundial será de 8 bilhões de pessoas, com 99% do 
              cres-cimento natural acontecendo nas regiões pobres do mundo: África, 
              Ásia e América Latina. Regiões onde as condições sócio-econômicas 
              exercem papel fundamental na degradação do meio ambiente. 
             
              Nos anos 90 estimativas indicavam que as taxas de desmatamento, 
              então prati-cadas, levariam a perdas entre 2 e 8% das espécies nos 
              25 anos seguintes. E isso tem ocor-rido, levando ao desespero os 
              conscientes do fato. 
             
              A biodiversidade 
              é a espinha dorsal dos sistemas de produção envolvendo animais, 
              culturas, forragens, flores-tas e aqüicultura e não somente é essencial 
              para manter o sistema biosfera funcionando, mas indispensável para 
              fornecer insumos básicos para a agricultura e para o homem, tais 
              como fibras para vestuário, material para abrigo, transporte, medicamentos, 
              fertilizantes e combustíveis. E responsável, também, como suporte 
              para produção de alimentos, através da polinização, da formação 
              e fertilidade do solo, controle de pragas e doenças, tanto quanto 
              à oportunidade que oferece de adaptação, essencial à sobrevivência 
              de plantas e animais em um ecossistema particular. 
             
              Ao destruir-se um bosque e mudar o clima local, não se sabe o que 
              se perde em plantas úteis para a medicina ou para a alimentação, 
              ou mesmo porque cumprem alguma função especial em algum sistema 
              ecológico. Nosso país possui uma magnífica diversidade, cerca de 
              20% das espécies de plantas, animais e microorganismos do planeta 
              estão aqui representados. Muitos desses organismos são endêmicos, 
              ocorrendo exclusivamente no Brasil. 
             
              ...Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que 
              mais  
              contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, 
              de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que 
              haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa.  
              Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, 
              umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda 
              chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é 
              toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos 
              pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, 
              não podíamos ver senão terra e arvoredos - terra que nos 
              parecia muito extensa. ...Águas são muitas; infinitas. Em tal 
              maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela 
              tudo; por causa das águas que tem! 
              Carta, Pero Vaz de Caminha 
             
              A descrição do Brasil feita por Pero Vaz de Caminha, em 1500, indica 
              para os que observam o país hoje, o quanto se perdeu. 
             
              O processo de ocupação territorial e a incorporação de novas áreas 
              ao processo produtivo agrícola no Brasil, ao longo dos anos, foram 
              feitos sem preocupação ambiental. A expansão da fronteira agrícola 
              caracterizou-se pela redução da biodiversidade e por outros impactos 
              sobre os recursos ambientais, principalmente sobre o solo e a água. 
               
            Com 
              este quadro, os mais apressados poderiam condenar definitivamente 
              a produção agrícola, por isso, cabe lembrar que a análise que se 
              faz não leva em conta a pressão da expansão urbana, o tratamento 
              inadequado de resíduos industriais, as condições socioeconômicas 
              e culturais sofríveis de grande parte de nossa população, todos 
              fatores de agressão ao meio ambiente. 
             
              Embora potencialmente tão negativa para a conservação dos recursos 
              naturais, quando estes não entram na equação de produção, a atividade 
              agrícola tem uma relação direta com a conservação dos recursos 
              naturais, quer seja por sua dependência da biodiversidade pelo fornecimento 
              de material genético para novos cultivares, quer seja pela necessidade 
              de um ambiente equilibrado para o desenvolvimento agrícola. Em alguns 
              aspectos, a agricultura pode ser vista como um real instrumento 
              de recuperação ambiental. Considera-se, entretanto, que a intensificação 
              inadequada da agricultura pode causar danos irreversíveis ao meio 
              ambiente, caso não se integre uma consciência ambiental através 
              de ações educativas junto à população e aos agricultores. 
             
              A biodiversidade 
              agrícola envolve a variedade e variabilidade dos animais, das 
              plantas e microorganismos importantes para a alimentação e a agricultura, 
              produzidas pela ação recíproca entre o meio ambiente, os recursos 
              genéticos, a gestão dos sistemas e as ação das pessoas. As plantas 
              e os animais , silvestres e domésticos, foram combinados, modificados 
              e manipulados durante milênios em complexos e diversos sistemas 
              agrícolas. Nos agroecossistemas estão presentes necessariamente 
              , por definição , as pessoas e suas instituições, assim como a biodiversidade 
              agrícola que utilizam e a que repercutem através da ampla gama de 
              seus objetivos sociais e definições de bem estar. 
             
              Foram os portugueses que trouxeram o fogo para o 
              Brasil. 
              E por aqui ficou. Em parte é lei como no algodão para 
              combater bicudo e lagarta rosada. Em parte se usa para 
              facilitar a roça, baratear a limpeza dos pastos, apressar 
              o preparo da terra. Mas em parte é simples piromania, o 
              prazer de ver as chamas se levantando nas noites escuras 
              e frias, tingindo o céu de vermelho, bruxuleando e estalando. 
              Lá em cima , o satélite Landsat constata: O Brasil inteiro arde. 
              Profa. Ana Maria Primavesi. 
             
              Nas áreas de agricultura tradicional é comum o derruba-queima para 
              preparo de área: destruindo biodiversidade, emitindo gases para 
              a atmosfera, provocando erosão e degradação do solo. Somente a 
              Amazônia, segundo dados do Inpe, perdeu mais de 55 milhões de hectares 
              de florestas, transformada hoje em área degradada. No semiárido 
              nordestino os problemas ambientais expõe os processos de salinização 
              do solo pelo manejo inapropriado da água e do solo. Em outras áreas 
              o manejo inadequado do solo aumenta o risco de desertificação. 
             
              Nas últimas décadas, com a difusão e a generalização dos sistemas 
              intensivos de agricultura em todo o mundo, baseados no paradigma 
              da Revolução Verde , a produção aumenta de forma espetacular trazendo, 
              todavia, impactos significativos ao meio ambiente. Nas áreas de 
              cultura intensiva os problemas mais comuns são: erosão, degradação 
              do solo, perda de biodiversidade como resultado da retirada total 
              do revestimento florístico original, prática de monocultivos e uso 
              intensivo de agrotóxicos que são fonte potencial de contaminantes. 
              Tornam-se importantes também problemas ambientais de difícil equacionamento 
              como contaminação das águas subterrâneas por nitratos e emissão 
              de carbono para a atmosfera. 
             
              Exemplo do resultado da somatória de atividades agrícolas tradicionais 
              seguida de intensivas, pode ser verificado na agricultura 
              do estado de São Paulo, que desenvolveu-se num quadro de negligência 
              com os seus recursos naturais. A cobertura vegetal original, de 
              florestas naturais, hoje está reduzida a 5%. Cerca de 62% do solo 
              agrícola do estado vem sendo cultivado continuamente por diversas 
              gerações. Em conseqüência, surgiram problemas como a perda da biodiversidade, 
              representada por microorganismos do solo, organismos aquáticos, 
              espécies vegetais e insetos, além da compactação do solo, a erosão, 
              a excessiva perda de água por escorrimento e o surgimento de voçorocas 
              e assoreamento de rios e córregos que abastecem os centros urbanos 
              . Com a erosão, o estado de São Paulo perde a cada ano 194 milhões 
              de toneladas de terras férteis, sendo 40 milhões arrastados para 
              o fundo de rios e lagos. Isso representa a perda de 20 cm de solo 
              de uma área de 100.000ha (cerca de 500 fazendas de 200ha). Os nutrientes 
              perdidos nessas terras, equivalem a US$200 milhões em fertilizantes. 
             
              Na realidade, introduzir conceitos e incorporar a dimensão ambiental 
              e educacional em atividades de produção não é tarefa simples. 
             
              O agricultor maneja o agroecossistema e toma suas decisões em função 
              de inúmeros fatores, desde os ligados à adequação da espécie a 
              ser cultivada às condições do ambiente físico, até as dependentes 
              de políticas de subsídios econômicos e de mercado. Desta forma, 
              agroecossistemas não serão sustentáveis sem que se modifiquem os 
              determinantes sócioeconômicos que definem o que é produzido, como 
              é produzido e para quem é produzido.  
            E 
              o futuro? 
             
              Uma das questões mais instigantes do momento é sem dúvida o que 
              caracterizará a agricultura que vai emergir desse processo: um modelo 
              novo de agricultura ou uma agricultura reestruturada a partir do 
              veio ambiental? 
             
              A Agenda 21 resultado da Eco 92 sinaliza a direção. Para atingir 
              a agricultura sustentável temos como requisitos básicos o enfrentamento 
              de uma demanda crescente por produtos agrícolas, a busca da competitividade 
              no mercado internacional, a procura por processos produtivos que 
              favoreçam simultaneamente os indicadores ecológicos, econômicos 
              e sociais no longo prazo, o equacionamento dos novos insumos representados 
              pelos organismos 
              geneticamente modificados e a oferta de amenidades ambientais. 
             
              O caminho deve ser o do modelo agroecológico. Este permite incorporar 
              as três dimensões da sustentabilidade - ecológica, econômica e social 
              - e possibilita a orientação do desenvolvimento agrícola de forma 
              mais harmoniosa, além de viabilizar transição tecnológica que utilize 
              sistemas de produção ambientalmente diferenciados, com redução de 
              insumos químicos. As medidas complementares envolvem os incentivos 
              para recuperação e preservação ambiental nas áreas rurais, respeito 
              ao funcionamento dos agroecossistemas, incentivos para o efetivo 
              uso do potencial natural das terras e programas de ciência e tecnologia 
              voltados à sustentabilidade da agricultura e à satisfação das necessidades 
              humanas do presente e das futuras gerações.  
            Mesmo 
              com atraso relativo, a consideração da variável ambiental já é visível 
              na agricultura, somente a agricultura 
              orgânica, antes só nicho de produção para um pequeno segmento 
              de mercado, representou, no ano de 2000, um volume mundial de negócios 
              de cerca de US$20 bilhões/ano, com crescimento a taxas de 10% ao 
              ano. Deve-se, portanto, buscar obstinadamente a implementação da 
              agricultura 
              sustentável: que conserva o solo, a água e os recursos genéticos 
              animais e vegetais, minimiza a degradação do ambiente, cumprindo 
              seu papel de gerar alimentos, bens e serviços. 
             
              Para caracterizar a urgência dessa busca, pode-se aproveitar a conhecida 
              frase "pense global e aja localmente" e como desafio, completá-la 
              com "pense no futuro e aja imediatamente". 
             João 
              Paulo Feijão Teixeira é pesquisador científico do Instituto Agronômico 
              de Campinas e aluno do Curso de Jornalismo Científico - Labjor/UNICAMP 
               
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