Unidades
de Conservação não garantem preservação
Nas
últimas décadas, em diversos países, Unidades de Conservação Ambiental
(UCs) - conhecidas formas de conservação in situ - têm sido
criadas como medida paliativa ao decréscimo nos índices de biodiversidade
dos ecossistemas do planeta. Inicialmente, o que se pretende é reverter
o processo de extermínio de espécies animais e vegetais em constante
aceleração como resultado da ação predatória do homem sobre a natureza.
No Brasil, a mera criação dessas Unidades não garante a conservação
dos seus recursos naturais. Como paliativo às dificuldades do governo
brasileiro em cuidar de seu patrimônio natural, verbas internacionais
vultosas são aplicadas nas UCs de todo o país.
No
estado de São Paulo, por exemplo, o Projeto
de Preservação da Mata Atlântica (PPMA), um convênio entre a
Secretaria do Meio Ambiente (SMA) e o banco alemão KFW, já investiu
cerca de 13 milhões de dólares num total de dez Unidades de Conservação,
de julho de 95 a dezembro de 2000. Com recursos também do Tesouro
do Estado, um valor estimado em U$ 7 milhões - contrapartida exigida
pelo KFW para efetuar a sua parte do investimento - o PPMA contribuiu
para instalar a infra-estrutura necessária, organizar os planos
de manejo e otimizar a fiscalização dos Núcleos Picinguaba, Santa
Virgínia, Caraguatatuba, Cubatão e São Sebastião do Parque Estadual
da Serra do Mar, das Estações Ecológicas do Bananal e Chauás e dos
Parques Estaduais de Ilha Bela, da Ilha do Cardoso e Campina do
Encantado. O critério utilizado pelo Projeto para escolher as Unidades
a serem beneficiadas foi o de excluir aquelas que, em anos anteriores,
já haviam recebido recursos do Banco Mundial, como a Estação Ecológica
da Juréia-Itatins e os Parques Estaduais Carlos Botelho, de Jacupiranga
e Turístico do Alto Ribeira (Petar).
Como parte do recurso do PPMA ainda não foi executado, foi requerida
uma prorrogação para a aplicação dos investimentos até dezembro
deste ano. Segundo Neréia Massini, membro do Grupo Executivo de
Coordenação do PPMA da SMA, uma nova prorrogação deverá ser pleiteada
para o ano de 2002, mas, desta vez, com o pedido de novos recursos
do KFW e do Tesouro do Estado. Para ela, caso essas Unidades fiquem
sem os investimentos do PPMA, a SMA deverá continuar com os trabalhos
de manutenção da infra-estrutura implementada, fiscalização e execução
dos planos de manejo. Entretanto, o que hoje se contesta é a eficiência
do Estado em prosseguir com essas atividades, tão dispendiosas para
a aquisição de recursos humanos quanto de materiais.
Segundo impressões de Maria Cecília Wey de Brito, engenheira agrônoma
e membro da Aliança para a Conservação da Biodiversidade - SOS Mata
Atlântica e Conservation
International (IUCN) -, o mesmo que ocorreu com as Unidades
beneficiadas pelos recursos do Banco Mundial durante a implementação
do Programa Nacional do Meio Ambiente I (PNMA - fase 1), deverá
ocorrer com as UCs que participaram do PPMA. Muito investimento
para pouco resultado a longo prazo. "Pode ser que o futuro aponte
que estou errada, mas as Unidades não conseguem se tornar auto-sustentáveis,
como o que se pretende nesses projetos", opina. Para ela, e de acordo
com o diagnóstico realizado pelo Programa Biota
da Fapesp, os problemas que desencadeiam a precariedade da conservação
do meio natural vão muito além da falta de investimentos em infra-estrutura
e fiscalização.
Em
1982, durante o III Congresso Mundial de Parques Nacionais e outras
Áreas Protegidas, realizado em Bali, ficou definido que cada estrutura
biogeográfica - desenvolvida por Udvardy (1975) e que separa o mundo
em oito reinos subdivididos em províncias biogeográficas - teria
de conter 10% de sua área protegida por Unidades de Conservação.
Assim como outras dezenas de províncias do planeta, a representatividade
dos biomas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação é bastante
ínfima. No caso da Mata Atlântica, apenas 2% do seu território está
sob proteção.
Além da escassez de áreas protegidas, há outras situações que comprometem
a conservação da biodiversidade, dentre elas a indefinição da questão
fundiária. Alguns órgãos do governo do estado afirmam que cerca
de 35% do total da área coberta por UCs de uso indireto ainda terão
de sofrer processos de desapropriação. Para Maria Cecília de Brito,
"sem a regularização fundiária há dificuldades para trabalhar as
outras questões que envolvem as Unidades".
Pesquisa
científica
Outro fator que preocupa técnicos da área ambiental é a falta de
infra-estrutura e recursos financeiros para a pesquisa científica
e a contratação de técnicos nas UCs. Embora não esteja dentre os
objetivos do Projeto de Preservação da Mata Atlântica viabilizar
investimentos nessa área, as pesquisas científicas em biodiversidade,
formas de ocupação humana e de impacto ambiental são importantes
para efetivar quaisquer tentativas conservacionistas, dentre elas
a execução dos planos de manejo. Esses planos foram estruturados
durante a vigência do Projeto de Preservação e hoje correm o risco
de não serem implementados pela falta de recursos provenientes do
estado.
Para Sidnei Raimundo, membro do Setor de Planos de Manejo do Instituto
Florestal (IF/SMA), o PPMA cumpriu com o compromisso de levar às
Unidades a alternativa de auto-sustentação financeira. Dessa forma,
estaria garantida a sobrevivência das Unidades de Conservação mesmo
após o término da cooperação entre o Brasil e a Alemanha. No entanto,
o que se constata é uma série de ações que comprovam o descaso a
que essas Unidades estão relegadas. Além da demora da Comissão Técnico
Científica (COTEC) do Instituto Florestal para aprovar os projetos
de pesquisa, o conhecimento gerado dentro de uma Unidade não é revertido
para sua própria conservação, conseqüência da falta de recursos
humanos qualificados e organização e sistematização de informações.
"Se for comparado aos outros estados do país, São Paulo está na
frente em pesquisa porque o governo destina uma verba fixa para
a Fapesp, mas os Institutos de Pesquisa do Estado, por exemplo,
têm orçamento ínfimo", ressalva Maria Cecília.
De acordo com os estudos também divulgados pelo Biota, o Parque
Estadual da Ilha do Cardoso representa 46% do total de publicações
científicas em Unidades do Conservação do estado, seguido pelo Núcleo
Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar e pelo Parque Estadual
Intervales. Porém, a maioria das UCs não possui infra-estrutura
adequada para a realização de pesquisas, como laboratórios, além
disso não têm definidas as áreas do conhecimento prioritárias a
serem pesquisadas em suas áreas. As Unidades que possuem diretrizes
de pesquisa estabelecidas são exclusivamente aquelas que elaboraram
seus planos de manejo.
Fiscalização
A fiscalização também é precária no conjunto das Unidades de Conservação
do estado. Assim, o Projeto de Preservação da Mata Atlântica criou
o Plano Operacional de Controle (POC), injetando a maior parte dos
seus recursos para incrementar a infra-estrutura do Departamento
Estadual dos Recursos Naturais (DEPRN) e da Polícia Florestal para
a fiscalização de 22.000 Km2 de áreas de preservação ambiental.
Foram beneficiadas as áreas de atuação da Divisão Regional do Litoral
e do Vale do Ribeira do DEPRN, do 3º BPFM (Batalhão da Polícia
Florestal e de Mananciais) e as Unidades de Conservação administradas
pela Divisão de Reservas e Parques (DRPE) do Instituto Florestal
e da Fundação Florestal, totalizando 27 municípios.
Para Neréia Massini, do Grupo Executivo do Projeto de Preservação
da Mata Atlântica, "o maior ganho da implantação do POC está em
integrar o DEPRN e a Polícia Florestal, que sempre tiveram ações
desarticuladas na fiscalização e licenciamento ambiental". Da mesma
opinião compartilha Domingos Barbosa, responsável pela gerência
do PPMA no DEPRN, que acrescenta: "O DEPRN foi dotado de infra-estrutura
inegável". Entretanto, ainda é muito clara a necessidade de maiores
investimentos estatais nessas entidades. Por exemplo, hoje, a 2º
companhia do 3º Batalhão da Polícia Florestal tem um total
de apenas 170 policiais para fiscalizar aproximadamente 15 municípios
do Vale do Ribeira.
Espera-se que mudanças na forma de gerenciamento das Unidades de
Conservação do estado de São Paulo impeçam que prevaleça a descontinuidade
das ações nesses lugares, como ocorreu com o Parque Estadual Carlos
Botelho, que abrange os municípios de Sete Barras, Tapiraí e Capão
Bonito, e foi uma das UCs beneficiadas pelo Programa Nacional de
Meio Ambiente no início da década de 90. Com o término do repasse
de recursos do Banco Mundial, o Carlos Botelho ficou em situação
de crescente depauperamento. Segundo José Luiz Camargo Maia, diretor
da Unidade, as verbas escassas do governo do estado não permitem
que no Parque sejam desenvolvidas as atividades que lhe competem,
como pesquisa, fiscalização e educação ambiental para a conservação
dos recursos da Mata Atlântica. "Hoje eu apenas posso contar com
a boa vontade da população local. E, na verdade, precisamos de um
novo convênio com algum órgão financiador", diz ele.
|