A conservação da biodiversidade

Educação e fiscalização garantem a sobrevivência de espécies

Da ECO-92 à RIO+10

Medidas provisórias são fonte de biopolêmica:
Ulisses Capozoli

A trajetória inacabada de uma regulamentação:
Cristina Azevedo e Eurico Azevedo

Preservação e bioprospecção:
Mário Palma, Tetsuo Yamane e Antonio Camargo

Agricultura e Biodiversidade: João Paulo Teixeira

Microorganismos produzem plásticos biodegradáveis:
Luziana da Silva, Maria Rodrigues e José Gomez

O Biota Fapesp:
Carlos Joly

Redes eletrônicas em biodiversidade:
Dora Canhos, Sidnei de Souza e Vanderlei Canhos

Bibliografia

 

A conservação da biodiversidade

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), em 1992, cerca de 175 países, incluindo o Brasil, assinaram a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que foi ratificada em 1994, pelo Brasil. A partir daí foram traçados planos de estratégia para a conservação e uso sustentável da biodiversidade, de modo a atender as exigências da CDB.

Convenção da Diversidade Biológica
"Os objetivos desta Convenção, a serem cumpridos de acordo com as disposições pertinentes, são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado". (CDB, Ministério do Meio Ambiente)

Entre os projetos mais amplos estão aqueles que tratam da biodiversidade dos principais biomas: Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica, cerrado e caatinga, muitos dos quais só restam áreas fragmentadas e que são extremamente frágeis.

A Amazônia é, sem dúvida, o que se chama de um bioma com megadiversidade. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ela abriga cerca de 50% da biodiversidade mundial. Está distribuída em uma área aproximada de 5 milhões de km2, ou o equivalente a 58,8% do território nacional.

Para o grupo ambientalista Greenpeace, apesar de todos os acordos firmados durante a Eco-92 visando garantir a preservação das florestas, os grandes remanescentes florestais ainda vêm sendo ameaçados pela ação de madeireiras, que exportam o produto, principalmente, para a Alemanha, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Franca, Itália, Japão e Reino Unido. Apenas nos últimos quatro anos foram devastados mais de 77mil km2 - (área um pouco maior do que os estados do Rio Grande do Norte e Sergipe juntos).

A Bioamazônia (Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia) é uma Organização Social, sem fins lucrativos, qualificada em 1999 para contribuir com a implementação do Probem (Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia) - iniciativa conjunta da comunidade científica, setor privado, Governo Federal e governos da região, estruturado e coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente. Hoje, a Bioamazônia é uma rede de laboratórios e grupos de pesquisa que conta com representantes de pesquisadores das instituições mais importantes do país (Inpa, Embrapa, Instituto Butantã, ABC e as principais universidades do país), para a identificação de produtos naturais para o desenvolvimento de produtos biotecnológicos.

Janice Casara, assessora técnica de coordenação da rede de laboratórios da Bioamazônia, informou que conta com recursos do Banco da Amazônia e, em médio, prazo irá dispor de recursos do Fundo Permanente para a Biodiversidade da Amazônia (FBBA), que está sendo implementado em parceria com um banco especializado em fundos verdes. Já está em andamento a construção do maior complexo laboratorial de biotecnologia da América do Sul, que terá uma área de 12.000 m2, com 26 laboratórios, estão projetados para as áreas de produtos naturais de microorganismos; produtos naturais de espécies vegetais; e produtos naturais de animais.

Para Casara, "a prospecção de um produto novo, a partir de espécies vegetais, está atrelada ao conhecimento da biologia das mesmas. Deste modo, torna-se fundamental a participação de técnicos da área , bem como de comunidades tradicionais locais, detentoras de conhecimento empírico sobre os usos e sobre a ecologia das espécies de interesse medicinal e cosmético". Dados da Bioamazônia, indicam que o mercado total de produtos, onde a biotecnologia é empregada, atinge 500 bilhões de dólares por ano.

O Pantanal possui características únicas no planeta. Com uma área de 140 mil km2 - apenas no território nacional - está localizado nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, mas chega até a Bolívia e o Paraguai. Compartilha fauna e flora da Amazônia, do cerrado e do charco (área alagada). Apesar de sua inegável importância, apenas 0.55% de seu território é protegido por meio de Unidades de Conservação federais.

Com a finalidade de conservar a biodiversidade da região a Fundo Mundial para a Natureza (WWF) , uma organização não-governamental norte-americana, iniciou em julho de 1998 o projeto Pantanal para sempre que envolve diversos estudos científicos, além de mobilizar a sociedade nas questões ambientais e procurar assegurar o compromisso dos setores públicos e privado no financiamento e políticas públicas para apoiar a conservação. Está previsto para este mês, a divulgação das áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade na região do pantanal.

A região da caatinga corresponde a uma área de cerca de 734.478 km2 e inclui parcialmente os estados do Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. O bioma faz parte de um ecossistema que restringe-se ao Brasil. Geralmente tem sido descrito como tendo baixa biodiversidade, com poucas espécies endêmicas (que ocorrem apenas naquela região) e, portanto, de baixa prioridade para conservação. No entanto, a região é ainda pouco estudada, e há pesquisadores que contestam esse dado. Segundo a professora Maria Jesus Nogueira Rodal, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, já foram identificadas cerca de 300 espécies de plantas típicas da caatinga. Atualmente ela vêem desenvolvendo um projeto que analisa a diversidade em comunidades vegetais da caatinga, dentro de uma da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Maurício Dantas, em Pernambuco, e que encontrou vestígios de que este bioma é formado por um mosaico vegetacional (grande heterogeneidade espacial de espécies).

Infelizmente, apenas 3.56% da área deste bioma está protegida como unidades de conservação federais. As RPPN exercem papel de grande importância na preservação da caatinga. Nos últimos anos vêm crescendo o interesse de proprietários rurais em ter parte de sua propriedades protegidas. Hoje, existem cerca de 24 RPPN, sendo que metade tem acima de 1.000 hectares.

O cerrado atinge 10 estados brasileiros, numa área que corresponde a 22% do território nacional. Considerado um hotspot (áreas em que há alto grau de endemismo) da biodiversidade, o cerrado tem importância fundamental já que é uma área transitória entre a floresta Amazônica, a caatinga e a Mata Atlântica. Entretanto, tem sido muito explorado por agricultores e pecuaristas. "Realmente, a pressão econômica em cima do uso dessas áreas é muito grande. A proteção que é dada é tão frágil que a não ser que tenha uma mudança relativamente rápida, acho que será muito difícil preservar áreas de cerrado", alerta o botânico, George shepherd, da Unicamp.

Poucas são as reservas do cerrado. Dependendo da localização, existe uma diversidade diferente de espécies. Cerca de 44% das espécies de plantas são endêmicas. Para shepherd, o cerrado é a vegetação que mais está desaparecendo. Trata-se de uma vegetação extremamente vulnerável, já que é de fácil cultivo.

A Fundação Emas, ONG que reúne a administração do Parque das Emas e a Conservation International do Brasil (CI), vêm desenvolvendo o projeto Corredor Pantanal e Cerrado, próximo ao Parque Nacional das Emas, em Goiás. A área é considerada chave para a conservação do cerrado. O projeto, iniciado em 2000, deverá ser concluído em 2005. Conta com um investimento de cerca de U$5 milhões, administrados pela CI e distribuídos entre os colaboradores do projeto: Ibama; Embrapa; outras ONGs; a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (GO, MS); a Universidade Federal de Goiás, entre outros.

Bromélia - Documentação científica do Flora Brasiliensis (1840) utilizado, até hoje, pelos botânicos.

A idéia da criação do corredor objetiva conhecer a biodiversidade local e garantir que as populações existentes em torno do parque tenham chance de contato com as populações animais e vegetais do Pantanal, para que haja maior fluxo gênico. Este fluxo é fundamental para preservar as diferenças gênicas existentes em uma mesma espécie, essencial para garantir a sua sobrevivência e adaptação a possíveis mudanças do ambiente.

A principal estratégia para facilitar o corredor é a utilização da legislação existente, sem necessidade de desapropriação de terras. Isso significa fazer uso das áreas de reserva legal, preservação permanente (que engloba beira de rio, encosta, área de declividade, topo de morros), além de mais 20% das áreas privadas, que também são destinadas à preservação permanente, embora a maioria dessas propriedades ainda não esteja legalizada.

Segundo um dos coordenadores do projeto, Mário Barroso Neto, outra ferramenta que está sendo empregada são as Reservas Privadas do Patrimônio Nacional (RPPN). "Há uma sinalização positiva dos estados no sentido de estarem criando unidades de conservação, mas nós não estamos fazendo disto o nosso fio condutor", afirma.

Em julho deverá estar terminada a fase de diagnóstico, quando estarão terminandos os mapeamentos e os levantamentos de campo para que seja montada a estratégia de conservação.

Distribuída por 17 estados brasileiros, a Mata Atlântica é hoje o bioma mais ameaçado do Brasil. Hoje encontra-se em áreas fragmentadas equivalente a 7,6% da área original, muito embora ainda seja responsável por uma parcela significativa da biodiversidade brasileira, com grande incidência de espécies endêmicas. O Projeto "Mata Atlântica: Avaliação dos esforços de Conservação, Recuperação e Uso Sustentável dos Recursos Naturais" é um dos primeiros a reunir e cadastrar as experiências realizadas por órgãos públicos, ONGs, empresas públicas e privadas, universidades, escolas, instituições de pesquisa, movimentos sociais, sindicatos, associações profissionais, cooperativas e demais organizações, nos últimos dez anos. O projeto é uma aliança entre o SOS Mata Atlântica e a Conservation International do Brasil.

Embora, a cada ano, mais projetos de conservação e uso sustentável da biodiversidade são desenvolvidos no país, ainda faltam informações mais precisas, como informações geográficas, para as espécies que são documentadas. Segundo o botânico shepherd, mesmo para São Paulo, provavelmente um dos estados em que se tem melhor conhecimento da biodiversidade, ainda está muito longe de ter o que poderíamos chamar de conhecimento da flora. "Ainda usamos a Flora Brasiliensis (livro de taxonomia floral publicado em 1840) como base para muitas pesquisas de identificação. Demorou mais de 60 anos para ser terminado e consta cerca de 22 mil espécies". shepherd fez várias estimativas para a quantidade de espécies de plantas no Brasil e o mais próximo que chegou foi algo em torno de 45 mil espécies, talvez 50 mil de plantas superiores, que produzem sementes, dependendo de como a estimativa for feita.

George shepherd: "Até quando isso vai ser possível eu não sei mas acho que ainda existe uma quantidade fabulosa de biodiversidade no Brasil. Eu sou otimista no sentido de achar que tudo ainda não foi destruído. Se tomarmos medidas de melhor a preservação e ampliar as reservas, dermos uma proteção melhor, num futuro próximo é possível ainda conseguir preservar uma porcentagem substancial. Mas se não tomarmos uma medida, relativamente rápida, aí vai ficar impossível. Vamos destruir tanto que os fragmentos que sobrarão não vão ser capazes de sustentar o ambiente, aí não tem mais retorno. O que é possível preservar nos Jardins Botânicos é muito limitado, porque nenhum Jardim Botânico tem espaço para cultivar 50 mil espécies, não há espaço de armazenamento, e muito menos de clima. Também perdem-se as interações entre os organismos, o que perde muito de seu valor. Preservar a variação genética não é a melhor maneira. Embora seja possível se fazer muita coisa com o Jardim Botânico e as coleções sejam muito importantes, não vejo que isso substitua totalmente as áreas naturais. Temos que lutar muito para maximizar o que preservar, não tem outra saída.

Não só em biomas terrestres são desenvolvidos projetos de estudo de biodiversidade brasileira. O Programa REVIZEE - Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva, um imenso projeto em andamento desde 1995, tem por objetivo amostrar e avaliar o pontecial de recursos vivos em toda a costa brasileira, cerca de 8.500 km de extensão.

O tamanho da tarefa exigiu que a coordenação do projeto, a cargo da CIRM (Comissão Interministerial para os Recursos do Mar) dividisse a costa em quatro partes e entregasse a coordenação destas partes às instituições tradicionalmente envolvidas com a pesquisa em oceanografia e biologia marinha nestas regiões. As quatro partes da costa são: Norte: da fronteira marítima com a Guiana até o Rio Parnaíba. Nordeste: da foz do Rio Parnaíba até Salvador, incluindo as Ilhas de Fernando de Noronha, o Atol das Rocas e o arquipélago de São Pedro e São Paulo. Central: de Salvador até o Cabo de São Tomé, incluindo as Ilhas de Trindade e São Tomé. Sul: do cabo de São Tomé até a fronteira marítima com o Uruguai.

Um aspecto importante do Revizee é que ele foi criado para responder à necessidade que o Brasil tinha de conhecer melhor seus recursos vivos e potencialmente utilizáveis.

O Revizee Nordeste

Segundo o engenheiro de pesca Fábio Hissa V. Hazin, coordenador do Revizee para a região Nordeste, o programa na região está bem avançado e próximo de seu final. Através de quatro expedições oceanográficas planejadas com o Navio Oceanográfico "Antares" da marinha foram coletados dados que serão analisados até o ano de 2002.

Segundo Fábio Hazin foram concluídos os trabalhos com a pesca de espinhel pelágico. O espinhel é um equipamento de pesca muito utilizado por barcos pequeiros, e consiste basicamente em um linha principal unida a outras secundárias que contém anzóis para fisgar os peixes. A pesca com espinhel de fundo e armadilhas de profundidade deverá terminar este ano. Ainda em 2001, começará a pesca de lulas e de pequenos peixes pelágicos. O pesquisador afirma ainda que, até meados de 2003, o Revizee deverá ter cumprido integralmente suas metas na região nordeste.

Durante as coletas, foram utilizados vários equipamentos de pesca diferentes, dependendo do comportamento dos peixes que pretendia-se capturar. Assim, foi utilizado o espinhel pelágico para a captura de peixes que vivem longe da costa, em oceano aberto, como agulhões, atuns, espadartes e albacoras. Foi utilizado espinhel de fundo para peixes que costumam habitar o fundo dos oceanos, como alguns tipos de cações e raias.

Hazin salienta a importância do programa para a atividade pesqueira nacional, e chama a atenção para a descoberta de recursos potencialmente importantes, como o peixe batata (Lopholatilus vilarii), o pargo mariquita (Etelis oculatus) e carangueijos de profundidade do gênero Chaceon. Várias espécies de peixes, que antes do programa eram desconhecidas, foram observadas, como o Hexanchus griseus e Centrophorus squamosus.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar introduziu o conceito de zona econômica exclusiva para designar a área de mar que se estende de 12 milhas marítimas até 200 m.m. entre 0 e 12 m.m., faixa onde o mar é considerado territorial. No mar territorial o estado é soberano para legislar e ocupar suas águas, o espaço aéreo sobrejacente, o leito e o subsolo do mar. Porém, o estado costeiro terá que fixar os limites de pesca e uso da biomassa disponível na zona econômica exclusiva. Caso o país não possa, por falta de infra-estrutura, explorar todos os recursos disponíveis, ele deverá ceder a outro estado a exploração, seja por meio de tratados ou acordos de uso comercial.

Os resultados obtidos, além de contribuirem para caracterizar uma ocupação mais efetiva das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) brasileira, representam o cumprimento do compromisso assumido pelo país perante a comunidade internacional, ao assinar e ratificar a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Essa convenção estabelece, em seu artigo 62, a obrigatoriedade por parte de todos os países signatários de realizarem o levantamento do potencial sustentável de exploração dos recursos vivos presentes em suas ZEE. Para o setor pesqueiro, os resultados do programa foram importantes não apenas por haverem permitido uma avaliação mais precisa dos estoques já explorados comercialmente, mas também por indicarem a existência de novos estoques ainda pouco ou sequer explorados.

Depois da Convenção de Diversidade Biológica, houve, certamente, mais incentivo por parte do Governo Federal para tentar reverter a situação do baixo conhecimento da biodiversidade nacional. No entanto, para o professor George shepherd, embora o número de pesquisadores no Brasil seja bem maior, ainda não é insuficiente para o enorme volume de pesquisas em biodiversidade. "Demora muito tempo para treinar pessoas para realmente participar neste tipo de coisa. Se temos tempo suficiente, é algo que não sei. Acho que, cientificamente, para qualquer país ter um certo grau de respeito, tem que pelo menos poder saber o que existe no país em termos de fauna e flora".

Atualizado em 22/06/2001

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