A
conservação da biodiversidade
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Eco-92), em 1992, cerca de 175 países, incluindo o Brasil, assinaram
a Convenção
da Diversidade Biológica (CDB), que foi ratificada em 1994,
pelo Brasil. A partir daí foram traçados planos de estratégia para
a conservação e uso sustentável da biodiversidade, de modo a atender
as exigências da CDB.
Convenção
da Diversidade Biológica
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"Os
objetivos desta Convenção, a serem cumpridos de acordo com
as disposições pertinentes, são a conservação da diversidade
biológica, a utilização sustentável de seus componentes e
a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da
utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o
acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada
de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos
sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento
adequado". (CDB, Ministério do Meio Ambiente)
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Entre
os projetos mais amplos estão aqueles que tratam da biodiversidade
dos principais biomas: Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica, cerrado
e caatinga, muitos dos quais só restam áreas fragmentadas e que
são extremamente frágeis.
A
Amazônia é, sem dúvida, o que se chama de um bioma com megadiversidade.
Segundo dados do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ela abriga cerca de 50%
da biodiversidade mundial. Está distribuída em uma área aproximada
de 5 milhões de km2, ou o equivalente a 58,8% do território nacional.
Para
o grupo ambientalista Greenpeace,
apesar de todos os acordos firmados durante a Eco-92 visando garantir
a preservação das florestas, os grandes remanescentes florestais
ainda vêm sendo ameaçados pela ação de madeireiras, que exportam
o produto, principalmente, para a Alemanha, Dinamarca, Espanha,
Estados Unidos, Franca, Itália, Japão e Reino Unido. Apenas nos
últimos quatro anos foram devastados mais de 77mil km2 - (área um
pouco maior do que os estados do Rio Grande do Norte e Sergipe juntos).
A
Bioamazônia (Associação
Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia)
é uma Organização Social, sem fins lucrativos, qualificada em 1999
para contribuir com a implementação do Probem (Programa Brasileiro
de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da
Amazônia) - iniciativa conjunta da comunidade científica, setor
privado, Governo Federal e governos da região, estruturado e coordenado
pelo Ministério do Meio Ambiente. Hoje, a Bioamazônia é uma rede
de laboratórios e grupos de pesquisa que conta com representantes
de pesquisadores das instituições mais importantes do país (Inpa,
Embrapa, Instituto Butantã, ABC e as principais universidades do
país), para a identificação de produtos naturais para o desenvolvimento
de produtos biotecnológicos.
Janice Casara, assessora técnica de coordenação da rede de laboratórios
da Bioamazônia, informou que conta com recursos do Banco da Amazônia
e, em médio, prazo irá dispor de recursos do Fundo Permanente para
a Biodiversidade da Amazônia (FBBA), que está sendo implementado
em parceria com um banco especializado em fundos verdes. Já está
em andamento a construção do maior complexo laboratorial de biotecnologia
da América do Sul, que terá uma área de 12.000 m2, com 26 laboratórios,
estão projetados para as áreas de produtos naturais de microorganismos;
produtos naturais de espécies vegetais; e produtos naturais de animais.
Para Casara, "a prospecção de um produto novo, a partir de espécies
vegetais, está atrelada ao conhecimento da biologia das mesmas.
Deste modo, torna-se fundamental a participação de técnicos da área
, bem como de comunidades tradicionais locais, detentoras de conhecimento
empírico sobre os usos e sobre a ecologia das espécies de interesse
medicinal e cosmético". Dados da Bioamazônia, indicam que o mercado
total de produtos, onde a biotecnologia é empregada, atinge 500
bilhões de dólares por ano.
O Pantanal possui características únicas no planeta. Com uma área
de 140 mil km2 - apenas no território nacional - está localizado
nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, mas chega até a
Bolívia e o Paraguai. Compartilha fauna e flora da Amazônia, do
cerrado e do charco (área alagada). Apesar de sua inegável importância,
apenas 0.55% de seu território é protegido por meio de Unidades
de Conservação federais.
Com a finalidade de conservar a biodiversidade da região a Fundo
Mundial para a Natureza (WWF) , uma organização não-governamental
norte-americana, iniciou em julho de 1998 o projeto Pantanal
para sempre que envolve diversos estudos científicos, além de
mobilizar a sociedade nas questões ambientais e procurar assegurar
o compromisso dos setores públicos e privado no financiamento e
políticas públicas para apoiar a conservação. Está previsto para
este mês, a divulgação das áreas prioritárias para a conservação
da biodiversidade na região do pantanal.
A
região da caatinga corresponde a uma área de cerca de 734.478 km2
e inclui parcialmente os estados do Piauí, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. O bioma
faz parte de um ecossistema que restringe-se ao Brasil. Geralmente
tem sido descrito como tendo baixa biodiversidade, com poucas espécies
endêmicas (que ocorrem apenas naquela região) e, portanto, de baixa
prioridade para conservação. No entanto, a região é ainda pouco
estudada, e há pesquisadores que contestam esse dado. Segundo a
professora Maria Jesus Nogueira Rodal, da Universidade Federal Rural
de Pernambuco, já foram identificadas cerca de 300 espécies de plantas
típicas da caatinga. Atualmente ela vêem desenvolvendo um
projeto que analisa a diversidade em comunidades vegetais da caatinga,
dentro de uma da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)
Maurício Dantas, em Pernambuco, e que encontrou vestígios de que
este bioma é formado por um mosaico vegetacional (grande heterogeneidade
espacial de espécies).
Infelizmente,
apenas 3.56% da área deste bioma está protegida como unidades de
conservação federais. As RPPN exercem papel de grande importância
na preservação da caatinga. Nos últimos anos vêm crescendo o interesse
de proprietários rurais em ter parte de sua propriedades protegidas.
Hoje, existem cerca de 24 RPPN, sendo que metade tem acima de 1.000
hectares.
O cerrado atinge 10 estados brasileiros, numa área que corresponde
a 22% do território nacional. Considerado um hotspot (áreas
em que há alto grau de endemismo) da biodiversidade, o cerrado tem
importância fundamental já que é uma área transitória entre a floresta
Amazônica, a caatinga e a Mata Atlântica. Entretanto, tem sido muito
explorado por agricultores e pecuaristas. "Realmente, a pressão
econômica em cima do uso dessas áreas é muito grande. A proteção
que é dada é tão frágil que a não ser que tenha uma mudança relativamente
rápida, acho que será muito difícil preservar áreas de cerrado",
alerta o botânico, George shepherd, da Unicamp.
Poucas
são as reservas do cerrado. Dependendo da localização, existe uma
diversidade diferente de espécies. Cerca de 44% das espécies de
plantas são endêmicas. Para shepherd, o cerrado é a vegetação que
mais está desaparecendo. Trata-se de uma vegetação extremamente
vulnerável, já que é de fácil cultivo.
A
Fundação Emas, ONG que reúne a administração do Parque das Emas
e a Conservation International do Brasil (CI), vêm desenvolvendo
o projeto Corredor
Pantanal e Cerrado, próximo ao Parque Nacional das Emas, em
Goiás. A área é considerada chave para a conservação do cerrado.
O projeto, iniciado em 2000, deverá ser concluído em 2005. Conta
com um investimento de cerca de U$5 milhões, administrados pela
CI e distribuídos entre os colaboradores do projeto: Ibama; Embrapa;
outras ONGs; a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (GO, MS); a
Universidade Federal de Goiás, entre outros.
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Bromélia
- Documentação científica do Flora
Brasiliensis (1840) utilizado, até hoje, pelos
botânicos.
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A
idéia da criação do corredor objetiva conhecer a biodiversidade
local e garantir que as populações existentes em torno do parque
tenham chance de contato com as populações animais e vegetais do
Pantanal, para que haja maior fluxo gênico. Este fluxo é fundamental
para preservar as diferenças gênicas existentes em uma mesma espécie,
essencial para garantir a sua sobrevivência e adaptação a possíveis
mudanças do ambiente.
A principal estratégia para facilitar o corredor é a utilização
da legislação existente, sem necessidade de desapropriação de terras.
Isso significa fazer uso das áreas de reserva legal, preservação
permanente (que engloba beira de rio, encosta, área de declividade,
topo de morros), além de mais 20% das áreas privadas, que também
são destinadas à preservação permanente, embora a maioria dessas
propriedades ainda não esteja legalizada.
Segundo um dos coordenadores do projeto, Mário Barroso Neto, outra
ferramenta que está sendo empregada são as Reservas Privadas do
Patrimônio Nacional (RPPN). "Há uma sinalização positiva dos estados
no sentido de estarem criando unidades de conservação, mas nós não
estamos fazendo disto o nosso fio condutor", afirma.
Em julho deverá estar terminada a fase de diagnóstico, quando estarão
terminandos os mapeamentos e os levantamentos de campo para que
seja montada a estratégia de conservação.
Distribuída
por 17 estados brasileiros, a Mata Atlântica é hoje o bioma mais
ameaçado do Brasil. Hoje encontra-se em áreas fragmentadas equivalente
a 7,6% da área original, muito embora ainda seja responsável por
uma parcela significativa da biodiversidade brasileira, com grande
incidência de espécies endêmicas. O Projeto "Mata Atlântica: Avaliação
dos esforços de Conservação, Recuperação e Uso Sustentável dos Recursos
Naturais" é um dos primeiros a reunir e cadastrar as experiências
realizadas por órgãos públicos, ONGs, empresas públicas e privadas,
universidades, escolas, instituições de pesquisa, movimentos sociais,
sindicatos, associações profissionais, cooperativas e demais organizações,
nos últimos dez anos. O projeto é uma aliança entre o SOS Mata Atlântica
e a Conservation International do Brasil.
Embora,
a cada ano, mais projetos de conservação e uso sustentável da biodiversidade
são desenvolvidos no país, ainda faltam informações mais precisas,
como informações geográficas, para as espécies que são documentadas.
Segundo o botânico shepherd, mesmo para São Paulo, provavelmente
um dos estados em que se tem melhor conhecimento da biodiversidade,
ainda está muito longe de ter o que poderíamos chamar de conhecimento
da flora. "Ainda usamos a Flora Brasiliensis (livro de taxonomia
floral publicado em 1840) como base para muitas pesquisas de identificação.
Demorou mais de 60 anos para ser terminado e consta cerca de 22
mil espécies". shepherd fez várias estimativas para a quantidade
de espécies de plantas no Brasil e o mais próximo que chegou foi
algo em torno de 45 mil espécies, talvez 50 mil de plantas superiores,
que produzem sementes, dependendo de como a estimativa for feita.
George
shepherd: "Até quando isso vai ser possível eu não sei
mas acho que ainda existe uma quantidade fabulosa de biodiversidade
no Brasil. Eu sou otimista no sentido de achar que tudo ainda
não foi destruído. Se tomarmos medidas de melhor a preservação
e ampliar as reservas, dermos uma proteção melhor, num futuro
próximo é possível ainda conseguir preservar uma porcentagem
substancial. Mas se não tomarmos uma medida, relativamente
rápida, aí vai ficar impossível. Vamos destruir tanto que
os fragmentos que sobrarão não vão ser capazes de sustentar
o ambiente, aí não tem mais retorno. O que é possível
preservar nos Jardins Botânicos é muito limitado, porque nenhum
Jardim Botânico tem espaço para cultivar 50 mil espécies,
não há espaço de armazenamento, e muito menos de clima.
Também perdem-se as interações entre os organismos, o que
perde muito de seu valor. Preservar a variação genética não
é a melhor maneira. Embora seja possível se fazer muita
coisa com o Jardim Botânico e as coleções sejam muito importantes,
não vejo que isso substitua totalmente as áreas naturais.
Temos que lutar muito para maximizar o que preservar, não
tem outra saída.
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Não
só em biomas terrestres são desenvolvidos projetos de estudo de
biodiversidade brasileira. O Programa REVIZEE - Recursos Vivos da
Zona Econômica Exclusiva, um imenso projeto em andamento desde 1995,
tem por objetivo amostrar e avaliar o pontecial de recursos vivos
em toda a costa brasileira, cerca de 8.500 km de extensão.
O tamanho da tarefa exigiu que a coordenação do projeto, a cargo
da CIRM (Comissão Interministerial para os Recursos do Mar) dividisse
a costa em quatro partes e entregasse a coordenação destas partes
às instituições tradicionalmente envolvidas com a pesquisa em oceanografia
e biologia marinha nestas regiões. As quatro partes da costa são:
Norte: da fronteira marítima com a Guiana até o Rio Parnaíba. Nordeste:
da foz do Rio Parnaíba até Salvador, incluindo as Ilhas de Fernando
de Noronha, o Atol das Rocas e o arquipélago de São Pedro e São
Paulo. Central: de Salvador até o Cabo de São Tomé, incluindo as
Ilhas de Trindade e São Tomé. Sul: do cabo de São Tomé até a fronteira
marítima com o Uruguai.
Um
aspecto importante do Revizee é que ele foi criado para responder
à necessidade que o Brasil tinha de conhecer melhor seus recursos
vivos e potencialmente utilizáveis.
O
Revizee Nordeste
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Segundo
o engenheiro de pesca Fábio Hissa V. Hazin, coordenador do
Revizee para a região Nordeste, o programa na região está
bem avançado e próximo de seu final. Através de quatro expedições
oceanográficas planejadas com o Navio Oceanográfico "Antares"
da marinha foram coletados dados que serão analisados até
o ano de 2002.
Segundo
Fábio Hazin foram concluídos os trabalhos com a pesca de espinhel
pelágico. O espinhel é um equipamento de pesca muito utilizado
por barcos pequeiros, e consiste basicamente em um linha principal
unida a outras secundárias que contém anzóis para fisgar os
peixes. A pesca com espinhel de fundo e armadilhas de profundidade
deverá terminar este ano. Ainda em 2001, começará a pesca
de lulas e de pequenos peixes pelágicos. O pesquisador afirma
ainda que, até meados de 2003, o Revizee deverá ter cumprido
integralmente suas metas na região nordeste.
Durante
as coletas, foram utilizados vários equipamentos de pesca
diferentes, dependendo do comportamento dos peixes que pretendia-se
capturar. Assim, foi utilizado o espinhel pelágico para a
captura de peixes que vivem longe da costa, em oceano aberto,
como agulhões, atuns, espadartes e albacoras. Foi utilizado
espinhel de fundo para peixes que costumam habitar o fundo
dos oceanos, como alguns tipos de cações e raias.
Hazin salienta a importância do programa para a atividade
pesqueira nacional, e chama a atenção para a descoberta de
recursos potencialmente importantes, como o peixe batata (Lopholatilus
vilarii), o pargo mariquita (Etelis oculatus) e
carangueijos de profundidade do gênero Chaceon. Várias
espécies de peixes, que antes do programa eram desconhecidas,
foram observadas, como o Hexanchus griseus e Centrophorus
squamosus.
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A
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar introduziu
o conceito
de zona econômica exclusiva para designar a área de mar que se estende
de 12 milhas marítimas até 200 m.m. entre 0 e 12 m.m., faixa onde
o mar é considerado territorial. No mar territorial o estado é soberano
para legislar e ocupar suas águas, o espaço aéreo sobrejacente,
o leito e o subsolo do mar. Porém, o estado costeiro terá que fixar
os limites de pesca e uso da biomassa disponível na zona econômica
exclusiva. Caso o país não possa, por falta de infra-estrutura,
explorar todos os recursos disponíveis, ele deverá ceder a outro
estado a exploração, seja por meio de tratados ou acordos de uso
comercial.
Os
resultados obtidos, além de contribuirem para caracterizar uma ocupação
mais efetiva das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) brasileira, representam
o cumprimento do compromisso assumido pelo país perante a comunidade
internacional, ao assinar e ratificar a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar. Essa convenção estabelece, em
seu artigo 62, a obrigatoriedade por parte de todos os países signatários
de realizarem o levantamento do potencial sustentável de exploração
dos recursos vivos presentes em suas ZEE. Para o setor pesqueiro,
os resultados do programa foram importantes não apenas por haverem
permitido uma avaliação mais precisa dos estoques já explorados
comercialmente, mas também por indicarem a existência de novos estoques
ainda pouco ou sequer explorados.
Depois
da Convenção de Diversidade Biológica, houve, certamente, mais incentivo
por parte do Governo Federal para tentar reverter a situação do
baixo conhecimento da biodiversidade nacional. No entanto, para
o professor George shepherd, embora o número de pesquisadores no
Brasil seja bem maior, ainda não é insuficiente para o enorme volume
de pesquisas em biodiversidade. "Demora muito tempo para treinar
pessoas para realmente participar neste tipo de coisa. Se temos
tempo suficiente, é algo que não sei. Acho que, cientificamente,
para qualquer país ter um certo grau de respeito, tem que pelo menos
poder saber o que existe no país em termos de fauna e flora".
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