Biodiversidade
brasileira é fonte de microorganismos produtores de plásticos
e elastômeros biodegradáveis
Luiziana
da Silva, Maria Filomena Rodrigues
& José Gregório Gomez
Diversas
empresas, universidades e instituições de pesquisa e desenvolvimento
têm buscado na biodiversidade brasileira ferramentas para a solução
de problemas nas áreas médico-farmacêutica, veterinária, agropecuária,
ambiental etc., obtendo resultados promissores. Em meados da década
de 90, teve início no Brasil o desenvolvimento de tecnologia para
a produção de plásticos biodegradáveis e biocompatíveis empregando
matéria-prima renovável pela agricultura, em especial derivados
da cana-de-açúcar, a partir de um projeto cooperativo desenvolvido
pelo IPT, Copersucar e Universidade
de São Paulo. Após um levantamento de oportunidades, selecionou-se
um grupo de polímeros da família dos polihidroxialcanoatos (PHA)
que podem ser produzidos por bactérias em biorreatores a partir
de carboidratos. Tais polímeros, em condições apropriadas de cultivo
bacteriano, são acumulados na forma de grânulos intracelulares (Fig.1),
os quais podem ser separados e removidos após a lise celular gerando
uma resina com propriedades semelhantes às dos plásticos de origem
petroquímica, com a vantagem de poderem ser biodegradados no ambiente
por microrganismos nele existentes em curto espaço de tempo após
o descarte.
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Figura 1. Grânulos
de polímero biodegradável do tipo poli-3-hidroxibutirato (P3HB)
no interior de bactérias (preparação e fotomicrografia eletrônica
realizadas por Rita de Cássia Paro Alli, Agrupamento de Biotecnologia,
DQ, IPT)
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Além
de propriedades termoplásticas, que lhes permitem serem moldados
ou transformados em filmes para aplicações diversas, são também
biocompatíveis, com potencial para aplicações médico-veterinárias,
como suturas, suportes de culturas de tecido para implantes, encapsulação
de fármacos para liberação controlada etc. Polihidroxibutirato (P3HB)
foi o produto-alvo inicialmente estudado, bem como seu copolímero
com unidades 3-hidroxivalerato (3HV), formando o copolímero P3HB-co-3HV.
A
busca por bactérias em solo brasileiro
Como a idéia era utilizar derivados de cana, duas linhas de busca
do microrganismo ideal foram adotadas: (i) A partir de uma
linhagem de coleção de culturas capaz de produzir P3HB a partir
de glicose e frutose, mas não a partir de sacarose, o Instituto
de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo desenvolveu
um trabalho de melhoramento genético da bactéria de modo a torná-la
capaz de acumular o polímero utilizando a sacarose e (ii)
simultaneamente, o Laboratório de Microbiologia Industrial do Agrupamento
de Biotecnologia (LMI-AB) do IPT partiu para um programa de isolamento
e seleção de bactérias de solo capazes de utilizar a sacarose e
produzir P3HB com alta eficiência. Para completar o desenvolvimento
da tecnologia, o Laboratório de Fermentações Industriais (LFI),
também do Agrupamento de Biotecnologia desenvolveu a estratégia
para cultivo e acúmulo de PHA em biorreatores e, junto com a Copersucar,
o processo de separação do polímero e ampliação de escala.
Amostras
de solo foram submetidas a condições laboratoriais que inibiam o
crescimento de bolores e leveduras e, ao mesmo tempo, favoreciam
o crescimento bacteriano em sacarose, açúcar predominante na cana,
bem como seus derivados. Cerca de 300 clones foram capazes de utilizar
sacarose. Estes foram então submetidos a testes que verificavam
aqueles capazes de além de crescer em sacarose, utilizá-la para
produzir PHA. Destacaram-se 75 clones bacterianos produtores de
PHA (PHA+). Uma identificação preliminar já demonstrou a grande
variabilidade de espécies bacterianas encontradas. Outro resultado
que convém ser destacado refere-se ao fato de que, além de produzirem
o P3HB (polímero com unidades monoméricas de 4 carbonos e propriedades
termoplásticas) que era o produto alvo, muitas das bactérias produziam
outros polímeros de interesse. Destacamos entre estes polímeros
produzidos, aqueles que contêm monômeros com 6-12 átomos de carbono,
denominados PHAMCL (do inglês, medium chain length) e que
apresentam propriedades elastoméricas, assemelhando-se mais à borracha
e com outro tipo de aplicação (filmes para revestimento de embalagens
de papelão, fraldas, absorventes, adesivos, etc.). Foi também descoberta
uma linhagem bacteriana capaz de produzir, a partir de sacarose,
uma mistura de P3HB com 3HPE, este último consistindo de monômeros
de ácido 3-hidroxi-4-pentenóico, o qual, por ter uma insaturação,
pode ser modificado quimicamente, ampliando suas propriedades e
aplicabilidade. Algumas linhagens também se mostraram capazes de
utilizar xilose e outros açúcares presentes no hidrolisado do bagaço
de cana, até então um rejeito de baixo valor econômico, produzindo
P3HB.
Os 75 clones PHA+ foram então comparados, selecionando-se dois deles
com melhor capacidade de produzir P3HB: IPT 045 e IPT 101. Foi feita
uma identificação preliminar e as duas linhagens correspondiam,
respectivamente a uma Burkholderia cepacia e Burkholderia
sp. Estas duas linhagens foram avaliadas em ensaios em biorreator.
Foram comparados velocidade de crescimento, capacidade de acúmulo
de polímero e eficiência em converter sacarose em polímero. Por
seu melhor desempenho e por não ser patogênica, a linhagem IPT 101
foi selecionada. No sentido de se fazer uma identificação completa,
a IPT 101 foi enviada a alguns centros especializados no Brasil
e na Alemanha. Entretanto, as características da espécie não coincidiam
com nenhumas daquelas já conhecidas de bactérias do gênero Burkholderia.
Somente em 1999, em cooperação com o Laboratory of Microbiology,
Universiteit Gent (Bélgica) e com o Institut für Mikrobiologie de
Münster (Alemanha), após comparar resultados de testes bioquímicos,
da composição de ácidos graxos, da seqüência de genes de rRNA 16S,
verificou-se que trata-se de uma nova espécie que foi então denominada
Burkholderia sacchari, justamente por ter sido isolada a
partir de solo de canavial. A descoberta será publicada no International
Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology numa das próximas
edições.
Todo este desenvolvimento teve o apoio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (PADCT),
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq)
do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT)
e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP),
em diferentes períodos. Como resultado, ao final da década de 90,
obteve-se um processo de produção de poli-3-hidroxibutirato (P3HB)
e seu copolímero poli-3-hidroxibutirato-co-3-hidroxivalerato
(P3HB-co-3HV) utilizando como fonte de carbono principal
o açúcar da cana.
Em 1996, uma unidade piloto de produção foi instalada nas dependências
da Usina da Pedra, interior do Estado de São Paulo, utilizando a
tecnologia desenvolvida no país. A produção é realizada em tanques
agitados e aerados em condições controladas de pH, temperatura,
oxigênio dissolvido e aporte de matérias-primas. O copolímero é
produzido pela adição concomitante de ácido propiônico e açúcar.
O processo de separação e purificação do produto garante alta pureza
e peso molecular adequados ao processamento do polímero. Dando prosseguimento
ao projeto, já foi feito um melhoramento genético em Burkholderia
sacchari IPT 101, obtendo-se um mutante IPT 189 que tem maior
capacidade de acúmulo do copolímero P3HB-co-3HV, quando alimentado
com sacarose e ácido propiônico. Este copolímero é mais maleável
e tem aplicações mais amplas que as do P3HB. Em conjunto, CTC e
IPT solicitaram patente para a linhagem, seu mutante e processo
de produção.
O
IPT continua seus estudos nesta área, na qual as linhas atualmente
em andamento são: a obtenção de novas linhagens bacterianas por
técnicas de engenharia genética, o estudo da biodegradabilidade
de polihidroxialcanoatos e outros plásticos ditos biodegradáveis,
estudo do processo de produção de P3HB e seu copolímero a partir
de bagaço de cana-de-açúcar, estudo do processo de produção de polihidroxialcanoatos
de cadeia média (PHAMCL) a partir de açúcar e óleos vegetais, estudo
da produção da mistura P3HB e P3HPE, bem como de suas propriedades,
a otimização do processo de produção de PHA usando ferramentas computacionais
e estudo de ampliação de escala e de novas concepções de fermentadores.
Luiziana
Ferreira da Silva, Maria Filomena de Andrade Rodrigues & José Gregório
Cabrera Gomez são pesquisadores do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo S. A. - IPT
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