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             Biodiver$idade 
             
              A projeção cada vez maior da biotecnologia no cenário econômico 
              global trouxe consigo a associação entre natureza e valor econômico, 
              que toma forma com o emprego cada vez mais freqüente de palavras 
              como bioeconomia, biorrecursos, ou mesmo, biopirataria. Neste contexto, 
              falar em riqueza da biodiversidade assume um novo significado e 
              o domínio da natureza pelo homem assume novas proporções. 
             
              Apesar da intangibilidade da natureza e da dificuldade em quantificar 
              seu valor, existem várias iniciativas acadêmicas, nacionais e internacionais 
              de ongs ou governamentais que buscam determiná-lo. No Brasil, o 
              Instituto Brasileiro de Meio 
              Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) está desenvolvendo 
              desde 1999, com assessoria de consultores do Instituto de Pesquisa 
              Econômica Aplicada (IPEA) , um projeto para calcular 
              o valor da biodiversidade brasileira, como parte do Programa de 
              Valoração Econômica da Natureza, incluído no Programa Plurianual 
              do governo.  
            Segundo 
              o coordenador do projeto e do departamento de ecossistemas do Ibama, 
              Moacir Arruda Bueno, o projeto, pioneiro no Brasil, baseou-se em 
              um dos primeiros estudos em economia ecológica realizado por Robert 
              Constanza, economista ecológico do Instituto de Economia Ecológica 
              da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. Constanza utilizou 
              o método de valoração contingente - explica Arruda - estimou o valor 
              de 13 principais "serviços" oferecidos pelo meio ambiente, tais 
              como a oferta de oxigênio, captura de carbono, oferta de água, de 
              produtos medicinais e alimentos, em 11 grandes ecossistemas no mundo. 
              Estes dados foram cruzados posteriormente e calculados em relação 
              a área ocupada pelo ecossistema.  
            O 
              estudo brasileiro, coordenado por Arruda, estudou 7 biomas como 
              a caatinga, amazônia, mata atlântica e cerrado e os estudos têm 
              sido concluídos por unidades de conservação, como é o caso, por 
              exemplo, de Foz do Iguaçu, Parque Nacional de Brasília, Parque Nacional 
              do Superagüi, Chapada dos Veadeiros, Serra da Capivara e manguezais. 
              O cálculo inclui, da mesma forma que em Constanza, os serviços prestados 
              pelos ecossistemas à sociedade e as áreas em hectares. Já existem 
              vários resultados parciais do projeto, referentes aos biomas estudados, 
              tais como o da caatinga, no entanto, a conclusão do projeto está 
              prevista apenas para o final de 2002, quando deverá ser publicada. 
             
              De acordo com os cálculos existentes até o momento, avalia-se a 
              biodiversidade brasileira em 2 trilhões de dólares por ano, o que 
              equivale aproximadamente ao dobro do valor do Produto Interno Bruto 
              do país. 
             
              Para Moacir Arruda Bueno esta valoração é fundamental para o Brasil 
              em vários aspectos: "O Brasil é o país que tem o maior patrimônio 
              biológico do mundo, a maior biodiversidade do planeta é a nossa, 
              somos top rankings em quase todas as famílias, filos, grupos, 
              gêneros, etc. No entanto, o Brasil ainda não possui um levantamento 
              ou um inventário biológico das espécies brasileiras, nem da fauna, 
              nem da flora". Segundo Arruda, supõe-se que nem 1% de toda a biodiversidade 
              da Amazônia é conhecida. Além disso, os cálculos dos serviços prestados 
              pelos ecossistemas não fazem parte da contabilidade nacional. "Se 
              nem sequer entra na contabilidade, então nem o governo, nem a sociedade 
              podem dar o devido valor. Temos que realizar esta valoração para 
              que a sociedade passe de fato a valorizá-la", afirma o coordenador 
              do projeto do Ibama. 
             
              Esta situação tem várias conseqüências, como a dificuldade de negociar 
              em convenções com a comunidade internacional, "como podemos discutir 
              isto com a comunidade internacional tendo em vista as convenções 
              de biodiversidade, do clima ou das florestas, se não conhecemos 
              a nossa biodiversidade, os nossos ecossistemas? Não podemos entrar 
              apenas com o discurso, pois a linguagem que a comunidade internacional 
              compreende é a financeira", diz Arruda. 
             
              Outra questão importante levantada pelo pesquisador é relativa aos 
              prejuízos sofridos pela natureza e possíveis compensações: "Se ocorre 
              um desmatamento em grande escala, ou um derramamento de óleo, como 
              é possível estipular multas ou compensações ambientais sem a quantificação 
              econômica do que se perdeu?" 
             
              Apesar dos prós, este tipo de avaliação dos recursos naturais vem 
              sofrendo algumas críticas. Para o biólogo e coordenador do Instituto 
              Socioambiental, João Paulo Capobianco, a quantificação econômica 
              dos recursos naturais é um equívoco. (veja entrevista). Segundo 
              ele este tipo de estratégia não trabalha a questão essencial, a 
              percepção do valor intrínseco da biodiversidade e dos recursos naturais, 
              e sua preservação como sendo crucial para a qualidade de vida e 
              sobrevivência da humanidade. "Na verdade, o valor da biodiversidade 
              extrapola muito o eventual valor econômico que possam atribuir-lhe 
              no atual momento histórico. Não se pode reforçar uma tese de que 
              o que vale é aquilo que tem valor econômico, porque este valor é 
              uma definição momentânea. Hoje, com a tal da engenharia genética, 
              teoricamente a biodiversidade vale muito. No entanto, se a tecnologia 
              evoluir para um certa independência em relação a disponibilidade 
              de genes na natureza, então a biodiversidade, de acordo com esta 
              lógica de valorização, passa a não valer mais nada", argumenta Capobianco. 
             
              Moacir Arruda Bueno afirma que, realmente, a questão desta valoração 
              é muito complexa, dada a intangibilidade da natureza e o pioneirismo 
              da pesquisa. "Toda pesquisa de vanguarda apresenta oposições e dificuldades 
              que devem ser superadas. O papel do pesquisador é exatamente sobrepujar 
              estas dificuldades e buscar novas soluções."  
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