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             Biodiversidade: 
              preservação e bioprospecção 
             
              Mário S. Palma, 
              Tetsuo Yamane e  
              Antonio C. M. Camargo 
            Enfrentamos 
              hoje uma inusitada e aparentemente inexplicável mudança nos padrões 
              de muitas doenças, especialmente entre as nações industrializadas. 
              Assim por exemplo, os casos de câncer aumentaram mundialmente 12% 
              anualmente ao longo das décadas de 70 e 80; os casos de diabetes 
              aumentaram em 30% somente nos E.U.A. durante a última década; doenças 
              infecciosas, consideradas já controladas, têm ressurgido nos países 
              pobres e se disseminaram vigorosamente nos países do primeiro mundo. 
              Estas doenças, entre muitas outras, requerem novas drogas mais eficientes, 
              com menores efeitos colaterais e custos mais baixos, para torná-las 
              acessíveis à grande maioria da população mundial.  
               
              A conservação dos recursos genéticos do planeta, bem como sua exploração 
              sustentável é tão importante que em vários países do mundo estão 
              sendo criados programas de bioprospecção, integrando universidades, 
              institutos de pesquisas, museus e a indústria farmacêutica, para 
              descobrir e desenvolver novos fármacos. 
            Os 
              maiores conglomerados farmacêuticos, os multinacionais, parecem 
              sofrer de uma "verdadeira febre de procura" por novos compostos 
              moldados pela natureza durante milhões de anos de evolução, visto 
              que este "laboratório" decididamente já testou bilhões de possibilidades 
              para cada caso, e nos apresenta um verdadeiro tesouro pronto para 
              ser explorado. A prova disto é o sucesso comercial de algumas drogas 
              originárias de produtos naturais, tais como:  
              a) Cromoglicato - uma droga anti-asmática isolada na ação relaxador 
              de um composto isolado da planta umbilífera Amni visnaga; 
               
              b) Mevinolin - uma droga muito eficiente para induzir a diminuição 
              dos níveis séricos de colesterol, isolada de fungos;  
              c) Cyclosporin A - uma droga imunosupressora usada para prevenir 
              a rejeição de órgãos transplantados, isolada do fungo Trichoderma 
              polysporum.  
            Uma 
              análise na lista dos 20 produtos farmacêuticos mais vendidos nos 
              últimos anos, revela que vários derivaram de produtos: Captopril 
              e derivados - um inibidor da enzima conversora de angiotensina, 
              utilizado em tratamento de hipertensão arterial, teve como protótipo, 
              um polipeptídeo isolado do veneno de serpente brasileira Bothrops 
              jararaca, comercializado por multinacionais farmacêuticas, rendendo 
              de 3-5 bilhões de dólares anuais; CECLOR, cefalosporina produzida 
              pela Ely Lilly, com vendas anuais da ordem de US$ 837 milhões; MEVACOR 
              , inibidor da HMG CoA, produto da Merck, com vendas anuais da ordem 
              de US$ 760 milhões; AUGMENTIN, antibiótico produzido pela Smith 
              Kline Beecham, com vendas anuais da ordem de US$ 710 milhões; ROCEPHIN, 
              cefalosporina, produto da Roche, com vendas anuais da ordem de US$ 
              665 milhões. 
             É 
              muito difícil de estimar o número total de produtos terapêuticos 
              que utilizam formulações originárias de produtos naturais das mais 
              diversas origens. Entretanto, acredita-se que entre 25 a 30% das 
              prescrições de medicamentos do mundo ocidental contêm drogas de 
              origem natural; este quadro vem se mantendo nos últimos 30 anos. 
            Existem 
              cerca de 250.000 espécies diferentes de plantas em nosso planeta, 
              mas menos de 5% deste total já foi estudado. As florestas tropicais 
              cobrem hoje cerca de 8,6 milhões de km2 da superfície do planeta 
              e cerca de 1% das mesmas são destruídas anualmente, enquanto que 
              outros 1% são severamente degradadas. Neste ritmo, 20% de todas 
              as espécies de plantas conhecidas estarão extintas nos próximos 
              50 anos. Em média, a cada 2.000 espécies de plantas estudadas, gera-se 
              um novo fármaco inédito, com enorme sucesso funcional e comercial, 
              além de dezenas de outros produtos ainda funcionais, porém com menor 
              sucesso de vendas. Estima-se que cerca de 50.000 espécies de plantas 
              foram extintas ao longo do século XX. Isto sugere que deixamos de 
              conhecer os princípios ativos para o desenvolvimento de pelo menos 
              25 novos fármacos. 
             Dos 
              venenos a novas drogas de usos terapêuticos 
              As toxinas de origem natural têm fascinado o homem há muito tempo, 
              devido aos seus dramáticos efeitos farmacológicos, sistêmicos e 
              neuroquímicos. As toxinas têm sido utilizados academicamente como 
              ferramentas para elucidar mecanismos fisiológicos, desde os clássicos 
              experimentos de Claude Bernard em 1850, com o veneno utilizado nas 
              pontas de flechas por índios sul americanos. As tubocurarinas, toxinas 
              alcalóides presentes no curare, foram utilizados pela Wellcome, 
              como ponto de partida para o desenvolvimento de uma droga relaxadora 
              muscular, para acompanhar a anestesia geral, com poucos efeitos 
              colaterais em humanos, o ATRACURIUM. Mais tarde surgiu também o 
              VECURONIUM desenvolvido pela Organon.  
            Desde 
              então, vários outros laboratórios farmacêuticos têm se utilizado 
              de toxinas naturais, como modelos de drogas para o desenvolvimento 
              de seus produtos, com potencialidades farmacológicas comparáveis 
              a alcalóides de plantas ou metabólitos secundários de microorganismos. 
               
            
              
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                   Surucucu 
                    - veneno com potencial para a indústria farmacêutica 
                    (L'Homme et les animaux, 1890)  
                 | 
               
             
            As 
              pesquisas no campo de toxinas de origem animal têm contribuído muito 
              na compreensão, por exemplo, dos problemas vasculares, processos 
              inflamatórios, mecanismos de dor, processos alérgicos e asma bronquial, 
              entre outros. Resultaram da pesquisa do veneno da serpente brasileira 
              Bothrops jararaca, descobertas fundamentais como a BRADICININA 
              por Maurício Rocha e Silva e depois os Peptídeos Potenciadores de 
              Bradicinina (BPPs), que serviu de protótipo molecular para o desenvolvimento 
              de CAPTOPRIL pela Squibb, uma droga anti-hipertensiva que domina 
              o mercado internacional. Este é um exemplo clássico de uma pesquisa 
              biomédica básica executada aqui no Brasil, mas usada pela indústria 
              multinacional para a produção de um fármaco de grande impacto.  
            Entretanto, 
              essa pesquisa de BPPs foi retomada recentemente pelo Centro de Toxinologia 
              Aplicada (CAT), integrante do projeto Centro de Pesquisa, Inovação 
              e Difusão (CEPID), 
              uma iniciativa pioneira da Fapesp 
              destinada a explorar toxinas animais e microorganismos de grande 
              interesse científico, médico, social e econômico, derivados da nossa 
              biodiversidade. O equipe do Prof. Antonio C.M. Camargo, Diretor 
              do CAT, patenteou recentemente uma nova substância anti-hipertensiva, 
              EVASIN, derivado também de BPP, mais seletiva que o CAPTOPRIL em 
              sua ação, sem o efeito colateral apresentado pelas drogas CAPTOPRIL, 
              ENALAPRIL, LISINOPRIL e outras. 
            Drogas 
              anti-trombóticas estão sendo desenvolvidas a partir de venenos de 
              serpentes pela Genentech (EUA). A companhia Wyeth Ayerst está desenvolvendo 
              uma droga anti-convulsivante à partir de neurotoxinas presentes 
              no veneno da serpente "mamba" (Dendroaspis). Esta serpente possui 
              também outro tipo de toxinas, conhecida como toxina muscarínica, 
              que está sendo utilizada pela empresa Marrio-Merril-Dow como droga-líder 
              para o desenvolvimento de um fármaco para o controle de doenças 
              neurodegenerativas. 
             
              Entre os moluscos marinhos, destacam-se as espécies de Conus que 
              produzem uma série de peptídeos neurotóxicos, sendo que alguns deles 
              estão sendo utilizados como modelos para o desenvolvimento de drogas 
              anti-convulsivantes pela empresa farmacêutica Neurex Corporation. 
              Entre os venenos de aranhas, várias neurotoxinas que bloqueiam os 
              canais de cálcio tem sido alvo de interesse biotecnológico. Por 
              exemplo, as acilpoliaminas, toxinas orgânicas de baixo peso molecular, 
              foram patenteados pelas empresas Zeneca Pharmaceuticals e NPS Pharmaceuticals, 
              para prevenção contra a morte neuronal precoce em casos de isquemia 
              cerebral. Entre os escorpiões uma toxina peptídica, margarotoxina, 
              foi utilizada pela Merck como droga-líder para o desenvolvimento 
              de uma imunosupressora potencialmente muito útil para a terapia 
              de doenças autoimunes e na prevenção de rejeição de órgãos transplantados. 
             
              Mundialmente, existem cerca de 25 milhões de pessoas portadoras 
              de doenças neurodegenerativas, aproximadamente 1 milhão no Brasil, 
              que necessariamente se utilizam de medicamentos desenvolvidos à 
              partir de drogas sintéticas para controlar suas doenças. A maioria 
              destas drogas é muito eficiente em suas ações neurobloqueadoras, 
              porém apresentam sérios efeitos colaterais. No Brasil, lesões cranianas 
              constituem uma das causas principais de óbito entre as pessoas de 
              menos de 20 anos. Aproximadamente, 150.000 jovens morrem ou ficam 
              incapacitados permanentemente a cada ano devido à trauma cerebral. 
              A esperança da indústria farmacêutica de produtos neuroquímicos 
              está no uso de neurobloqueadores naturais, do tipo daqueles encontrados 
              em venenos animais. 
             
              Esta área de atuação também está na mira das indústrias de defensivos 
              agrícolas, que vêem nas toxinas animais a possiblidade de desenvolvimento 
              de bioinseticidas altamente seletivos e biodegradáveis. A importância 
              destes fatos pode ser observada ao se analisar o número de novas 
              drogas registradas no Patent Office do Departament of Commerce do 
              Governo dos Estados Unidos, desenvolvidas a partir de toxinas animais: 
              a) 24 para toxinas de aranhas e escorpiões (15 bioinseticidas seletivos, 
              6 neurobloqueadores de uso em terapias de distúrbios neurológicos 
              e 3 para uso em terapias de doenças cardíacas); b) 62 com toxinas 
              de serpentes (a grande maioria voltada para o uso em terapias de 
              controle arterial).  
            Recentemente, 
              um novo ramo que está atraindo muita atenção é a área de DEFENSINAS, 
              peptídios antibióticos primitivos que desempenham papel no "patrulhamento" 
              das células contra infecções por microorganismos. Constituem quase 
              uma centena de moléculas estruturalmente relacionadas, que agem 
              contra bactérias Gram-positivas e -negativas. Em vertebrados, as 
              defensinas estão presentes em organismos filogeneticamente distintos 
              como insetos, plantas e mamíferos e, portanto, são anteriores ao 
              desenvolvimento do sistema imunológico humoral. Em vertebrados, 
              as defensinas são produzidas em células de tecidos que estão em 
              contato com o ambiente, bem como em leucócitos polimorfonucleares. 
              Várias defensinas são constitutivas, enquanto outras têm seus níveis 
              aumentados em resposta ao agente invasor.  
            Em 
              geral, os antibióticos tradicionais agem por inibir enzimas de passos 
              importantes do metabolismo microbiano, ao passo que as defensinas 
              inativam rapidamente os microorganismos através da formação de poros 
              na membrana plasmática, tornando-a permeável à entrada e saída de 
              íons. 
             
              O isolamento desses peptídios antibióticos, os quais têm sido aprimorados 
              durante milhões de anos, amplia as perspectivas quanto ao desenvolvimento 
              de novos agentes para o arsenal terapêutico contra microorganismos 
              multi-resistentes e a biodiversidade brasileira fornece os subsídios 
              para a busca desses antibióticos em outras fontes além 
              de microorganismos. 
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