Biodiversidade:
a vida e seus semelhantes
Carlos
Vogt
Como
transformar conhecimento em valor econômico, parece ser o lema
mais constante e a preocupação mais exasperante das sociedades contemporâneas
espalhadas pelo mundo e empilhadas, em diferentes níveis, na pirâmide
do desenvolvimento.
O desafio dessa transformação motiva e acompanha os esforços de
sociedades desenvolvidas e de sociedades emergentes, que lutam para
se estabelecerem como parceiros nos cenários da competitividade
internacional.
E aí surge o primeiro paradoxo da retórica da globalização que,
como tantos outros, procura, no discurso, harmonizar as contradições
de que se faz, com ferocidade às vezes, o doce engano de que com
a competição dá-se também a ajuda mútua.
À
atuação crescente e à conscientização amadurecida dos formadores
de opinião, dos tomadores de decisão, de parcelas importantes das
populações organizadas em instituições cada vez mais atuantes na
afirmação dos direitos e deveres de cidadania, foi-se formatando,
a partir já dos anos 60 a concepção, consolidada depois, em 1.972,
em Estocolmo e reafirmada em 1.992, no Rio de Janeiro, de que a
Terra é um sistema coeso e integrado no qual é possível ver, com
clareza, a sistematicidade das relações entre as partes vivas do
planeta - plantas, microorganismos e animais - e as suas partes
não vivas - rochas, oceanos, rios e atmosfera.
Constituem-se, assim, os conceitos de ecossistema, de desenvolvimento
sustentável e a compreensão moderna do termo biodiversidade, utilizado,
então, como se pode ler na página do Programa
Biota - Fapesp, "para definir a variabilidade de organismos
vivos, flora, fauna, fungos macroscópicos e microorganismos, abrangendo
a diversidade de genes e de populações de uma espécie, a diversidade
de espécies, a diversidade de interações entre espécies e a diversidade
de ecossistemas", conforme o artigo 7º da Convenção sobre a Diversidade
Biológica, celebrada na Conferência Internacional sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, a Eco ou Rio-92.
Em 1994, o Decreto Legislativo nº 2 aprovou, no Brasil, a Convenção,
embora o tema já estivesse tratado na Constituição Federal de 1.988,
no seu artigo 225 que consagra o direito de todos os brasileiros
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que, em contrapartida
nos obriga a todos ao compromisso de preservação de todas as espécies.
Desse modo, vêem-se, na Constituição, no parágrafo 4º desse artigo,
garantidos em lei de preservação a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica,
a Serra do Mar, o Pantanal e a Zona Costeira, todos considerados
patrimônios nacionais. Outras leis e códigos tratam de outros temas
relacionados ao equilíbrio ecológico, à preservação de sistemas
complexos de vida, à biodiversidade, de maneira que, do ponto de
vista legal, mesmo havendo necessidade de seu aprimoramento contínuo,
o país está alinhado com as grandes preocupações e tendências internacionais
relativas à questão.
Ao lado do sistema legal cresceu e organizou-se todo um sistema
institucional que, além dos atores tradicionais, como as universidades,
os sindicatos, as associações de classe, passou a incluir um número
muito grande de organizações não governamentais (ONG's) voltadas
ao tema e que têm tido um papel definidor nas políticas de preservação
ambiental e nas ações efetivas para sua operacionalidade, de modo
que, - não seria exagero dizer -, meio ambiente e ecologia são hoje
tópicos de excelência nos avanços de cidadania que a sociedade brasileira
vem vivenciando e conquistando de alguns anos para cá.
O tema da biodiversidade está, como dissemos, relacionado a essas
questões, mas envolve também um aspecto econômico que lhe é intrinsecamente
constitutivo e envolve ainda uma possibilidade real de sua transformação
em riqueza, o que lhe é dado pela biotecnologia.
De fato, a grande extensão territorial brasileira, a enorme variedade
de espécies que a povoa, e o potencial tecnológico hoje disponível
para sua transformação em valor econômico, uma vez feito o seu mapeamento
e consolidado o seu conhecimento científico, tornam a biodiversidade
do Brasil uma riqueza efetiva e um desafio permanente.
A sua riqueza está estimada, pelo que se anuncia nos estudos do
IPEA, em cerca de 4 trilhões de dólares; o desafio reside em não
violentarmos o equilíbrio dessa vida diversa e múltipla e nem permitirmos
que outros o façam, fazendo sua bioprospecção sem, contudo, agredir
os seus sagrados direitos à existência, consagrados pela Constituição.
Como se trata de um tesouro vivo, é preciso aprender a explorá-lo
sem esgotar-lhe a vida que é, ela própria, a razão primeira e última
de seu imenso valor econômico e social para a qualidade de vida
do homem na Terra.
Múltiplo e desigual, no espelho de seu ambiente, o homem aspira
à unidade que hoje, mais do que nunca, ele aprendeu, não se sustenta,
sequer como aspiração, fora do conhecimento e do reconhecimento
de si no outro.
Produzir riqueza, apropriando-se, pelo conhecimento e pela tecnologia,
da natureza e da diversidade manifesta e recôndita das vidas que
a habitam, requer o fino equilíbrio entre nosso legítimo desejo
de bem-estar constante e a constância de nosso compromisso consciente
com a preservação das condições dessa variedade de vidas.
Único
em suas características de pensamento e linguagem, o homem é também
distinguido, não pelo fato de viver em sociedade, mas porque precisa
construir a sociedade para viver. E nessa construção, que é cultural,
política e econômica, o outro social só adquire densidade plena
na imagem biodiversa da natureza, e seus semelhantes.
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