Ética
para os animais transgênicos
Os
animais geneticamente modificados tem sido cada vez mais utilizados
em experimentos científicos. A decisão dos cientistas
sobre a criação desses animais em laboratórios
tem causado questionamentos entre atores sociais que tem formas
muito diferentes de pensar o assunto. Alguns são completamente
contra a experimentação animal e a criação
de animais transgênicos, outros são favoráveis,
mas com restrições.
Para
o pesquisador João Bosco Pesquero, coordenador do Centro
de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para a Medicina (Cedeme),
uma das grandes vantagens de se criar animais transgênicos
em laboratórios é a possibilidade de determinar para
que servem as informações contidas no código
genético humano e descobrir quais são os genes responsáveis
por certas doenças genéticas. Esse conhecimento pode
servir para eliminar os genes causadores de doenças genéticas
em humanos. Isso só é possível quando a seqüência
do gene do animal estudado for parecida com a do gene humano. As
semelhanças entre o genoma humano e o dos camundongos, pode
ser explicada pela existência de um ancestral comum que viveu
há cerca de 100 milhões de anos atrás.
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O
Peta (Pessoas para o tratamento
ético de animais, em inglês) é uma das
maiores ONGs anti-viviseccionistas mundiais
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Com
o uso da manipulação genética, o grupo de pesquisas
de Pesquero conseguiu gerar um camundongo que sente muito menos
dor que o normal e é muito menos propenso à inflamações.
Ele explica que, para se desenvolver esse animal, foi necessário
induzir alguns animais à dor. No entanto, foram tomadas medidas
práticas para que esses animais sofressem menos. Segundo
ele, "Para tentarmos minimizar o desconforto submetemos os
animais ao tempo mínimo necessário para o experimento
e, em alguns casos, os animais foram anestesiados durante todo o
tempo. Além disso, os experimentos de dor realizados foram
de baixa intensidade".
As
novas características desse camundongo tornam o animal mais
recomendável para ser utilizado em alguns estudos voltados
para o desenvolvimento de medicamentos, o que despertou o interesse
de grandes indústrias farmacêuticas que pretendem comprar
os animais para testes.
Enquanto
os cientistas buscam formas de justificar e convencer a opinião
pública sobre a utilização de animais em experimentação
animal, movimentos sociais cada vez mais intensos e numerosos são
completamente contra a utilização de animais em experimentos
científicos. A questão, segundo Nádia Farage,
professora do Departamento de Antropologia da Unicamp, não
é discutir formas de usar estes animais e sim não
usá-los.
A pesquisadora
Wirla Tamashiro, presidente da Comissão Interna de Biossegurança
do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
afirma que é muito difícil prever quais serão
as interações negativas com o meio ambiente e quais
serão as conseqüências da manipulação
genética para os próprios animais.
Ela
explica que os animais geneticamente manipulados podem ter genes
da mesma espécie ou de espécie diferente inseridos
em seu código genético (animais transgênicos),
ou então terem um ou mais de seus genes retirados (animais
nocautes). "Os nocautes ou os transgênicos são
animais geneticamente manipulados. Geralmente, quando você
retira os genes de um animal, você não sabe se ele
vai ter o desenvolvimento afetado, ou se outras funções
relacionadas a presença desse gene serão alteradas",
esclarece Tamashiro.
Tamashiro,
que realiza suas pesquisas com animais modificados geneticamente,
diz que os pesquisadores procuram tomar todas as providências
possíveis para que estes animais sofram menos durante os
experimentos científicos. Ela afirma que os cientistas têm
consciência de que os animais utilizados podem sentir dor
ou sofrerem outros danos decorrentes do experimento.
No
entanto, o movimento anti-viviseccionista (contrário ao uso
de animais em laboratório) afirma que diminuir a dor que
os animais sentem não resolve o problema ético da
experimentação. "A idéia de redução
do sofrimento dos animais na experimentação é
enganosa, porque oblitera a questão ética maior, que
diz respeito ao estatuto dos animais como recursos ou como sujeitos
de direitos específicos", aponta Farage.
A preocupação
dos pesquisadores com a qualidade de vida dos animais modificados
geneticamente para serem utilizados em experimentos científicos,
tem sido cada vez mais freqüente, e justifica-se, por um lado,
pelo fato destes animais serem relativamente caros e, por outro,
pela pressão da sociedade civil que está mais alerta
que no passado.
História
do uso de animais |
A sociedade tem exigido cada vez mais que os
pesquisadores e professores que utilizam animais em experimentos
e em aulas didáticas tomem atitudes para reduzir o
sofrimento desses animais. Alguns grupos da sociedade, que
se posicionam completamente contra o uso de animais em experimentos
científicos, mostram nítidas mudanças
nas relações entre os homens e os animais. Estas
relações, muito bem exploradas no livro O
Homem e o mundo natural (ver resenha),
sofreram mudanças graduais e têm causado cada
vez mais questionamentos sobre a utilização
de animais para diversos fins.
Márcia
Raymundo explica que a utilização de animais
em atividades científicas e didáticas existe
desde o século V a.C., tendo iniciado provavelmente
com os estudos de Hipócrates. Ela conta que nos séculos
XVII e XVIII os cientistas passaram a usa-los com maior freqüência.
Os estudos sobre a fisiologia da circulação
sangüínea realizados por Willian Harvey em 1638
e os estudos realizados por Stephen Hales sobre o sistema
arterial dos animais, publicados em 1733, mostraram que a
utilização de animais em estudos científicos
poderia fornecer respostas a muitas perguntas.
Mas,
segunda Nádia Farage, hoje, os filósofos da
ciência já questionam a pertinência do
modelo experimental que pretende justificar o uso de animais
em laboratório. "As teorias científicas
não se constróem com fatos e sim com hipóteses",
diz.
Atualmente,
um numero cada vez maior de pessoas vem sendo sensibilizada
sobre essa questão. Em 1975, Peter Singer causou grande
polêmica com a publicação do livro Animal
Liberation, que relatava a condição dos
animais durante os testes experimentais para a produção
de cosméticos e alimentos. Os relatos causaram revolta
no mundo todo.
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Em
1789, o filósofo inglês Jeremy Bentham levantou a seguinte
questão sobre os animais: "A questão não
é, podem eles raciocinar? ou podem eles falar? Mas, podem
eles sofrer?" . Segundo a bióloga Márcia Mocellin
Raymundo, que atua nas áreas de bioética e ética
em pesquisa do Grupo de Pesquisas do Hospital de Clínicas
de Porto Alegre, esse questionamento foi provavelmente o precursor
da mudança de comportamento frente ao uso de animais em pesquisas.
No ano de 2000, ela finalizou um estudo inédito no Brasil
intitulado "Os Deveres dos Pesquisadores para com Animais de
Experimentação: Uma Proposta de Auto Regulamentação".
Para
realizar seu estudo, Márcia Raymundo observou situações
em que os animais eram utilizados para fins didáticos e científicos,
tais como aulas e experimentos, e propôs medidas práticas
que os cientistas pudessem adotar para diminuir o sofrimento dos
animais. Ela acredita que muitas vezes os cientistas não
conhecem as técnicas mais adequadas para serem utilizadas,
causando dor e sofrimento aos animais.
As
diretrizes sugeridas por Márcia Raymundo são perfeitamente
aplicáveis aos animais geneticamente modificados. "Em
se tratando do bem estar para animais transgênicos, as regras
e exigências não diferem porque não há
distinção entre genomas quando o tema é bem
estar animal", explica a professora Ana Maria Aparecida Guaraldo,
representante titular do Instituto de Biologia da Unicamp junto
a Comissão de Ética na Experimentação
Animal.
Um
dos motivos que levou Márcia Raymundo a realizar seu estudo
foi sensibilizar os pesquisadores sobre o assunto, chamando a atenção
para o uso adequado e responsável dos animais. Ela afirma
que a necessidade de utilização de animais vai depender
do experimento que será realizado, mas deve-se sempre utilizar
o menor número possível. Além disso, os animais
devem ser substituídos, quando possível, por técnicas
alternativas como cultura de células e/ou tecidos e uso de
modelos matemáticos ou simulações por computador.
A pesquisadora
considera que ainda hoje as três regras propostas pelo zoologista
Willian Russell e o microbiologista Rex Burch em 1959 são
fundamentais para a tomada de atitudes práticas sobre o uso
de animais em experimentos. Estes pesquisadores não se opuseram
ao uso de animais em experimentação, mas apresentaram
uma proposta de regras que visam diminuir o sofrimento dos animais.
Com regras que propõem a substituição de animais
por técnicas alternativas, a redução máxima
de animais utilizados e o refinamento das técnicas utilizadas
nos procedimentos utilizados nos experimentos.
Nem
todos concordam com o uso de animais em experimentos científicos.
"Substituir animais por recursos não-animais em experimentos
científicos deveria valer em si e excluir as opções
subsequentes de reduzir o número de animais e refinar métodos",
diz Nádia Farage. Segundo ela, o que tem acontecido na prática
dentro dos laboratórios é bem diferente das regras
propostas por Russel e Burch. "A idéia de substituição
traz consigo a de recursos alternativos à experimentação
com animais, mas, muito embora tal substituição venha
sendo feita na área do ensino ou na da indústria cosmética,
pouco se verifica no núcleo duro da indústria médico-farmacêutica,
onde os assim chamados recursos alternativos são submetidos
a processos de validação que podem se estender infinitamente
e - triste ironia - podem envolver número crescente de animais.
Assim, a opção correlata de reduzir não tem
se constatado nas últimas décadas; ao contrário,
as estatísticas relativas a laboratórios euro-americanos
indicam que o número de animais utilizados em experimentos
cresceu desde fins da década de 90. A indústria da
biotecnologia, deixada a si mesma, vai fazer com que tais números
apenas se multipliquem". Farage questiona especificamente os
experimentos em biotecnologia. "Nesse campo, há uma
proporção alarmante de cerca de 200 animais doadores
e receptores sacrificados para cada animal transgênico",
deniuncia.
Enquanto
os cientistas buscam formas de justificar e convencer a opinião
pública sobre a utilização de animais em experimentação
animal, movimentos sociais cada vez mais intensos e numerosos são
completamente contra a utilização de animais em experimentos
científicos.
Para
que os animais utilizados em experimentos científicos tenham
seus direitos garantidos, uma legislação coerente
e forte que possa ser cobrada pela sociedade é fundamental,
"apesar da defasagem entre a letra da lei e a prática
social", diz a antropóloga.
Márcia
Raymundo afirma que, de modo geral, o Brasil deixa a desejar quanto
à estrutura adequada para o cuidado com animais em experimentação.
Além da estrutura inadequada, "Ainda não existe
no Brasil uma lei específica para o uso de animais em experimentos
científicos, embora tramitem no Congresso Nacional desde
1996 vários projetos sobre este tema. Existe uma lei sobre
vivissecção, de 1979, mas que não foi regulamentada
e que não aborda questões específicas de experimentação
animal. E a lei de Crimes Ambientais que faz uma pequena referência
quanto ao uso inadequado de animais para fins científicos",
esclarece Raymundo. Essa lei declara criminosa a experimentação
em animais para fins didático-científicos, quando
existirem recursos alternativos.
Farage
considera um avanço a Lei de Crimes Ambientais de 1998 mas
não deixa de apontar falhas. "Tal lei é, sem
dúvida, um avanço, mas há que apontar que é
incerta a definição de recursos alternativos, posto
que a validação de tais recursos fica exclusivamente
a cargo dos pesquisadores interessados, sem passar, portanto, por
controle social. Com honrosas exceções, a grande maioria
das instituições de ensino e pesquisa no país
têm-se apoiado nesta ambigüidade da lei para não
cumpri-la plenamente: deste modo, o ensino das ciências bio-médicas,
campo em que proliferam recursos alternativos representados por
modelos artificiais e simuladores, ainda têm-se valido inercialmente
do sacrifício de animais".
Para
realizarem suas pesquisas, Márcia Raymundo afirma que os
cientistas brasileiros devem utilizar os Princípios Éticos
na Experimentação Animal, proposto pelo Colégio
Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) e podem
também utilizar documentos internacionais, como o Guide
for the Care and Use for Laboratory Animals dos Estados Unidos
e o Guide for the Care and Use for Experimental Animals,
do Canadá. Pesquero conta que no Cedeme os cientistas se
baseiam pelo Guia Internacional de Princípios para Pesquisa
Biomédica, publicado em Genebra em 1985.
Com
relação aos animais transgênicos, a preocupação
está mais voltada para os riscos imprevisíveis que
estes animais podem causar ao meio ambiente e à saúde
humana do que com a qualidade de vida dos animais manipulados geneticamente.
Todos centros de pesquisa que trabalham com organismos geneticamente
modificados precisam ter, por lei, uma Comissão de Biossegurança.
Tamashiro explica que, na Unicamp, a Comissão verifica se
os laboratórios de pesquisa de organismos geneticamente modificados
apresentam condições para fazer a manipulação
e contenção destes organismos, bem como se os pesquisadores
envolvidos no projeto têm o conhecimento necessário
para manipular os animais em laboratório.
Ao
contrário das Comissões de Biossegurança, as
Comissões de Ética, que são responsáveis,
entre outros, por assegurar o bem estar dos animais utilizados em
experimentos, não são obrigatórias por lei.
Essas comissões, existentes na Unicamp e no Cedeme, tem sido
cada vez mais freqüentes nos centros de pesquisa. Um dos motivos,
é que atualmente a publicação de trabalhos
científicos em revistas indexadas internacionais está
condicionada ao bem estar dos animais utilizados. Este fato é
conseqüência de movimentos sociais contrários
ao uso de animais em experimentos científicos.
Os
animais criados pela equipe de Pesquero poderão ser utilizados
no lugar de outros que sentiriam muito mais dor quando submetidos
aos testes nas indústrias farmacêuticas. Porém,
agora que existe uma solução para o sofrimento dos
camundongos "normais", é difícil avaliar
como será a qualidade de vida dos camundongos criados para
serem testados em laboratórios para o resto de suas vidas.
Vale lembrar que, animais geneticamente modificados são ainda
animais.
(JS)
A recomendação dos departamentos de Bioética
é às vezes contraditória com relação
aos direitos dos animais estabelecidos internacionalmente:
É
recomendável que os cientistas que usam animais
em pesquisas sigam os princípios que determinam:
-
que os seres humanos são mais importantes que
os animais, mas os animais também tem importância,
diferenciada de acordo com a espécie considerada;
- que
nem tudo o que é tecnicamente possível
de ser realizado deve ser permitido;
- que
nem todo o conhecimento gerado em pesquisas com animais
é plenamente transponível ao ser humano;
- que
o conflito entre o bem dos seres humanos e o bem dos
animais deve ser evitado sempre que possível.
Fonte:
Núcleo
Interinstitucional de Bioética da UFRGS
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Em
1978 a Unesco publicou a Declaração Universal
dos Direitos dos Animais que dizia, entre outros artigos:
ARTIGO
1º
Todos os animais nascem iguais diante da vida, e têm
o mesmo direito à existência.
ARTIGO 2º
a - Cada animal tem direito ao respeito;
b - O homem, enquanto espécie animal, não
pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais,
ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem
o dever de colocar a sua consciência a serviço
dos outros animais;
ARTIGO
8º
a - A experimentação animal, que implica
em sofrimento físico, é incompatível
com os direitos do animal, quer seja uma experiência
médica, científica, comercial ou qualquer
outra;
b - As técnicas substitutivas devem ser utilizadas
e desenvolvidas.
ARTIGO
14º
Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis,
como os direitos do homem.
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Para saber mais:
_ Raymundo, M.M. Os deveres dos pesquisadores para com os Animais
de Experimentação: uma proposta de auto-regulamentação.
Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Programa de Pós
Graduação em Ciências Biológicas: Fisiologia/Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
_ Site sobre Bioética da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul : http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioetica.htm
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o uso de animais em experimentos científicos e outros temas
afins
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