Transgênicos
x genômica: etapas no melhoramento vegetal
Marcos
Antonio Machado
Os
últimos vinte anos têm sido pródigos em avanços da ciência
e tecnologia vegetal, revertendo em crescente benefício para
algumas etapas do processo produtivo, sem ainda claro beneficio
para componentes finais da cadeia, especificamente os consumidores.
Empresas de biotecnologia iniciaram o processo de liberação de plantas
geneticamente modificadas sem levar em consideração a percepção
pública sobre o tema, conduzindo a reações adversas que variam desde
aspectos técnicos, passando por questões ideológicas, chegando a
aspectos de ordem filosófica. Muitas desses argumentos ocultam atrás
de si grupos interessados em retardar o processo de adoção da tecnologia,
ou de impedir possíveis ganhos de produtividade, evidentemente todos
com nítidos interesses comerciais. Inevitável, portanto, que o tema
ganhasse os tribunais, onde deverá ter uma solução definitiva. Que
se cumpra a lei, ou que ela seja modificada.
Afinal,
estamos ou não participando de um mudança de paradigma no processo
de produção agrícola? Quais os efeitos sobre as estratégias e abordagens
de melhoramento genético, responsável direto pelo aumento de produtividade
agrícola nos últimos 100 anos? Qualquer resposta a essa pergunta
deve considerar fatores associados à espécie em questão, à
extensão da característica genética modificada ou introduzida, ao
domínio e custo da tecnologia, à existência de leis de proteção
adequadas, à opção do produtor/consumidor em plantar/consumir
essas variedades. Na verdade, a atual situação dos transgênicos
reflete parte dessas questões. Até o momento, estão mais difundidos
em espécies ´commodities´ (soja, milho, arroz, algodão, colza),
por si só exigentes de grandes áreas e alta tecnologia, de modo
a reduzir custos de produção e aumentar a produtividade. Desse modo,
é comum encontrar transgênicos nos quais somente uma ou outra característica
monogênica foi introduzida, como resistência a insetos, herbicidas,
regulação de maturação, etc.
Por
outro lado, a tecnologia agregada em uma variedade transgênica reflete
um trabalho de longa duração e de equipe multidisciplinares, exigindo
assim investimento elevado e continuidade. Para tanto, somente empresas
com clara inserção na cadeia produtiva, normalmente produtoras de
insumos, têm demonstrado capacidade de investimento no desenvolvimento
de transgênicos. O setor público, muitas vezes caracterizado por
espasmos de recursos e programas, nem sempre consegue acompanhar
o ritmo exigido no desenvolvimento dessa tecnologia.
Mesmo
considerando-se a complexidade do processo tecnológico dos organismos
geneticamente modificados, o fato é que a inserção de um ou vários
genes estranhos (transgenia) ou não ao grupo, seu estabelecimento
como variedade, não exclui o emprego de melhoramento clássico. Normalmente
os eventos que são testados no desenvolvimento de um transgênico
são vários, no entanto, basta uma única planta modificada para que
ela seja o ponto de partida para a transferência, por métodos tradicionais
de polinização, para outras variedades. Esse OGM pode ser perpetuado
por propagação vegetativa (clonagem), ou servir de doador de pólen
para iniciar programas de cruzamento, permitindo assim que a característica
seja incorporada e propagada por sementes, seja na forma de variedades
seja na forma de híbridos.
Portanto,
o processo de transgenia pode ser definitivamente incorporado aos
processos tradicionais de melhoramento de plantas, devendo ambos
ser complementares, sem o que o fracasso agronômico é garantido.
Impossível admitir, na fase atual de conhecimento, que um ou poucos
genes transferidos por engenharia genética possam ser mais eficientes
que todos os outros milhares presentes no genoma da planta, ou causar
desastres genéticos como argumentam os radicais contra transgênicos.
O
avanço da genômica como uma atividade de consolidação da informação
genética, na qual a identidade e função de genes deverá tornar-se
atividade mais rotineira, permite antever que a transgenia ou a
modificação genética simples tornar-se-ão atividades de mais ampla
aplicação na agricultura. Ignorar esse fato, fará com que o melhoramento
genético torne-se uma ciência complementar, e as distâncias tecnológicas
aumentem consideravelmente. Seria ainda possível participar dessa
´corrida´ ? A resposta necessariamente envolve definição de programação
científica e uma atitude mais pro-ativa da comunidade. De outra
forma, veremos mais uma vez consolidada nossa condição de importadores
de tecnologia e produtores de ´commodities´, que tão bem caracterizam
nossos ciclos de história.
Marcos
Antonio Machado é pesquisador do Instituto Agronômico
de Campinas (IAC)
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