Faltam
pesquisas para avaliar o real risco à saúde
Uma das propriedades de certos alimentos transgênicos é
a de serem mais nutritivos do que os alimentos convencionais, como
é o caso do arroz dourado (Oryza sativa), que tem
grandes quantidades de betacaroteno (substância que origina
a vitamina A). Outros, ainda, podem agregar genes responsáveis
pela produção de hormônios ou substâncias
que ajudam a evitar doenças, como o tomate transgênico
que produz flavonóides (um tipo de antioxidante) em grandes
quantidades. Embora muitos dos benefícios sejam evidentes
e até esperados pela população, dados do IBOPE
de 2001 mostram que 74% dos entrevistados preferem alimentos não-transgênicos;
enquanto 14% dizem optar por organismos geneticamente modificados
(OGM).
Entre
os pesquisadores, é consenso que não existe risco
zero em transgênicos. Entre os principais riscos da inserção
de um ou mais genes no código genético de um organismo
está a produção de novas proteínas alergênicas
ou de substâncias que provocam efeitos tóxicos não
identificados em testes preliminares. Foi o que ocorreu em 1989,
nos Estados Unidos, quando consumidores de um complemento alimentar
contendo triptofano produzido por bactérias transgênicas
adquiriram a síndrome de eosinofilia-mialgia, causando a
morte de 37 pessoas e a invalidez de outras 1500. O fato é
que testes realizados antes da liberação para consumo
haviam estabelecido "equivalência substancial",
ou similaridade na composição do produto não
transgênico. Mas o que os engenheiros genéticos não
contavam é que, com a alteração genética
as bactérias começassem a produzir um novo aminoácido
(unidade de uma proteína) extremamente tóxico, como
ocorreu.
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Paola
Cardarelli -
"Nem
os riscos nem os benefícios são certos e universais.
Ambos deverão ser levados em conta antes da liberação
de um novo alimento"
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Paola
Cardarelli, pesquisadora do Instituto Nacional de Controle de Qualidade
em Saúde (INCQS) da Fiocruz, lembra que existem outros riscos
associados a alimentos derivados de plantações transgênicas
que ainda não foram comprovados cientificamente como, por
exemplo, a possibilidade dos vegetais modificados, que utilizem
genes marcadores (veja no glossário)
de resistência a antibióticos, transmitirem essa resistência
a microrganismos patológicos em humanos que entrarem em contato
com esse alimento.
Atualmente,
os critérios para determinar o risco potencial de um OGM,
aceitos por instituições internacionais como a Organização
Mundial de Saúde (OMS), baseiam-se na equivalência
substancial, como mencionado acima. Mas eles são insuficientes,
devido ao pouco conhecimento científico dos efeitos que a
biotecnologia pode causar. Foi, no entanto, com o argumento de que
os OGM seriam equivalentes em nutrientes aos não modificados
geneticamente, que empresas como a Monsanto (uma das maiores indústrias
agrícolas mundiais, produtora da soja transgênica Roundup
Ready) justificam não ser necessária a rotulagem de
OGMs, como ocorre nos Estados Unidos e na Argentina. "Os parâmetros
[científicos] são muito escassos, em virtude de a
maioria das plantas transgênicas serem consumidas na forma
de derivados, ou indiretamente, quando as mesmas entram na ração
animal. Precisamos lembrar que atualmente só existe consumo
significativo significativo de soja, milho e algodão",
afirma Silvio Valle, pesquisador titular e coordenador do curso
de biossegurança da Fiocruz. Para se ter uma idéia,
cerca de 70% dos alimentos consumidos levam derivados de soja em
sua composição.
O Brasil
tem, segundo a lista divulgada pelo Greenpeace, ONG ambiental internacional,
pelo menos 24 produtos já testados que contêm ingredientes
transgênicos. Dezesseis deles contêm menos do que os
4% de ingredientes geneticamente modificados permitidos pela legislação
brasileira e quatro além dese limite. A maior parte dos produtos
são importadas e fogem ao controle de biossegurança
nacional.
Embora
as opiniões quanto aos riscos que os transgênicos podem
causar à saúde sejam numerosas, as pesquisas realizadas
na área são escassas. Foi o que mostrou José
L. Domingo, do Departamento de Toxicologia da Universidade "Rovira
e Virgili" (Espanha), em artigo publicado na revista científica
Science (v.288, n.5472), em 2000.
"O
principal problema para o desenvolvimento de pesquisas [com OGMs]
é a grande velocidade dos avanços tecnológicos
em relação ao desenvolvimento de mecanismos de controle
e vigilância", afirma Paola Cardanelli. "Um dos
outros obstáculos para a realização de pesquisas
na área é o elevado custo, mas também a falta
de interesse dos produtores da tecnologia e a complacência
dos governos ao não exigir os devidos testes e adotar um
sério programa de biovigilância", critica Valle.
Essa opinião é também compartilhada pelo polêmico
Relatório da Câmara
dos Deputados que afirma que a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio) seria suspeita de receber
grande influência de empresas multinacionais agroquímicas
e de atuar como propagadora dos transgênicos. "Os dados
devem ser confirmados por equipes independentes daquelas contratadas
pela empresa como forma de assegurar a fidelidade dos resultados",
afirmou Glaci Zancan, presidente da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), em palestra proferida durante
o 5º Congresso de Higienistas de Alimentos, em 1999.
Evento
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Acontece
entre os dias 3 e 7 de junho de 2002 o evento "Introdução
à biossegurança e riscos da liberação
de OGM no meio ambiente: abordagem teórica e background
científico", no Centro Internacional de Engenharia
Genética e Biotecnologia, em Trieste, na Itália.
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Metodologias
com um padrão aceitável de segurança, para
que o consumidor possa utilizar OGM em sua dieta sem correr riscos
à saúde, estão em franco desenvolvimento. A
pesquisadora Paola Cardanelli lembra que o INCQS, órgão
de Referência Nacional para as questões científicas
e tecnológicas relativas ao controle de qualidade de produtos,
ambiente e serviços vinculados à Vigilância
Sanitária, desenvolve atividade de pesquisa que serve de
suporte para a geração e validação de
novas técnicas e procedimentos para toda a rede de laboratórios
centrais (LACENs) do país. E, para atender à crescente
demanda da Vigilância Sanitária em detectar resíduos
de OGM nos alimentos processados, o INCQS acaba de implementar um
laboratório de análise de resíduos de transgênicos.
"A Fiocruz também está se preparando para, assim
que aprovada a norma de rotulagem dos alimentos transgênicos
no Brasil, realizar os testes para verificar a segurança
dos produtos, garantir um efetivo sistema de rotulagem e apoiar
os órgãos de vigilência sanitária",
diz Silvio Valle. (veja reportagem sobre
área de legislação brasileira).
Atualmente,
o país faz parte do Comitê do CODEX Alimentarius que
está elaborando as Normas sobre "Princípios para
a Análise de Risco de Alimentos Derivados de Plantas Geneticamente
Modificadas". "Esta norma considera a segurança
e os aspectos nutricionais de alimentos compostos ou derivados de
plantas que tenham um histórico de fonte segura de alimento
e que tenham sido modificadas pela moderna biotecnologia para expressarem
novas características", explicou Cardarelli.
(G.B.)
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