O
futuro que ninguém pediu: favelas e transgênicos!
Enrique
Ortega-Rodríguez
Introdução
Durante
a elaboração da proposta de Agricultura Sustentável
da Agenda 21 do Brasil, em 1997, se colocava nos textos para discussão,
mais ou menos, o seguinte: "O país se encontra no mesmo
dilema de 35 anos atrás: escolher entre uma nova 'revolução
verde' que intensifica insumos, mecanização e concentra
a propriedade ou promover a transição agroambiental,
implementando uma política agrícola alternativa de
cunho ecológico e atendimento às demandas sociais.
Os transgênicos eram apontados como a ameaça concreta
de uma nova intervenção do capital internacional na
agricultura".
O
lobby dos transgênicos é poderoso e aos poucos foi
mudando as regras do sistema agrícola do país. Esse
grupo conseguiu:
- Mudança
nas normas brasileiras relativas a quantidade residual de glifosato
no solo agrícola;
- Compra
de quase todas as empresas brasileiras produtoras de sementes;
- Formação
de oligopólios internacionais na produção
de sementes;
- Convênio
com Embrapa para atuar no desenvolvimento de sementes de soja;
- Realização
de pesquisas sobre soja transgênica em vários lugares
do país;
- Omissão
frente ao plantio proibido de soja transgênica no Brasil;
- Mudança
de prioridades da discussão sobre o futuro da agricultura
do país, roubando o espaço e o tempo da análise
de programas e projetos voltados às prioridades nacionais
e transformando essa discussão em um confronto entre pessoas
com posturas a favor ou contra os transgênicos, esquecendo
todo o restante.
Apesar
de tudo eles não conseguiram enganar a opinião pública,
pois várias das suas argumentações enganosas
foram derrubadas. Fracassaram ao intentar:
- Vender
a idéia de que era uma proposta ecológica;
- Veicular
a imagem de produto seguro e benéfico à família;
- Convencer
que era uma proposta social que acabaria com a fome no mundo;
- Vincular
modernidade tecnológica a uma proposta destrutiva da biodiversidade,
do emprego e da cultura nacional.
Mas
o lobby não desiste facilmente, e nos obriga a desviar nossa
atenção e nossa pesquisa para analisar propostas anti-sociais,
anti-ecológicas, energeticamente ineficientes e anti-econômicas.
Qual
é a verdade sobre os transgênicos? Como podemos nos
defender dessa ameaça?
Dados
de uma pesquisa em andamento
Pela
importância da soja para o Brasil decidimos analisar os principais
sistemas de produção em termos ecológicos e
econômicos e sociais usando para tal a metodologia energética
de base sistêmica (Odum, 1996).
Figura
1. Diagrama de fluxos de energia do sistema de produção
de soja.
Todos
os fluxos de materiais, energia e monetários mostrados na
Figura 1 foram convertidos em fluxos de energia solar equivalente
(emergia) usando os índices denominados Transformidades.
A emergia é a quantidade de Joules (de um certo tipo) necessária
para a produção de um bem ou de um serviço,
esse custo energético representa o verdadeiro valor do recurso
produzido (Odum, 2000). Construímos uma tabela com os valores
de custo energético de cada insumo para elaborar um diagnóstico
energético-ecológico. Os dados foram levantados e
analisados por Ortega, Miller & Anami (2000) e Miller &
Ortega (2001). As tabelas contem como dados básicos os valores
dos fluxos de insumos por hectare de produção de soja
no período de um ano. Para avaliar o impacto no país,
foi feita uma extrapolação considerando que a área
inteira de soja no Brasil (12,6 milhões de hectares) fosse
cultivada com apenas uma opção de cultivo. Na preparação
das tabelas foram considerados os insumos correspondentes aos rendimentos
habituais.
Identificamos
três modelos de produção que competem para constituir-se
na opção a ser adotada pela sociedade:
- A
produção da pequena propriedade de gestão
familiar com práticas de cunho agroecológico herdadas
do padrão de agricultura européia dos colonos que
ocuparam, e ainda usam, as terras de regiões serranas dos
estados do Sul do país;
- A
produção de médio produtor com tecnologia
da primeira revolução verde intensiva no uso de
maquinário e insumos (fertilizantes químicos e pesticidas
tóxicos) e que emprega poucos trabalhadores;
- A
produção de sistemas grandes que adotaram o plantio
direto e o uso de herbicidas com aplicação pré-emergente,
os quais dispensam a mão-de-obra rural existente e tendem
a adotar a opção transgênica.
Ainda
há outras opções interessantes que não
tivemos tempo de estudar, entre elas o pequeno produtor com agricultura
convencional ou plantio direto-herbicida, e o médio e o grande
produtor orgânicos. Esta pesquisa será retomada em
breve.
Fatos
que começam a se tornar evidentes
Uso de herbicidas e fertilizantes
|
Agroquímica
|
Plantio
direto/ herbicida |
Agroecolócia |
Itens |
US$
milhões / ano |
Fertilizante
nitrogenado |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
Fertilizante
fosfatado |
340,20 |
567,00 |
756,00 |
Fertilizante
de potássio |
756,00 |
504,00 |
113,40
|
Herbicidas |
812,70 |
1568,70 |
0,00 |
Total |
1908,90 |
2639,70 |
869,40 |
Fontes:
FNP, 2000 e Empresa Agrorgânica.
Na
opção agroquímica são gastos anualmente
quase US$ 2 bilhões com fertilizantes e herbicidas. No plantio
direto-herbicida são gastos US$ 2,6 bilhões, pois
o consumo de herbicidas é maior!. Ambos valores são
muito maiores que os da opção agroecológica,
na qual gasta-se US$ 869 milhões com fertilizantes (os herbicidas
são proibidos).
Pesticidas
|
Agroquímica |
Plantio
direto / herbicida |
Agroecológica |
Itens |
US$
milhões / ano |
Inseticidas |
294,16 |
234,28 |
130,16 |
Formicidas |
106,34 |
106,34 |
0,00 |
Fungicidas |
23,37 |
23,37 |
0,00 |
Fontes:
FNP, 2000 e Empresa Agrorgânica.
Gasta-se
em inseticidas três vezes mais na agroquímica e duas
vezes mais na opção plantio direto-herbicida que na
agroecológica. Outros pesticidas: nos sistemas agroquímico
e plantio direto/herbicida os gastos giram em torno de US$ 130 milhões.
Na opção agroecológica plenamente desenvolvida
o custo é nulo.
Esterco,
calcário e inoculante
|
Agroquímica |
Plantio
direto / herbicida |
Agroecológica |
Itens |
US$
milhões / ano |
Esterco
(20%U) |
0,03 |
0,00 |
579,67 |
Calcário |
264,60 |
264,60 |
0,00 |
Inoculante |
294,16 |
234,28 |
130,16 |
Fontes:
FNP, 2000 e Empresa Agrorgânica.
Há
um gasto de US$ 600 milhões com esterco no sistema orgânico.
A vantagem é que este insumo provém de fontes renováveis
locais e, se usado corretamente, não acarretará problemas
para a natureza. A opção orgânica economiza
quando se trata do uso de calcário pois não utiliza
este insumo. Os dois outros sistemas têm praticamente o mesmo
gasto: US$ 264 milhões cada um. A opção orgânica
também economiza quando se trata do uso de inoculante. São
mais de US$ 8 milhões a menos.
Mão-de-obra
|
Agroquímica |
Plantio
direto / herbicida |
Agroecológica |
Itens |
US$
milhões / ano |
Mão-de-obra
simples |
13,44 |
0,00 |
638,40 |
Mão-de-obra
qualificada |
23,52 |
5,88 |
0,00 |
Mão-de-obra
administrativa |
53,93 |
53,93 |
53,93 |
Fontes:
FNP, 2000 e Empresa Agrorgânica.
A agroecológica
usa mão-de-obra. As opções agroquímica
e plantio direto/herbicida fazem maior uso de tecnologia mecânica
e, por isso, os gastos são principalmente com a mão-de-obra
administrativa, já que dispensam trabalho manual na lavoura.
Indicadores
econômicos e sociais dos tipos de produção de
soja no Brasil.
|
Agroquimico |
Plantio
direto / herbicida |
Agroecológico |
Rentabilidade
Econômica |
0,89 |
0,73 |
1,08 |
Preço
Obtido (dolares/kg) |
0,22 |
0,22 |
0,29 |
Empregos
país / anos |
30240 |
3700 |
701820 |
Insumos
Importados (bilhões de dólares / ano) |
2,3 |
3,0 |
1,0 |
A
partir de dados de FNP, 2000 e Agrorgânica, 2000.
O
lucro econômico por hectare é maior na opção
agroecológica. A rentabilidade é consideravelmente
maior para agricultura agroecológica (1,08) que para a agroquímica
(0,89) e plantio direto / herbicida (0,73). A razão é
que os insumos químicos são caros e o preço
para a soja agroecológica é melhor. Hoje em dia, a
opção agroquímica sustenta 30240 trabalhos
rurais no país inteiro. Se opção de plantio
direto/herbicida se tornar dominante o trabalho diminuirá
a 3700 trabalhos e 26000 pessoas migrarão para cidades. No
caso de produção agroecológica crescerá
o número de trabalhos e poderiam ser criados 701.820 trabalhos
novos se houvesse uma intenção política de
gerar emprego nesse setor da economia. A balança de pagamentos
poderia ser melhorada pela opção agroecológica
em forma importante 2,0 bilhões de dólares cada ano!
Sustentabilidade
% R= 100*(R/Y) = emergia dos recursos renováveis / emergia
total
A
renovabilidade nos fornece um valor numérico da sustentabilidade.
A renovabilidade do sistema químico e do plantio direto-herbicida
é similar (24%), mas ambas são menores que a correspondente
ao cultivo agroecológico (55%). A opção agroecológica
tem uma maior auto-suficiência. O índice poderia ser
maior se a metodologia permitisse considerar o esterco como recurso
renovável e não como um insumo da economia.
Figura
2: Comparação entre rentabilidade, renovabilidade
e o tamanho de fazendas.
Figura
3. Tamanho da unidade agrícola versus Emprego e Renda da
propriedade .
Descobrimos
o seguinte:
- A
agricultura familiar agroecológica usa com eficiência
os recursos naturais e econômicos. Obtém insumos
gratuitos do ecossistema devido às práticas ecológicas
que adota, assim torna-se sustentável e consegue produzir
a baixo custo. Preserva a reserva legal, obtém benefício
dela e colabora com os serviços ambientais regionais. Mantém
o emprego e se for adotada como modelo na Reforma Agrária
ou na re-estruturação fundiária geraria muito
trabalho direto e indireto, de boa qualidade.
- O
médio produtor convencional sofre com o aumento do preço
dos insumos e existe uma tendência à baixa do preço
da soja. O sistema de cultivo perde muito solo (riqueza produzida
pela natureza em longo tempo). O impacto ambiental que produz
é grande. Caso mude para o sistema de plantio direto-herbicida
gera desemprego. Se quiser mudar para agricultura orgânica
na transição perderá o apoio dos bancos para
as verbas de custeio. A conversão destes sistemas para
a agroecologia deve considerar valores sociais e a questão
de escala;
- As
grandes fazendas, que adotaram o plantio direto com herbicidas
de aplicação pré-emergente, não sofrem
qualquer tipo de ônus pela destruição dos
ecossistemas naturais, pelo não cumprimento das disposições
legais de tipo ambiental vigentes, pela dispensa de trabalho humano
que é substituído pelo trabalho químico,
pela poluição das águas do subsolo e dos
rios. O lucro por fazenda é grande não por causa
da produtividade apenas pela extensão do terreno utilizado.
No caso de adotar a opção transgênica, passariam
a ser totalmente controlados desde o exterior: sementes, fertilizantes,
herbicidas e pesticidas importados, cujos preços são
fixados fora. Em outras palavras: esse tipo de agricultor seria
terceirizado pelos oligopólios que dominam esse tipo de
agricultura no mundo. Veja os problemas sociais do país
vizinho, a Argentina que correu atrás dos transgênicos
e empobreceu as cidades e a nação, apesar de ter
recursos naturais abundantes.
Para
pensar com cuidado antes de decidir pois o custo social será
muito alto
- Que
conjuntos humanos seriam beneficiados e quais prejudicados pela
adoção dos transgênicos? O interesse de uns
poucos se sobrepondo ao da maioria!
- Poderá
ocorrer anualmente uma enorme saída de dinheiro sem necessidade!
- Êxodo
rural previsto de 30 milhões de pessoas! Haja crescimento
de favelas!
- Lembre
que a fome e o desassossego são fruto desse desemprego.
Enrique
Ortega-Rodríguez é professor da Faculdade de Engenharia
de Alimentos da Unicamp
Referência
citada:
Odum,
H.T. Environmental Accounting. Emergy in Environmental Decision
Making. John Wiley, New York, 1996.
Outras
informações na página web do Laboratório
de Engenharia Ecológica:
URL:
http://www.unicamp.br/fea/ortega/
Dados
econômicos de grande atualidade em:
Flávia
Londres. Transgênicos no Brasil: as verdadeiras conseqüências.
Revista Candeia, uma publicação do IFAS- Instituto
de Formação e Assessoria Sindical Rural "Sebastião
Rosa da Paz". No prelo.
|