Contrabando,
Contaminações e Experiências
Apesar
da proibição do cultivo para a comercialização
de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), existem no Brasil
dois tipos de plantações transgênicas: as clandestinas
e as experimentais. As plantações clandestinas de
transgênicos se alastram por vários estados do Brasil,
principalmente no Sul, através de sementes contrabandeadas
da Argentina e do Paraguai, onde o cultivo é liberado. O
Ministério da Agricultura não tem um levantamento
do número de lavouras transgênicas ilegais no Brasil
mas reconhece que elas existem.
A polêmica
sobre a plantação de transgênicos no país
provocou várias batalhas judiciais, envolvendo interesses
políticos e econômicos. De um lado a União e
empresas nacionais e multinacionais e do outro lado as ONGs (Organizações
Não-Governamentais) de trabalhadores rurais e ambientalistas.
Apesar de não haver uma lei e uma política específica
para o assunto, o Governo, através da CTNBio (Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança), do Ministério
da Agricultura e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária),
acena para a liberação dos OGMs, alegando que o Brasil
está perdendo produtividade e competitividade no mercado
internacional.
Os
ambientalistas questionam a forma como são feitas as lavouras
experimentais e criticam a falta de fiscalização para
coibir o contrabando de sementes transgênicas. As ONGs, como
o Greenpeace, associações indígenas e o MST
(Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), condenam a produção
e a experimentação com OGMs por temer acidentes ecológicos
e contaminações de outras lavouras e do meio-ambiente.
O Greenpeace
entrou com uma liminar na Justiça requisitando a interdição
de lavouras experimentais e a suspensão dos pedidos de autorização
pela CTNBio. A ação do Greenpeace baseou-se na Lei
dos Agrotóxicos, já que alguns tipos de transgênicos,
como o milho e o algodão Bt, contém mecanismos biológicos
para matar os insetos que infestam as lavouras. A Justiça
chegou a proibir as autorizações mas, segundo a assessoria
da CTNBio, a ação foi revertida e os novos pedidos
já estão sendo analisados novamente.
A coordenadora
da campanha de engenharia genética do Greenpeace, Mariana
Paoli, diz que existe um perigo muito claro de contaminação
de uma lavoura de transgênicos para as lavouras comuns. "O
problema maior é o caso do milho que se reproduz através
da polinização, com a ação do vento,
de pássaros e de insetos. Pode ocorrer uma polinização
cruzada, com o pólen de milho transgênico viajando
em distâncias de até dez quilômetros", diz
Paoli.
O
milho sagrado
A contaminação
do milho transgênico não preocupa só os ambientalistas.
Comunidades indígenas brasileiras temem que suas variedades
de espécies de milho estejam ameaçadas. O milho é
nativo da América e é considerado um alimento sagrado
por muitas etnias em todo o continente. Na tradição
do povo Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, o milho branco é
sagrado e toda a mitologia e os rituais estão ligados aos
ciclos de plantação e colheita.
Na
região do Cerrado, no Centro-Oeste do Brasil, há uma
grande diversidade genética de milhos nativos, que são
plantados há séculos pelos antepassados dos índios
atuais, como por exemplo, as várias etnias do Parque Nacional
do Xingu e dos Xavante, no Estado de Mato Grosso.
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Cipissé
Xavante - contra os trangênicos. Foto: Guto Pascoal
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O presidente
da Associação Aliança dos Povos do Roncador
da Aldeia Weperã, Cipassé Xavante, diz que existem
muitos tipos de milho tradicionais plantados pelo seu povo. "Há
o milho branco, o vermelho, o amarelo, o laranja, o roxo e o marrom,
com uma cor meio misturada". "Com os cruzamentos de bicho
e sementes, no futuro, pode não ter controle, pode ser perigoso,
não vai mais ter as coisas naturais, vai ser tudo misturado
e pode até mudar o sabor da comida", diz o Xavante.
Cipassé diz que não são só os Xavante
que são contrários à produção
de transgênicos. A Associação Warã, da
Aldeia Abelhinha, também se posiciona contra os transgênicos
e lançou no ano passado a campanha "Salve o Cerrado",
para preservar o ecossistema da terra onde habitam e manter seus
traços culturais.
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Milho
nativo do estado do Mato Grosso cultivado pelas comunidades
indígenas do Xingu. Foto: Guto Pascoal
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Outra
polêmica internacional, envolvendo a contaminação
com milho transgênico, aconteceu no México, na região
de Oaxaca e Puebla. A revista científica Nature publicou
um artigo, no dia 29 de novembro de 2001, que relatava a contaminação
de milho transgênico plantado nos Estados Unidos em plantações
de camponeses mexicanos. Mas, na primeira semana de abril deste
ano, seis meses depois de publicada a notícia, a Nature divulgou
uma nota editorial afirmando que "as evidências disponíveis
não são suficientes para justificar a publicação
do artigo original", ou seja, desmentindo a contaminação.
Os
autores do artigo original, David Quist e Ignacio Chapela, da Universidade
da Califórnia em Berkeley, afirmam que seus estudos estavam
certos e que outras pesquisas feitas pelo governo mexicano confirmam
os resultados. A organização internacional ETC
Group (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia
e Concentração), com sede no Canadá, divulgou
um comunicado no qual afirma estranhar a retratação
da revista científica e que acredita ter havido manipulação
de governos e indústrias e disputas entre a comunidade científica.
Segundo
o Greenpeace, na região da província de Oaxaca, mais
de 300 variedades selvagens e locais de milho estão sob suspeita
de contaminação. Esta seria originada de plantações
dos Estados Unidos já que, desde 1998, o milho trasngênico
é proibido no México. A região de Vales, no
Sul do México, e a América Central são consideradas
como o local de origem do milho e um centro de diversidade genética
do cereal. Hoje, o México é um dos principais produtores
agrícolas mundiais.
Contrabando
Agrário
No
Estado do Paraná foram identificadas e interditadas 56 propriedades
com plantações de soja transgênica clandestina.
A fiscalização encontrou plantações
mistas, com soja convencional e transgênica - que tem o grão
menor do que a comum - misturadas na mesma lavoura.
A suspeita
de técnicos do Paraná é de que o problema não
esteja restrito ao contrabando das sementes vindas da Argentina.
"Pode haver campos de multiplicação de sementes,
pode ser o equipamento, polinização cruzada ou materiais
de pesquisas experimentais. Estamos tentando entender e fazendo
acareações entre os produtores para identificar o
problema", diz Alvir Jacó, responsável pelo setor
de transgênicos do Departamento de Fiscalização
Sanitária da Secretaria de Agricultura do Paraná.
Além do prejuízo com a perda de arrecadação
da safra interditada, o estado deve arcar com os custos da destruição
das lavouras e do ressarcimento aos produtores, que são instruídos
a não plantar mais soja na próxima safra para evitar
mais contaminações.
No
Rio Grande do Sul, existem várias plantações
transgênicas, apesar de não haver nenhum número
oficial. O pesquisador Edson Iorczeski, da Embrapa -Trigo de Passo
Fundo, diz que oficialmente não há um levantamento,
mas que há comentários entre os produtores sobre as
plantações de soja com as sementes argentinas. "Eu
acredito que esses agricultores cometeram dois erros. O primeiro
é não observar a lei. O segundo é trazer sementes
que não foram testadas e sem uma avaliação
de produção".O pesquisador afirma que "há
um risco muito sério de importar pragas".
O chefe
da Embrapa -Trigo de Passo Fundo, Benami Balaltchuk, diz que não
há pesquisa de campo para saber quais áreas estão
plantadas com transgênicos. Segundo ele, a Embrapa não
é um órgão fiscalizador e se restinge a fazer
as análises de materiais enviados pela Justiça Federal.
"Há uma suposição, calculada com a queda
das vendas de indústrias de sementes, de que alguns produtores
estejam plantando 30% de soja transgênica em suas propriedades".
Balaltchuk
aponta um outro grave problema: a contaminação durante
a estocagem. "Se tem plantação transgênica,
não está havendo segregação de armazenagem
e as sementes transgênicas estão sendo misturadas com
as comuns. Se for feita uma análise da soja, todo o estoque
será considerado transgênico", diz Balaltchuk.
"Maradona"
e "Mercedes 70"
Os
pesquisadores Rubens Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e Deonisio Destro, da Universidade Estadual de Londrina fizeram
um estudo em nove lavouras de soja da região de Palmeira
das Missões - RS. Eles encontraram referências de dois
tipos de sojas transgênicas vindas da Argentina; a soja "maradona"
e a "mercedes 70". A soja "maradona" recebeu
o apelido porque, além de ser argentina, "tem droga
dentro da semente" (o herbicida), segundo os produtores locais.
A "mercedes 70", tem esse nome porque teria chegado ao
Brasil contrabandeada em caminhões Mercedez-Benz ano 70.
O relatório
dos pesquisadores aponta a existência de infestação
generalizada do inseto Lagria villosa, chamado popularmente de burrinho.
Este inseto não deveria causar danos às lavouras de
soja, pois se alimenta de outras plantas em decomposição.
Mas, segundo o relatório, os agricultores informam que o
burrinho passou a se alimentar de lavouras de soja. A explicação
é que "quando o efeito do herbicida é total,
não resta alimento de outras plantas e o burrinho passa a
se alimentar de soja", dizem os produtores. Com o levantamento
dessas e outras informações, os cientistas dizem "que
não é possível descartar a hipótese
de que este inseto já esteja atacando a soja, o que poderia
tornar-se uma praga com possibilidades de causar danos econômicos
consideráveis".
O problema
de contaminações de outras lavouras também
é relatado, apontando a proximidade de diferentes culturas
em uma mesma propriedade. A soja transgênica resistente ao
herbicida Roudup é plantada lado a lado, ou a poucos metros
de distância de lavouras convencionais. Os pesquisadores fazem
a seguinte observação: "isto é suficiente
para que ocorram cruzamentos entre ambas, pois a taxa de cruzamento
entre variedades de soja pode chegar a 3%. Cruzamentos entre variedades
transgênicas e não transgênicas também
foram comprovadas experimentalmente por pesquisadores da Embrapa.
Ou seja, é possível que a transferência do gene
de resistência ao herbicida Roundup (glifosato) já
esteja disseminado em milhares de plantas cultivares, que não
eram transgênicas".
Outros
problemas relatados foram relacionados à produtividade da
soja, que não é apropriada ao solo e ao clima do Rio
Grande do Sul. Algumas conseqüências foram a baixa estatura
das plantas, baixa taxa de germinação e rachaduras
no caule da "mercedes 70", causadas pela pouca resistência
à seca. Em algumas lavouras, a taxa de herbicida teve de
ser aumentada, porque segundo os pesquisadores, algumas plantas
daninhas já não são tão suscetíveis
as doses recomendadas pelo fabricante.
Segundo
Luiz Antônio Barreto de Castro, chefe da unidade de Recursos
Genéticos da Embrapa, há no Brasil cerca de 3 milhões
de hectares plantados com a soja transgênica argentina, um
número calculado a partir da redução do consumo
de semente, comum nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina
e Goiás. Para Castro, no Rio Grande do Sul, cerca de 60%
da safra de soja deste ano é provavelmente modificada.
Laboratórios
a Céu Aberto
As
lavouras experimentais são autorizadas pela CTNBio. As principais
lavouras, são de soja e milho, mas há culturas de
algodão, feijão, arroz, batata, cana-de-açúcar,
mamão, eucalipto e fumo. A área total de plantações
transgênicas autorizadas pela CTNBio é de 682,7 hectares,
totalizando 874 liberações desde a criação
da comissão, em 1995 (www.ctnbio.gov.br).
São plantações pequenas, com cerca de 1 hectare
para cada cultura.
A maioria
dessas lavouras concentra-se em São Paulo, Rio Grande do
Sul e Paraná, mas há experimentos em área de
cerrado, no Centro-Oeste do Brasil. Os pedidos de liberação
foram feitos pela Embrapa, Monsanto, Aventis, Pioneer, Basf. Braskalb,
entre outros. Este ano ainda não foi emitido nenhum parecer
favorável para novas lavouras.
A norma
da CTNBio prevê vários cuidados, desde o manejo até
o transporte de materiais geneticamente modificados. Para que seja
autorizada a plantação, há um processo de avaliação
pelas várias instituições envolvidas, incluindo
visitas, fiscalizações e entregas de relatórios.
Mas há alguns pontos que não estão bem definidos,
como a distância que deve ser mantida de uma lavoura para
outra. Segundo a assessoria de imprensa da CTNBio, está sendo
formulada uma nova instrução normativa para definir
as distâncias mínimas, que deverá ser discutida
na próxima reunião da comissão, no mês
de maio.
(G.P.)
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