Editorial:

O alarde dos transgênicos
Carlos Vogt

Reportagens:
Brasil e mundo se dividem em aceitar ou não os transgênicos
A batalha jurídica ainda não terminou
Pequenos produtores rurais são contra transgênicos
Contrabando, contaminções e experiências no Brasil
Sementeiras brasileiras foram engolidas pelas multinacionais
Agricultura orgânica pode ser alternativa aos transgênicos
Faltam pesquisas para avaliar os riscos à saúde
Brasil terá de desenvolver protocolos de segurança ambiental
Animais transgênicos de laboratório e a saúde humana
Ética para os animais transgênicos
Artigos:
OGMS: a estrutura da controvérsia
Hugh Lacey

O futuro que ninguém pediu: favelas e transgênicos!
Enrique Ortega

A questão da saúde nos alimentos geneticamente modificados
Franco Lajolo
Patentes em biotecnologia no Brasil
Maria Isabel de Oliveira Penteado
Transgênicos x Genômica: etapas no melhoramento vegetal
Marcos Machado
Oportunidades e desafios
João Paulo Feijão Teixeira
Riscos ecológicos dos OGMs: o que se diz e o que se entende
Flávia Natércia
Os transgênicos rondam sua cozinha
Luisa Massarani e Ildeu de Castro Moreira
Poema:
Inconcluso
Carlos Vogt
 
Bibliografia
Créditos
Glossário
 

Contrabando, Contaminações e Experiências

Apesar da proibição do cultivo para a comercialização de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), existem no Brasil dois tipos de plantações transgênicas: as clandestinas e as experimentais. As plantações clandestinas de transgênicos se alastram por vários estados do Brasil, principalmente no Sul, através de sementes contrabandeadas da Argentina e do Paraguai, onde o cultivo é liberado. O Ministério da Agricultura não tem um levantamento do número de lavouras transgênicas ilegais no Brasil mas reconhece que elas existem.

A polêmica sobre a plantação de transgênicos no país provocou várias batalhas judiciais, envolvendo interesses políticos e econômicos. De um lado a União e empresas nacionais e multinacionais e do outro lado as ONGs (Organizações Não-Governamentais) de trabalhadores rurais e ambientalistas. Apesar de não haver uma lei e uma política específica para o assunto, o Governo, através da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), do Ministério da Agricultura e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), acena para a liberação dos OGMs, alegando que o Brasil está perdendo produtividade e competitividade no mercado internacional.

Os ambientalistas questionam a forma como são feitas as lavouras experimentais e criticam a falta de fiscalização para coibir o contrabando de sementes transgênicas. As ONGs, como o Greenpeace, associações indígenas e o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), condenam a produção e a experimentação com OGMs por temer acidentes ecológicos e contaminações de outras lavouras e do meio-ambiente.

O Greenpeace entrou com uma liminar na Justiça requisitando a interdição de lavouras experimentais e a suspensão dos pedidos de autorização pela CTNBio. A ação do Greenpeace baseou-se na Lei dos Agrotóxicos, já que alguns tipos de transgênicos, como o milho e o algodão Bt, contém mecanismos biológicos para matar os insetos que infestam as lavouras. A Justiça chegou a proibir as autorizações mas, segundo a assessoria da CTNBio, a ação foi revertida e os novos pedidos já estão sendo analisados novamente.

A coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace, Mariana Paoli, diz que existe um perigo muito claro de contaminação de uma lavoura de transgênicos para as lavouras comuns. "O problema maior é o caso do milho que se reproduz através da polinização, com a ação do vento, de pássaros e de insetos. Pode ocorrer uma polinização cruzada, com o pólen de milho transgênico viajando em distâncias de até dez quilômetros", diz Paoli.

O milho sagrado

A contaminação do milho transgênico não preocupa só os ambientalistas. Comunidades indígenas brasileiras temem que suas variedades de espécies de milho estejam ameaçadas. O milho é nativo da América e é considerado um alimento sagrado por muitas etnias em todo o continente. Na tradição do povo Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, o milho branco é sagrado e toda a mitologia e os rituais estão ligados aos ciclos de plantação e colheita.

Na região do Cerrado, no Centro-Oeste do Brasil, há uma grande diversidade genética de milhos nativos, que são plantados há séculos pelos antepassados dos índios atuais, como por exemplo, as várias etnias do Parque Nacional do Xingu e dos Xavante, no Estado de Mato Grosso.

Cipissé Xavante - contra os trangênicos. Foto: Guto Pascoal

O presidente da Associação Aliança dos Povos do Roncador da Aldeia Weperã, Cipassé Xavante, diz que existem muitos tipos de milho tradicionais plantados pelo seu povo. "Há o milho branco, o vermelho, o amarelo, o laranja, o roxo e o marrom, com uma cor meio misturada". "Com os cruzamentos de bicho e sementes, no futuro, pode não ter controle, pode ser perigoso, não vai mais ter as coisas naturais, vai ser tudo misturado e pode até mudar o sabor da comida", diz o Xavante. Cipassé diz que não são só os Xavante que são contrários à produção de transgênicos. A Associação Warã, da Aldeia Abelhinha, também se posiciona contra os transgênicos e lançou no ano passado a campanha "Salve o Cerrado", para preservar o ecossistema da terra onde habitam e manter seus traços culturais.

Milho nativo do estado do Mato Grosso cultivado pelas comunidades indígenas do Xingu. Foto: Guto Pascoal

Outra polêmica internacional, envolvendo a contaminação com milho transgênico, aconteceu no México, na região de Oaxaca e Puebla. A revista científica Nature publicou um artigo, no dia 29 de novembro de 2001, que relatava a contaminação de milho transgênico plantado nos Estados Unidos em plantações de camponeses mexicanos. Mas, na primeira semana de abril deste ano, seis meses depois de publicada a notícia, a Nature divulgou uma nota editorial afirmando que "as evidências disponíveis não são suficientes para justificar a publicação do artigo original", ou seja, desmentindo a contaminação.

Os autores do artigo original, David Quist e Ignacio Chapela, da Universidade da Califórnia em Berkeley, afirmam que seus estudos estavam certos e que outras pesquisas feitas pelo governo mexicano confirmam os resultados. A organização internacional ETC Group (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração), com sede no Canadá, divulgou um comunicado no qual afirma estranhar a retratação da revista científica e que acredita ter havido manipulação de governos e indústrias e disputas entre a comunidade científica.

Segundo o Greenpeace, na região da província de Oaxaca, mais de 300 variedades selvagens e locais de milho estão sob suspeita de contaminação. Esta seria originada de plantações dos Estados Unidos já que, desde 1998, o milho trasngênico é proibido no México. A região de Vales, no Sul do México, e a América Central são consideradas como o local de origem do milho e um centro de diversidade genética do cereal. Hoje, o México é um dos principais produtores agrícolas mundiais.

Contrabando Agrário

No Estado do Paraná foram identificadas e interditadas 56 propriedades com plantações de soja transgênica clandestina. A fiscalização encontrou plantações mistas, com soja convencional e transgênica - que tem o grão menor do que a comum - misturadas na mesma lavoura.

A suspeita de técnicos do Paraná é de que o problema não esteja restrito ao contrabando das sementes vindas da Argentina. "Pode haver campos de multiplicação de sementes, pode ser o equipamento, polinização cruzada ou materiais de pesquisas experimentais. Estamos tentando entender e fazendo acareações entre os produtores para identificar o problema", diz Alvir Jacó, responsável pelo setor de transgênicos do Departamento de Fiscalização Sanitária da Secretaria de Agricultura do Paraná. Além do prejuízo com a perda de arrecadação da safra interditada, o estado deve arcar com os custos da destruição das lavouras e do ressarcimento aos produtores, que são instruídos a não plantar mais soja na próxima safra para evitar mais contaminações.

No Rio Grande do Sul, existem várias plantações transgênicas, apesar de não haver nenhum número oficial. O pesquisador Edson Iorczeski, da Embrapa -Trigo de Passo Fundo, diz que oficialmente não há um levantamento, mas que há comentários entre os produtores sobre as plantações de soja com as sementes argentinas. "Eu acredito que esses agricultores cometeram dois erros. O primeiro é não observar a lei. O segundo é trazer sementes que não foram testadas e sem uma avaliação de produção".O pesquisador afirma que "há um risco muito sério de importar pragas".

O chefe da Embrapa -Trigo de Passo Fundo, Benami Balaltchuk, diz que não há pesquisa de campo para saber quais áreas estão plantadas com transgênicos. Segundo ele, a Embrapa não é um órgão fiscalizador e se restinge a fazer as análises de materiais enviados pela Justiça Federal. "Há uma suposição, calculada com a queda das vendas de indústrias de sementes, de que alguns produtores estejam plantando 30% de soja transgênica em suas propriedades".

Balaltchuk aponta um outro grave problema: a contaminação durante a estocagem. "Se tem plantação transgênica, não está havendo segregação de armazenagem e as sementes transgênicas estão sendo misturadas com as comuns. Se for feita uma análise da soja, todo o estoque será considerado transgênico", diz Balaltchuk.

"Maradona" e "Mercedes 70"

Os pesquisadores Rubens Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Deonisio Destro, da Universidade Estadual de Londrina fizeram um estudo em nove lavouras de soja da região de Palmeira das Missões - RS. Eles encontraram referências de dois tipos de sojas transgênicas vindas da Argentina; a soja "maradona" e a "mercedes 70". A soja "maradona" recebeu o apelido porque, além de ser argentina, "tem droga dentro da semente" (o herbicida), segundo os produtores locais. A "mercedes 70", tem esse nome porque teria chegado ao Brasil contrabandeada em caminhões Mercedez-Benz ano 70.

O relatório dos pesquisadores aponta a existência de infestação generalizada do inseto Lagria villosa, chamado popularmente de burrinho. Este inseto não deveria causar danos às lavouras de soja, pois se alimenta de outras plantas em decomposição. Mas, segundo o relatório, os agricultores informam que o burrinho passou a se alimentar de lavouras de soja. A explicação é que "quando o efeito do herbicida é total, não resta alimento de outras plantas e o burrinho passa a se alimentar de soja", dizem os produtores. Com o levantamento dessas e outras informações, os cientistas dizem "que não é possível descartar a hipótese de que este inseto já esteja atacando a soja, o que poderia tornar-se uma praga com possibilidades de causar danos econômicos consideráveis".

O problema de contaminações de outras lavouras também é relatado, apontando a proximidade de diferentes culturas em uma mesma propriedade. A soja transgênica resistente ao herbicida Roudup é plantada lado a lado, ou a poucos metros de distância de lavouras convencionais. Os pesquisadores fazem a seguinte observação: "isto é suficiente para que ocorram cruzamentos entre ambas, pois a taxa de cruzamento entre variedades de soja pode chegar a 3%. Cruzamentos entre variedades transgênicas e não transgênicas também foram comprovadas experimentalmente por pesquisadores da Embrapa. Ou seja, é possível que a transferência do gene de resistência ao herbicida Roundup (glifosato) já esteja disseminado em milhares de plantas cultivares, que não eram transgênicas".

Outros problemas relatados foram relacionados à produtividade da soja, que não é apropriada ao solo e ao clima do Rio Grande do Sul. Algumas conseqüências foram a baixa estatura das plantas, baixa taxa de germinação e rachaduras no caule da "mercedes 70", causadas pela pouca resistência à seca. Em algumas lavouras, a taxa de herbicida teve de ser aumentada, porque segundo os pesquisadores, algumas plantas daninhas já não são tão suscetíveis as doses recomendadas pelo fabricante.

Segundo Luiz Antônio Barreto de Castro, chefe da unidade de Recursos Genéticos da Embrapa, há no Brasil cerca de 3 milhões de hectares plantados com a soja transgênica argentina, um número calculado a partir da redução do consumo de semente, comum nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Goiás. Para Castro, no Rio Grande do Sul, cerca de 60% da safra de soja deste ano é provavelmente modificada.

Laboratórios a Céu Aberto

As lavouras experimentais são autorizadas pela CTNBio. As principais lavouras, são de soja e milho, mas há culturas de algodão, feijão, arroz, batata, cana-de-açúcar, mamão, eucalipto e fumo. A área total de plantações transgênicas autorizadas pela CTNBio é de 682,7 hectares, totalizando 874 liberações desde a criação da comissão, em 1995 (www.ctnbio.gov.br). São plantações pequenas, com cerca de 1 hectare para cada cultura.

A maioria dessas lavouras concentra-se em São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, mas há experimentos em área de cerrado, no Centro-Oeste do Brasil. Os pedidos de liberação foram feitos pela Embrapa, Monsanto, Aventis, Pioneer, Basf. Braskalb, entre outros. Este ano ainda não foi emitido nenhum parecer favorável para novas lavouras.

A norma da CTNBio prevê vários cuidados, desde o manejo até o transporte de materiais geneticamente modificados. Para que seja autorizada a plantação, há um processo de avaliação pelas várias instituições envolvidas, incluindo visitas, fiscalizações e entregas de relatórios. Mas há alguns pontos que não estão bem definidos, como a distância que deve ser mantida de uma lavoura para outra. Segundo a assessoria de imprensa da CTNBio, está sendo formulada uma nova instrução normativa para definir as distâncias mínimas, que deverá ser discutida na próxima reunião da comissão, no mês de maio.

(G.P.)

Atualizado em 10/05/2002

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2002
SBPC/Labjor
Brasil

Contador de acessos: