Pequenos
produtores rurais são contra transgênicos
Saúde, equilíbrio ecológico, autonomia. Esses
são os principais pontos analisados pelos grupos de representação
e defesa dos direitos dos pequenos agricultores no debate acerca
do uso de sementes geneticamente modificadas em plantações
do Brasil e do mundo. Os principais movimentos brasileiros, que
agrupam pequenos produtores, como o MST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra) e a Contag (Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura) são contrários à
agricultura transgênica, utilizando argumentos que, principalmente,
tendem a proteger a autonomia econômica e política
do pequeno trabalhador rural. No mundo, em especial na América
Latina, a Via Campesina também tem no combate aos transgênicos
uma das suas principais bandeiras de luta.
Para
o MST, a utilização de organismos geneticamente modificados
na agricultura brasileira é, em primeiro lugar, um fator
de dominação econômica, das multinacionais e
dos grandes produtores rurais sobre os pequenos produtores. Essas
empresas dominariam os processos de produção que envolvem
a tecnologia dos transgênicos, da aquisição
de sementes à agroindústria. "Grandes monopólios
seriam formados, gerando um grande processo de dominação
das multinacionais, o que deixaria o pequeno agricultor em situação
de total dependência e miserabilidade", afirma o engenheiro
agrônomo Ciro Eduardo Corrêa, da Concrab (Confederação
das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil) do MST. Segundo
ele, o combate a fome (um dos argumentos utilizados pelos defensores
dos transgênicos) não passa pelo desenvolvimento da
tecnologia de grãos modificados geneticamente. "A fome
é um problema político e não tecnológico.
No ano passado, o volume de grãos produzidos no Brasil chegou
a 100 mil toneladas, o que é suficiente para acabar com a
fome. No entanto, a fome apenas tem aumentado a cada ano no país,
já que hoje há mais de 30 milhões de brasileiros
miseráveis". Portanto, resolve-se a questão da
fome com melhor distribuição de renda e justiça
social, e não com aumento da quantidade de grãos produzidos.
Quando
faz referência às multinacionais, o alvo das críticas
do MST é a empresa norte-americana Monsanto Company, uma
das principais empresas da indústria química e da
biotecnologia em todo mundo. A Monsanto é a principal interessada
na liberação do cultivo de soja transgênica
no Brasil. Para o movimento, essa empresa joga com um estratégia
mercadológica, pois, somente plantando soja transgênica,
ela conseguirá impor seu produto aos consumidores europeus,
eliminando seus concorrentes brasileiros. Atualmente, 90% da produção
brasileira de soja tem como destino a Europa.
A Contag
(entidade criada em 1963, cujas linhas de trabalho envolvem reforma
agrária, agricultura familiar, combate ao trabalho infantil
e escravo, previdência e assistência social) compartilha
dos mesmos princípios que o MST. Para a Confederação,
o agricultor brasileiro corre o risco de se tornar escravo de empresas
multinacionais, tornando-se vítima da venda casada de agrotóxicos
(obriga-se o agricultor a comprar o agrotóxico que controla
organismos que aparecem em determinadas plantações
de transgênicos), do monopólio da semente e do defensivo
agrícola.
Ambas
as entidades avaliam que nada ainda está comprovado cientificamente
a respeito dos riscos que os transgênicos podem causar à
saúde de seres humanos e animais, bem como ao meio ambiente.
Mas, também não existe nenhuma comprovação
de que os alimentos transgênicos não causem mal algum.
Não há, por exemplo, provas suficientes de que alimentos
produzidos com alteração genética não
tornem o corpo humano mais vulnerável a doenças. Sem
falar nas interferências na natureza. Elas seriam positivas
ou negativas? "Não se trata de sermos contra a pesquisa
científica e o desenvolvimento de novas tecnologias. O que
defendemos é a realização de mais pesquisas
que avaliem as conseqüências do uso de transgênicos",
explica Corrêa do MST. "Não se sabe o que pode
ocorrer no ambiente quando há presença de produtos
transgênicos. Vegetais que não são transgênicos
podem ser contaminados?"
Na
mesma linha de defesas e acusações segue a Via Campesina,
um movimento internacional que coordena organizações
camponesas de médios e pequenos agricultores, mulheres e
comunidades indígenas da Ásia, África, América
e Europa. Para essa instituição, o que vale é
o desenvolvimento, no mundo, de uma agricultura sustentável,
orgânica e ecológica para a obtenção
de alimentos de boa qualidade. Imagina-se que, com esse tipo de
agricultura, evitam-se impactos negativos ao meio ambiente e conservam-se
as riquezas naturais e a biodiversidade da terra.
Na
contramão da história
Enquanto
nos países desenvolvidos a população paga mais
para poder alimentar-se de produtos saudáveis e orgânicos
(cultivados sem o uso de agrotóxicos ou manipulação
genética), no Brasil cogita-se a possibilidade de cultivar
produtos transgênicos. "O Brasil poderia transformar-se,
de fato, em um celeiro de produtos saudáveis para o mundo.
Temos a terra, o clima, a tecnologia e o capital humano", declara
a diretoria da Contag.
Inversão
de valores
Para
José Francisco Graziano, pesquisador e professor do Instituto
de Economia da Unicamp, independente das razões técnicas
(ambientais e sociais) que contrariam o uso dos transgênicos,
a problemática econômica também precisa ser
avaliada. "Hoje, em muitos países, os produtos que possuem
os certificados de que não são geneticamente modificados
estão muito melhor cotados no mercado do que os transgênicos.
A soja não transgênica, por exemplo, tem seu valor
de comercialização 30% superior ao da soja transgênica",
afirma Graziano. No Brasil, esse fato poderia resolver os problemas
dos médios e pequenos agricultores, aumentando a sua renda,
se não fosse a total falta de iniciativa do governo federal.
Portanto, a supervalorização dos produtos orgânicos
teria um impacto social positivo. Mas o governo faz vista grossa
para essa possibilidade.
Segundo
Graziano, o que falta é uma política voltada à
fiscalização e à delimitação
de áreas destinadas à plantação de produtos
não transgênicos. "Tem agricultor que planta e
agricultor que não planta produtos transgênicos. Acontece
que, muitas vezes, produtos com origens diferentes misturam-se no
mercado, o que faz com que o não transgênico acabe
perdendo seu atestado de origem". Daí a necessidade
de isolar áreas onde sejam plantados apenas produtos sem
alteração genética e promover fiscalização.
De
fato, a rejeição de consumidores aos OGMs tem aumentado,
o que faz com que os investidores do setor agrícola fiquem
cautelosos com estes produtos. Segundo Brian Halweil, pesquisador
do Worldwach Institute, tem havido, nos últimos anos,
grande redução nas vendas de sementes geneticamente
modificadas e agrotóxicos complementares. Em maio de 1999,
o maior banco da Europa, o Deutsche Bank, recomendou aos
clientes que liquidassem todo o seu investimento em empresas envolvidas
com engenharia genética, declarando que "os GMOs [Organismos
Geneticamente Modificados] estão mortos". O relatório
do banco anteviu o desenvolvimento de um mercado que opera em dois
níveis, no qual os não transgênicos têm
um ágio sobre os transgênicos. Essa perspectiva ameaça
seriamente o mercado de OGMs.
(S.N.)
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