Editorial:

O alarde dos transgênicos
Carlos Vogt

Reportagens:
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A batalha jurídica ainda não terminou
Pequenos produtores rurais são contra transgênicos
Contrabando, contaminções e experiências no Brasil
Sementeiras brasileiras foram engolidas pelas multinacionais
Agricultura orgânica pode ser alternativa aos transgênicos
Faltam pesquisas para avaliar os riscos à saúde
Brasil terá de desenvolver protocolos de segurança ambiental
Animais transgênicos de laboratório e a saúde humana
Ética para os animais transgênicos
Artigos:
OGMS: a estrutura da controvérsia
Hugh Lacey

O futuro que ninguém pediu: favelas e transgênicos!
Enrique Ortega

A questão da saúde nos alimentos geneticamente modificados
Franco Lajolo
Patentes em biotecnologia no Brasil
Maria Isabel de Oliveira Penteado
Transgênicos x Genômica: etapas no melhoramento vegetal
Marcos Machado
Oportunidades e desafios
João Paulo Feijão Teixeira
Riscos ecológicos dos OGMs: o que se diz e o que se entende
Flávia Natércia
Os transgênicos rondam sua cozinha
Luisa Massarani e Ildeu de Castro Moreira
Poema:
Inconcluso
Carlos Vogt
 
Bibliografia
Créditos
Glossário
 

Os transgênicos rondam a sua cozinha

Luisa Massarani e Ildeu de Castro Moreira

Em março, após um aquecido debate no Congresso Nacional, um projeto de lei que permite a comercialização de alimentos geneticamente modificados no Brasil foi aprovado por uma comissão especial dedicada a analisar o tema. Para se transformar em lei, o projeto ainda precisa passar pela Câmara de Deputados e pelo Senado, sendo depois ratificado pelo presidente da República. Mas o sinal verde foi dado e os alimentos transgênicos podem, em breve, estar legalmente em seu carrinho de supermercado.

Independentemente disto, o seu prato já pode conter alimentos geneticamente modificados: segundo o Greenpeace e o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), desde o ano 2000 já estaria havendo a venda ilegal destes produtos no mercado brasileiro. E denúncias de plantações com sementes transgênicas estão cada vez mais freqüentes, em particular no sul do país. E você, leitor, o que pensa desses alimentos? Seriam eles frank(enstein)food, com riscos potenciais para sua saúde? Ou a transgenia seria uma forma de obter maior produtividade e alimentos de melhor qualidade que ajudaria a minimizar o problema da fome no mundo? O que outros brasileiros pensam sobre o tema?

A preocupação com o posicionamento das pessoas sobre questões candentes da biotecnologia nos levou a analisar as atitudes que os jovens têm diante das novas tecnologias da genética, incluindo a transgenia de alimentos e plantações. Em nosso estudo, estiveram envolvidos 610 alunos da segunda série do ensino médio de nove escolas (370 de escolas públicas; 240 de escolas privadas). Foram usados instrumentos qualitativos (focus groups ou grupos de debate) e quantitativos (questionários com respostas no formato de múltipla escolha e com espaço para comentários livres aplicados no conjunto de estudantes). Um total de 27 alunos, distribuídos em seis grupos, participou dos grupos de debate. Cada discussão foi estimulada por trechos do filme GATTACA, dirigido por Andrew Niccol, e durou, em média, uma hora e meia. Nosso estudo não teve a pretensão de espelhar uma amostra fidedigna da população escolar brasileira ou mesmo do Rio de Janeiro: tratou-se de um estudo de caso.

Nos grupos de debate, o tema dos alimentos transgênicos despertou grande interesse em quase todas as discussões. Algumas conclusões gerais relativas a este tema podem ser tiradas de nossa pesquisa. Em primeiro lugar, ficou claro que os jovens refletem e opinam sobre esses assuntos de forma não-superficial: as argumentações são, em geral, coerentes e levam em conta aspectos variados do problema, tanto positivos quanto negativos.

Buscando analisar o tipo de argumentos usados, identificamos entre os favoráveis os seguintes: a transgenia aumentaria a produtividade na produção de alimentos (com conseqüente baixa de preço); poderia acabar com a fome; forneceria maior resistência de alimentos a pragas e apodrecimento; produziria alimentos com qualidades aprimoradas, inclusive mais bonitos e saborosos; produziria alimentos que protegem o consumidor de doenças.

Entre os desfavoráveis: não se sabe o que está sendo alterado e isto pode trazer riscos para a saúde; existiria a possibilidade de deterioração da qualidade de vida de pequenos agricultores, já que seu uso levaria a um predomínio maior das grandes empresas; tais alimentos poderiam produzir desequilíbrio ambiental; fariam mal à saúde por não serem naturais; não trariam soluções para o problema da fome, porque a questão é de fundo econômico e político; poderiam produzir efeitos colaterais imprevisíveis.

Outro grupo de alunos não viu vantagens nos alimentos transgênicos, mas também não os condenou. Neste sentido, alguns argumentos usados foram: não fariam tão bem, mas também não fariam mal; seriam tão ruins quanto a maioria dos alimentos atuais produzidos com o uso de agrotóxicos e, portanto, tão antinaturais como eles.

Outro ponto que observamos foi que os jovens analisados mostram-se, em geral, bem informados sobre o tema, embora algumas vezes fiquem evidenciados entendimentos falhos ou imprecisos de conceitos. Por exemplo, muitos alunos enquadram em uma única categoria os diferentes alimentos transgênicos - que envolvem diferentes técnicas, genes alvos e objetivos. Uma ilustração disto é que muitos dos jovens entendem que os transgênicos necessariamente envolvem a introdução do chamado gene exterminador, capaz de produzir uma toxina que mata o embrião da semente em formação. Em outras palavras, as sementes ficam estéreis e o agricultor precisa comprar anualmente novas sementes para fazer seu cultivo. No entanto, essa estratégia foi usada pela multinacional Monsanto apenas em alguns cultivares específicos, os quais - a empresa afirma - teriam sido deixados de lado tendo em vista a grande resistência da sociedade em aceitar o produto, que geraria forte dependência econômica.

Na etapa quantitativa de nosso estudo, a transgenia de alimentos e cultivo foi abordada por meio de duas perguntas em um questionário. Solicitamos aos alunos que respondessem em que medida concordavam ou discordam da aplicação da tecnologia (opções em múltipla escolha: 'concordo totalmente', 'concordo em parte', 'discordo totalmente', 'discordo em parte' e, ainda 'não tenho opinião'). As aplicações discriminadas foram: "Usar a biotecnologia moderna na produção de alimentos, por exemplo aumentando seu teor de proteínas, tornando-os maiores ou mudando o gosto" e "Retirar genes de espécies vegetais e transferir para plantas cultivadas, para torná-las mais resistentes a pragas".

A tabela 1 mostra os resultados. O que se pode observar é que parte significativa (65,5%) dos alunos de ensino médio analisados concordou que é útil para a sociedade usar a biotecnologia moderna na produção de alimentos, por exemplo aumentando seu teor de proteínas, tornando-os maiores ou mudando o gosto. Apesar desse percentual de jovens que concordaram com a utilidade da aplicação, foi maior o valor daqueles que apontaram a existência de riscos em seu uso (77,6%). Para pouco mais da metade a aplicação deve ser encorajada; outros 32,9% acham que não.

  Utilidade para a sociedade Riscos Aceitabilidade Moral Se deve ser encorajada
  C D C D C D C D
Alteração genética alimentos 65,5% 28,6% 77,6% 16,4% 55,3% 34,6% 56,0% 32,2%
Alteração genética plantações 80,6% 14,0% 63,0% 26,2% 65,4% 23,8% 64,8% 22,7%

C = percentual de alunos que concordaram (em parte + totalmente)
D = percentual de alunos que discordaram (em parte + totalmente)


Quando se considerou a alteração genética aplicada a plantações, para torná-las mais resistentes a pragas, o percentual de aceitação foi de 80,6% dos alunos (veja também a Tabela 1). Para 63,0%, a alteração genética aplicada a plantações é arriscada. Os percentuais referentes à questão se a aplicação deve ser encorajada somam 64,8% para os que concordaram com isto.

Como se pode ver, o percentual de alunos que concordaram com a utilidade da aplicação é maior do que o percentual dos que acreditam que ela deva ser encorajada, variando conforme o caso. Em outras palavras: um percentual de alunos percebe a utilidade da aplicação, mas, ainda assim, não defende que devemos encorajá-la. Por outro lado, vários alunos percebem que as aplicações envolvem riscos, mas, ainda assim, acreditam que elas devem ser encorajada.

Dentro do cenário brasileiro, pesquisa realizada pelo Ibope[1] , em 2001, mostrou que 74% dos brasileiros entrevistados preferem alimentos não-transgênicos, 14% optam pelos transgênicos; os demais não sabem. Os jovens de 16 a 24 anos - portanto, na faixa analisada em nossa pesquisa - foram os que apresentaram o menor percentual de rejeição aos transgênicos (68%). Percentual significativo (91%) defendeu que os alimentos que incluem ingredientes geneticamente modificados devem trazer a informação no rótulo. Para 67% dos respondentes, o plantio de organismos transgênicos deveria ser proibido, até que se esclareçam melhor todas as dúvidas quanto aos seus riscos; o valor é igual entre os jovens de 16 a 24 anos.

O cruzamento entre os resultados obtidos em nossa pesquisa e na do Ibope nos leva a algumas conclusões. Boa parte dos jovens percebe que a transgenia de alimentos é útil e deve ser encorajada, mas envolve riscos. Enquanto tais riscos não forem melhor esclarecidos, esses jovens prefeririam que não fossem realizados plantios de cultivares transgênicos. E mais: prefeririam alimentos não-transgênicos mas, se é preciso que os transgênicos existam, que sejam rotulados.

Um aspecto que merece atenção é a relação entre grau de instrução e aceitação/rejeição a alimentos transgênicos. Algumas pesquisas tentam sugerir que quem não aceita tais alimentos é porque tem pouca instrução e não tem capacidade de perceber os benefícios das novas tecnologias[2]. Gaskel et al[3]. , em seus estudos em 17 países europeus, também associaram o nível de instrução com a aceitação de alimentos transgênicos, mas com uma conotação distinta. Para eles, pessoas com um nível mais alto de conhecimento possuem maior probabilidade de expressar uma opinião clara e definitiva sobre a biotecnologia - mas sua opinião pode ser positiva ou negativa.

Recentemente, em artigo publicado na revista Nature[4] , Massimiano Bucchi e Federico Neresini relatam os resultados obtidos em duas pesquisas de opinião pública que sugerem que uma maior exposição à informação nem sempre leva a uma confiança maior na biotecnologia. A já citada pesquisa do Ibope claramente coloca em xeque a tentativa simplificadora de associar baixa instrução com recusa dos alimentos transgênicos: segundo os resultados obtidos, quanto maior o grau de instrução, maior o percentual de pessoas que preferem os alimentos não-transgênicos, atingindo 85% entre aqueles que chegaram ao terceiro grau[5].

A liberação dos transgênicos no país é uma questão complexa, em que questões científicas, econômicas e sociais estão amplamente envolvidas. É preciso, por isto, criar mecanismos mais democráticos que permitam que a sociedade entenda melhor o tema, possa se posicionar em relação a ele e, por fim, decidir se vai aceitá-los.

 

Luisa Massarani é jornalista especializada em ciência, doutora em divulgação científica. Trabalha no Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e escreve como free-lance para SciDev.Net.

Ildeu de Castro Moreira é professor do Instituto de Física e da Área Interdisciplinar de História das Ciências e da Epistemologia da COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Notas

  1. Ibope (2001) Pesquisa de Opinião pública sobre transgênicos, disponível em http://www.greenpeace.com.br/transgenicos/pdf/pesquisaIBOPE_agosto2001.pdf [voltar]
  2. Ver, por exemplo, Oda, Leila e Soares, Bernardo (2001) Biotecnologia no Brasil. Aceitabilidade pública e desenvolvimento econômico. Parcerias estratégicas 10: 162-173. [voltar]
  3. Gaskell, Bauer e Durant (1998) Public receptions on biotecnology in 1996: Eurobarometer 46.1 In: Durant, John; Bauer, Martin e Gaskell, George (eds.) (1998) Biotechnology in the Public Sphere. Londres: Science Museum. [voltar]
  4. Bucchi, Massimiano e Neresini, Federico (2002). Nature (416): 261. [voltar]
  5. O Ibope coloca na mesma categoria pessoas que têm o terceiro grau incompleto ou completo. [voltar]

Atualizado em 09/05/2002

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