Os
transgênicos rondam a sua cozinha
Luisa
Massarani e Ildeu de Castro Moreira
Em
março, após um aquecido debate no Congresso Nacional,
um projeto de lei que permite a comercialização de
alimentos geneticamente modificados no Brasil foi aprovado por uma
comissão especial dedicada a analisar o tema. Para se transformar
em lei, o projeto ainda precisa passar pela Câmara de Deputados
e pelo Senado, sendo depois ratificado pelo presidente da República.
Mas o sinal verde foi dado e os alimentos transgênicos podem,
em breve, estar legalmente em seu carrinho de supermercado.
Independentemente
disto, o seu prato já pode conter alimentos geneticamente
modificados: segundo o Greenpeace e o Instituto de Defesa do Consumidor
(Idec), desde o ano 2000 já estaria havendo a venda ilegal
destes produtos no mercado brasileiro. E denúncias de plantações
com sementes transgênicas estão cada vez mais freqüentes,
em particular no sul do país. E você, leitor, o que
pensa desses alimentos? Seriam eles frank(enstein)food, com riscos
potenciais para sua saúde? Ou a transgenia seria uma forma
de obter maior produtividade e alimentos de melhor qualidade que
ajudaria a minimizar o problema da fome no mundo? O que outros brasileiros
pensam sobre o tema?
A preocupação
com o posicionamento das pessoas sobre questões candentes
da biotecnologia nos levou a analisar as atitudes que os jovens
têm diante das novas tecnologias da genética, incluindo
a transgenia de alimentos e plantações. Em nosso estudo,
estiveram envolvidos 610 alunos da segunda série do ensino
médio de nove escolas (370 de escolas públicas; 240
de escolas privadas). Foram usados instrumentos qualitativos (focus
groups ou grupos de debate) e quantitativos (questionários
com respostas no formato de múltipla escolha e com espaço
para comentários livres aplicados no conjunto de estudantes).
Um total de 27 alunos, distribuídos em seis grupos, participou
dos grupos de debate. Cada discussão foi estimulada por trechos
do filme GATTACA, dirigido por Andrew Niccol, e durou, em média,
uma hora e meia. Nosso estudo não teve a pretensão
de espelhar uma amostra fidedigna da população escolar
brasileira ou mesmo do Rio de Janeiro: tratou-se de um estudo de
caso.
Nos
grupos de debate, o tema dos alimentos transgênicos despertou
grande interesse em quase todas as discussões. Algumas conclusões
gerais relativas a este tema podem ser tiradas de nossa pesquisa.
Em primeiro lugar, ficou claro que os jovens refletem e opinam sobre
esses assuntos de forma não-superficial: as argumentações
são, em geral, coerentes e levam em conta aspectos variados
do problema, tanto positivos quanto negativos.
Buscando
analisar o tipo de argumentos usados, identificamos entre os favoráveis
os seguintes: a transgenia aumentaria a produtividade na produção
de alimentos (com conseqüente baixa de preço); poderia
acabar com a fome; forneceria maior resistência de alimentos
a pragas e apodrecimento; produziria alimentos com qualidades aprimoradas,
inclusive mais bonitos e saborosos; produziria alimentos que protegem
o consumidor de doenças.
Entre
os desfavoráveis: não se sabe o que está sendo
alterado e isto pode trazer riscos para a saúde; existiria
a possibilidade de deterioração da qualidade de vida
de pequenos agricultores, já que seu uso levaria a um predomínio
maior das grandes empresas; tais alimentos poderiam produzir desequilíbrio
ambiental; fariam mal à saúde por não serem
naturais; não trariam soluções para o problema
da fome, porque a questão é de fundo econômico
e político; poderiam produzir efeitos colaterais imprevisíveis.
Outro
grupo de alunos não viu vantagens nos alimentos transgênicos,
mas também não os condenou. Neste sentido, alguns
argumentos usados foram: não fariam tão bem, mas também
não fariam mal; seriam tão ruins quanto a maioria
dos alimentos atuais produzidos com o uso de agrotóxicos
e, portanto, tão antinaturais como eles.
Outro
ponto que observamos foi que os jovens analisados mostram-se, em
geral, bem informados sobre o tema, embora algumas vezes fiquem
evidenciados entendimentos falhos ou imprecisos de conceitos. Por
exemplo, muitos alunos enquadram em uma única categoria os
diferentes alimentos transgênicos - que envolvem diferentes
técnicas, genes alvos e objetivos. Uma ilustração
disto é que muitos dos jovens entendem que os transgênicos
necessariamente envolvem a introdução do chamado gene
exterminador, capaz de produzir uma toxina que mata o embrião
da semente em formação. Em outras palavras, as sementes
ficam estéreis e o agricultor precisa comprar anualmente
novas sementes para fazer seu cultivo. No entanto, essa estratégia
foi usada pela multinacional Monsanto apenas em alguns cultivares
específicos, os quais - a empresa afirma - teriam sido deixados
de lado tendo em vista a grande resistência da sociedade em
aceitar o produto, que geraria forte dependência econômica.
Na
etapa quantitativa de nosso estudo, a transgenia de alimentos e
cultivo foi abordada por meio de duas perguntas em um questionário.
Solicitamos aos alunos que respondessem em que medida concordavam
ou discordam da aplicação da tecnologia (opções
em múltipla escolha: 'concordo totalmente', 'concordo em
parte', 'discordo totalmente', 'discordo em parte' e, ainda 'não
tenho opinião'). As aplicações discriminadas
foram: "Usar a biotecnologia moderna na produção
de alimentos, por exemplo aumentando seu teor de proteínas,
tornando-os maiores ou mudando o gosto" e "Retirar genes
de espécies vegetais e transferir para plantas cultivadas,
para torná-las mais resistentes a pragas".
A tabela
1 mostra os resultados. O que se pode observar é que parte
significativa (65,5%) dos alunos de ensino médio analisados
concordou que é útil para a sociedade usar a biotecnologia
moderna na produção de alimentos, por exemplo aumentando
seu teor de proteínas, tornando-os maiores ou mudando o gosto.
Apesar desse percentual de jovens que concordaram com a utilidade
da aplicação, foi maior o valor daqueles que apontaram
a existência de riscos em seu uso (77,6%). Para pouco mais
da metade a aplicação deve ser encorajada; outros
32,9% acham que não.
|
Utilidade
para a sociedade |
Riscos |
Aceitabilidade
Moral |
Se
deve ser encorajada |
|
C |
D |
C |
D |
C |
D |
C |
D |
Alteração
genética alimentos |
65,5% |
28,6% |
77,6% |
16,4% |
55,3% |
34,6% |
56,0% |
32,2% |
Alteração
genética plantações |
80,6% |
14,0% |
63,0% |
26,2% |
65,4% |
23,8% |
64,8% |
22,7% |
C
= percentual de alunos que concordaram (em parte + totalmente)
D = percentual de alunos que discordaram (em parte + totalmente)
|
Quando
se considerou a alteração genética aplicada a
plantações, para torná-las mais resistentes a
pragas, o percentual de aceitação foi de 80,6% dos alunos
(veja também a Tabela 1). Para 63,0%, a alteração
genética aplicada a plantações é arriscada.
Os percentuais referentes à questão se a aplicação
deve ser encorajada somam 64,8% para os que concordaram com isto.
Como
se pode ver, o percentual de alunos que concordaram com a utilidade
da aplicação é maior do que o percentual dos
que acreditam que ela deva ser encorajada, variando conforme o caso.
Em outras palavras: um percentual de alunos percebe a utilidade
da aplicação, mas, ainda assim, não defende
que devemos encorajá-la. Por outro lado, vários alunos
percebem que as aplicações envolvem riscos, mas, ainda
assim, acreditam que elas devem ser encorajada.
Dentro
do cenário brasileiro, pesquisa realizada pelo Ibope[1]
, em 2001, mostrou que 74% dos brasileiros entrevistados preferem
alimentos não-transgênicos, 14% optam pelos transgênicos;
os demais não sabem. Os jovens de 16 a 24 anos - portanto,
na faixa analisada em nossa pesquisa - foram os que apresentaram
o menor percentual de rejeição aos transgênicos
(68%). Percentual significativo (91%) defendeu que os alimentos
que incluem ingredientes geneticamente modificados devem trazer
a informação no rótulo. Para 67% dos respondentes,
o plantio de organismos transgênicos deveria ser proibido,
até que se esclareçam melhor todas as dúvidas
quanto aos seus riscos; o valor é igual entre os jovens de
16 a 24 anos.
O cruzamento
entre os resultados obtidos em nossa pesquisa e na do Ibope nos
leva a algumas conclusões. Boa parte dos jovens percebe que
a transgenia de alimentos é útil e deve ser encorajada,
mas envolve riscos. Enquanto tais riscos não forem melhor
esclarecidos, esses jovens prefeririam que não fossem realizados
plantios de cultivares transgênicos. E mais: prefeririam alimentos
não-transgênicos mas, se é preciso que os transgênicos
existam, que sejam rotulados.
Um
aspecto que merece atenção é a relação
entre grau de instrução e aceitação/rejeição
a alimentos transgênicos. Algumas pesquisas tentam sugerir
que quem não aceita tais alimentos é porque tem pouca
instrução e não tem capacidade de perceber
os benefícios das novas tecnologias[2].
Gaskel et al[3].
, em seus estudos em 17 países europeus, também associaram
o nível de instrução com a aceitação
de alimentos transgênicos, mas com uma conotação
distinta. Para eles, pessoas com um nível mais alto de conhecimento
possuem maior probabilidade de expressar uma opinião clara
e definitiva sobre a biotecnologia - mas sua opinião pode
ser positiva ou negativa.
Recentemente,
em artigo publicado na revista Nature[4]
, Massimiano Bucchi e Federico Neresini relatam os resultados obtidos
em duas pesquisas de opinião pública que sugerem que
uma maior exposição à informação
nem sempre leva a uma confiança maior na biotecnologia. A
já citada pesquisa do Ibope claramente coloca em xeque a
tentativa simplificadora de associar baixa instrução
com recusa dos alimentos transgênicos: segundo os resultados
obtidos, quanto maior o grau de instrução, maior o
percentual de pessoas que preferem os alimentos não-transgênicos,
atingindo 85% entre aqueles que chegaram ao terceiro grau[5].
A liberação
dos transgênicos no país é uma questão
complexa, em que questões científicas, econômicas
e sociais estão amplamente envolvidas. É preciso,
por isto, criar mecanismos mais democráticos que permitam
que a sociedade entenda melhor o tema, possa se posicionar em relação
a ele e, por fim, decidir se vai aceitá-los.
Luisa
Massarani é jornalista especializada em ciência, doutora
em divulgação científica. Trabalha no Museu
da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e escreve como free-lance para
SciDev.Net.
Ildeu de Castro Moreira é professor do Instituto de Física
e da Área Interdisciplinar de História das Ciências
e da Epistemologia da COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Notas
- Ibope (2001) Pesquisa de Opinião pública sobre
transgênicos, disponível em http://www.greenpeace.com.br/transgenicos/pdf/pesquisaIBOPE_agosto2001.pdf
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- Ver, por exemplo, Oda, Leila e Soares, Bernardo (2001) Biotecnologia
no Brasil. Aceitabilidade pública e desenvolvimento econômico.
Parcerias estratégicas 10: 162-173. [voltar]
- Gaskell, Bauer e Durant (1998) Public receptions on biotecnology
in 1996: Eurobarometer 46.1 In: Durant, John; Bauer, Martin e
Gaskell, George (eds.) (1998) Biotechnology in the Public Sphere.
Londres: Science Museum. [voltar]
- Bucchi, Massimiano e Neresini, Federico (2002). Nature (416):
261. [voltar]
- O Ibope coloca na mesma categoria pessoas que têm o terceiro
grau incompleto ou completo. [voltar]
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