A
propósito da segurança para a saúde dos alimentos
geneticamente modificados
Franco
Lajolo
Durante
milhares de anos o homem foi intuitivamente selecionando, para uso
alimentar, plantas que apresentassem maior rendimento, maior resistência
a pragas e melhor qualidade . Com o tempo, a ciência veio auxiliá-lo
nesta tarefa. Manifestação mais contemporânea desta aliança é o
desenvolvimento, nas últimas décadas , de variedades de trigo, arroz,
milho e soja com alto rendimento agrícola, capazes de alimentar
uma população mundial crescente e urbanizada.
Podemos
assim, dizer, que do velho Mendel aos contemporâneos Watson e Creek
o melhoramento de plantas segue de perto o desenvolvimento científico
Há
já muito tempo novas variedades vêm sendo produzidas a partir
de técnicas tradicionais de cruzamento e melhoramento envolvendo
transferência de genes através da reprodução normal, ou através
de metodologias que alteram cromossomos, como a mutagênese química
e a irradiação. Nos últimos 10 ou 15 anos , no entanto, introduziu-se
uma nova tecnologia : a modificação genética para a produção de
alimentos, chamada de "tecnologia do DNA recombinante".
E
o que vem a ser isso ?
A
tecnologia de DNA consiste num avanço nos processos naturais de
melhoramento de plantas.
Nos
cruzamentos convencionais misturam-se ou transferem-se para uma
planta, ao acaso e ao mesmo tempo, grupo de genes, sendo o resultado
a produção de uma variedade com múltiplas características, nem todas
desejáveis. Como esse processo convencional é impreciso, separar
as características desejáveis das indesejáveis é bastante demorado
.
Com
a tecnologia do DNA recombinante pode-se, de forma rápida, alterar
a operação de um gene pré-existente ou incorporar numa nova planta
um único gene exógeno, correspondente a uma determinada característica
que se deseja desenvolver . A transferência de genes pode ocorrer
entre espécies, famílias e mesmo reinos diferentes, de forma que,
por exemplo, uma qualidade presente numa leguminosa pode ser transferida
para um cereal, transferência impraticável sem essa tecnologia .
A
tecnologia do DNA recombinante é, assim, uma tecnologia moderna
com importante potencial para aumentar a produtividade agrícola,
reduzir o impacto ambiental da agricultura minimizando o uso de
herbicidas e pesticidas e melhorar a qualidade nutricional e tecnológica
dos alimentos. E os alimentos que ela produz não são, necessariamente,
menos seguros para a saúde. Como toda tecnologia, porém, ela deve
ser avaliada e acompanhada e isso tem ocupado instituições de pesquisa,
organismos governamentais nacionais e internacionais e organizações
de defesa do comsumidor.
A
história mostra que mudanças na forma de produção e conservação
dos alimentos sempre causaram preocupação e, quando recentes, geraram
medo . Foi o caso do enlatamento , da pasteurização, da comercialização
da margarina, do milho híbrido, do uso da irradiação e de microondas.
É, pois, respeitando este cenário ancestral de desconfiança face
ao novo, que se inserem as questões relativas à segurança dos alimentos
geneticamente modificados, uma tecnologia distante e desconhecida
da maioria dos consumidores.
O
assunto tem gerado polêmica, e para que a polêmica tenha resultados
positivos é preciso que dela participem vários segmentos sociais
e não apenas tecnólogos e cientistas . Se é óbvio que a questão
não se limita à ciência, é também óbvio que sem a ciência ela não
será resolvida e sequer bem encaminhada .
Mas
onde se origina a polêmica relativa à segurança desses alimentos?
Da
aparente incontrolabilidade de certos resultados.
A
tecnologia do DNA recombinante permite a transferência específica
de novos genes ( fragmentos de DNA) para uma planta, alterando,
portanto, a sua composição. Esta alteração acarreta efeitos intencionais,
correspondendo à característica do gene introduzido (por exemplo,
resistência a herbicidas) mas também pode gerar efeitos não intencionais
(por exemplo, alteração do teor de um composto químico). Os riscos
potenciais estão, portanto, associados ao novo DNA introduzido,
ou ao produto de expressão desse DNA (proteína) ou a efeitos não
intencionais, decorrentes da introdução no genoma e da expressão
desse novo gene .
Mas
a simples ingestão de DNA adicional não é necessariamente perigosa:
DNA/RNA vêm sendo ingeridos normalmente através de dietas,
desde quando esta se limitava aos frutos coletados ou aos animais
abatidos pelo homem das cavernas . Os produtos de expressão, porém,
que são proteínas(enzimas), podem, potencialmente, ter ação anti-nutricional,
podem produzir alergias ou causar algumas mudanças no valor nutricional
do alimento.
Podem,
ainda , ocorrer efeitos não intencionais. Mudanças morfológicas
são facilmente detectáveis, mas uma alteração no genoma não é visível
e pode levar a mudanças na expressão enzimática , alterando os fluxos
de vias metabólicas por mecanismos ainda não totalmente conhecidos.
Além disso, a inserção de um DNA nos cromossomos pode alterar a
expressão de outros genes, reativando, por exemplo, genes silenciados
por processos evolutivos ou tecnológicos que, ativados, poderiam
passar a produzir substâncias indesejáveis.
É
importante, no entanto, mencionar que todas essas mudanças não intencionais
são possibilidades teóricas e podem acontecer também nos processos
convencionais de melhoramento . Nestes, inclusive , as mudanças
podem atingir maiores proporções , devido à sua inespecificidade
o que faz com que em ambos os processos - melhoramento convencional
ou tecnologia do DNA recombinante - os produtos resultantes precisem
ser objeto de avaliações de segurança, como acontece, aliás, com
qualquer alimento .
Isso
tudo pode ser avaliado?
Muitos
genes já foram transferidos de um organismo a outro com o objetivo
de desenvolver características desejáveis , como melhoria do valor
nutricional, da conservação ou da resistência a pragas. A segurança
desses alimentos, obtidos por modernas técnicas da biotecnologia
como é a engenharia genética, é avaliada através da análise de risco
que se baseia em princípios básicos que medem sua segurança em relação
à segurança dos alimentos que lhe deram origem.
Em
geral, a avaliação necessária para a aprovação da comercialização
desses produtos inclui a análise dos vetores de transformação, estrutura
molecular do novo gene inserido, efeitos intencionais e não intencionais
associados à sua expressão, composição química em macro e micro
nutrientes bem como em compostos tóxicos e produtos secundários
do metabolismo. A isso seguem-se ensaios biológicos (nutricionais
e toxicológicos), com particular ênfase no potencial alergênico,
avaliado a partir de análises químicas, com o uso da bioinformática
e de ensaios bioquímicos e biológicos
Técnicas
novas de genômica funcional para análise de proteínas e de metabolômica
para compostos secundários vêm aumentando a segurança dos
métodos de análise.
Completa-se
a avaliação de laboratório da identificação do eventual risco ,
com medidas de gerenciamento e comunicação dos resultados por parte
dos órgãos e setores responsáveis pelo estabelecimento de políticas
relativas aos alimentos geneticamente modificados.
No
Brasil, esses novos alimentos estarão submetidos ao Ministérios
da Saúde , da Agricultura e da Ciência e Tecnologia, sujeitos
a legislação específica relativa a normas de segurança e rotulagem,
e avaliados através de várias comissões técnico-científicas, responsáveis
pela aprovação de sua comercialização. Por isso, quanto mais qualificada
for a discussão em torno dos alimentos contendo organismos geneticamente
modificados, maior será a informação de que disporão seus eventuais
consumidores e mais exigentes e mais adequadas serão as políticas
reguladoras de sua produção , divulgação e distribuição.
Franco
Lajolo é professor na Faculdade de Ciências Farmacêuticas
da USP |