Brasil
e mundo se dividem entre aceitar ou não os transgênicos
Governos
e sociedade civil de todo o mundo estão divididos entre aprovar
ou não os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) nos
processos agrícolas. Quando se trata de aplicações
na área médica, os produtos da biotecnologia têm
melhor reputação junto à população.
Mas plantas transgênicas como a soja, o algodão, o
milho ou o tomate, ainda não são bem recebidos pelos
consumidores.
Essa
divisão ocorre também geograficamente. Autoridades
de alguns países consideram que os transgênicos não
fazem mal à saúde humana e animal e não acarretam
problemas ao meio ambiente. Consideram também que esses produtos
podem aumentar a produtividade, reduzir o preço dos produtos
agrícolas e são capazes de equilibrar a balança
comercial, porque permitem aumentar o volume de exportações.
Outros, temem não só pela saúde da população
e pelo equilíbrio ambiental, mas se preocupam também
com questões sócio-econômicas, como a criação
de dependência por parte dos agricultores em relação
aos fornecedores de sementes e também pelo risco de afetar
a biodiversidade.
Em
fevereiro deste ano, foi instalada a comissão interministerial
de rotulagem de alimentos que contenham Organismos Geneticamente
Modificados, embalados para consumo humano. Para o Ministério
da Ciência e Tecnologia, a questão da rotulagem deve
ser tratada sob a ótica da proteção e defesa
do consumidor, fornecendo-se informações sobre os
produtos colocados no mercado.
No
entanto, dia 12 de março, um projeto de
lei do deputado Confúcio Moura (PMDB-RO), que foi aprovado
pela comissão especial da Câmara, obriga a rotulagem
apenas para os produtos que contenham mais de 4% de transgênicos
em sua composição. No projeto anterior, do deputado
Fernando Gabeira (PV-RJ), independente da quantidade, a informação
no rótulo é obrigatória. O projeto de Moura
confere também à Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança (CTNBio) autonomia para arbitrar sobre a
liberação de produtos transgênicos, podendo
ou não pedir a realização de estudos de Impacto
Ambiental (EIA/RIMA) e avaliações de agências
governamentais de saúde.
As
ONGs contrárias aos transgênicos, entendem que a competência
deve ser de um órgão ambiental, como o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama),
e não uma comissão de biossegurança.
A arbitrariedade
de autoridades em relação ao assunto que é
de interesse de toda a sociedade se mostrou, recentemente, durante
a primeira reunião do Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético, no dia 25 de abril. O órgão é
formado exclusivamente por representantes de órgãos
governamentais, o que tem sido duramente criticado por entidades
como o Instituto Socioambiental (ISA).
O ISA
esteve presente como observador nessa primeira reunião do
Conselho, mas sua participação foi questionada, sob
a alegação de que temas sigilosos seriam discutidos.
Segundo declarou Nurit Bensusan, coordenadora de Biodiversidade
do ISA, à Revista
do Terceiro Setor, "ter um Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético é muito importante, porque
quando as regras do jogo são claras isso não abre
portas para a pirataria. Mas do jeito que ele está criado,
sem a participação da sociedade, dos detentores de
conhecimentos tradicionais e até mesmo das empresas, é
uma piada".
O ISA
lembra que a transparência dos processos é recomendada
nas Diretrizes de Bonn - que regulamentam o uso de informações
genéticas de vegetais e animais e a distribuição
das vantagens econômicas resultantes. Essas diretrizes foram
aprovadas no início de abril, na 6ª Conferência
das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica,
realizada em Haia, Holanda, com a participação do
governo brasileiro.
Está
previsto que o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
crie Câmaras Técnicas para o debate de temas específicos,
com a convocação de pessoas conceituadas, o que também
não garante que os interesses da sociedade civil sejam colocados
em primeiro lugar, acima do interesse econômico da indústria
de sementes. A aprovação dos transgênicos, em
grande parte, se baseia em pareceres de cientistas. Mas a comunidade
científica também não tem uma opinião
única a respeito do tema.
A Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),
por exemplo, classifica a questão das plantas transgênicas
em quatro dimensões: a relevância da tecnologia do
DNA recombinante para o desenvolvimento sustentável da agricultura
brasileira; a garantia da disponibilização de tais
tecnologias de forma segura para o consumidor e para o meio ambiente,
à luz dos conhecimentos científicos de biossegurança
existentes; a possível vantagem comercial para o Brasil da
certificação de origem de algumas commodities transgênicas
e o direito do consumidor de optar pelo consumo de alimentos não
transgênicos.
Em
1997, a Embrapa firmou contrato de cooperação técnica
com a Monsanto, obtendo assim suporte legal para conduzir pesquisa
de avaliação de eficiência do gene e da construção
gênica da soja resistente a herbicida à base de glifosato
(Round up Ready). A empresa vem realizando outras experiências
com plantas geneticamente modificadas.
O argumento
da Embrapa é que enquanto a sociedade não decide se
aceita ou não os OGMs, o Brasil deve aprofundar seu conhecimento
e evitar a dependência de tecnologias estrangeiras. Mas até
mesmo na própria Embrapa os transgênicos não
são aprovados unanimamente pelos pesquisadores.
As principais sociedades científicas brasileiras, a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
e a Academia Brasileira de Ciência (ABC), têm se mostrado
ponderadas em suas declarações sobre o tema, mas nunca
se manifestaram contra os transgênicos efetivamente. Na verdade,
a SBPC não tem uma posição oficial, mas a presidente
Glaci Zancan, tem publicado vários artigos nos quais apresenta
seus pontos de vista, além de dar seu parecer constantemente
à imprensa.
No
artigo O desafio das plantas geneticamente modificadas, publicado
nos Cadernos
de Ciência e Tecnologia, , ela afirma que "em face
das vantagens que a pesquisa na área de plantas transgênicas
poderá trazer, essa é uma tecnologia que será
incorporada ao dia-a-dia de todos. Sempre que os produtos obtidos
vierem a ser cultivados em larga escala ou liberados para consumo,
as análises de risco devem assegurar que os riscos sejam
mínimos, utilizando para tanto as análises técnicas
mais atualizadas e de maior confiabilidade"
Já
a ABC assinou, em 1998, um documento juntamente com outras sete
entidades científicas internacionais, lideradas pela Royal
Society, do Reino Unido. O documento Plantas geneticamente modificadas
para uso em alimentos e segurança humana, atualizado em fevereiro
deste ano, cuja principal conclusão foi a de que "não
há evidência científica de que os alimentos
geneticamente modificados aprovados até agora, para consumo
humano, possam ser prejudiciais à saúde". O relatório
completo está acessível ao público na internet
.
Legislação
No Brasil, a lei 8.974, de janeiro de 1995, e o decreto 1.752/95
estabelecem as regras para as atividades com engenharia genética,
incluindo os requisitos para o trabalho restrito à experimentação
e para liberações ambientais de organismos geneticamente
modificados. Essa regulação possibilitou dar início
à incorporação da biotecnologia aos processos
agrícolas no país. O sistema regulatório brasileiro
se assemelha ao modelo europeu, por considerar o controle dessa
tecnologia de forma distinta dos demais processos tecnológicos.
Entretanto, no que diz respeito aos procedimentos de inspeção,
o Brasil segue o modelo americano, onde cada autorização
é seguida de verificação local, para assegurar
se as medidas de controle de risco apresentadas pelo aplicante são
cumpridas.
Desde
sua designação, em junho de 1996, a CTNBio autorizou
cerca de 874 ensaios de campo com OGMs, sendo a maioria desses ensaios
com milho e soja. As principais características genéticas
e agronômicas introduzidas nessas culturas são de resistência
a herbicidas e de tolerância a insetos. O primeiro produto
agrícola geneticamente modificado a obter parecer favorável
da CTNBio para comercialização foi a soja Round up
Ready (RR), da Monsanto, em setembro de 1998; todavia, devido a
questões judiciais, o plantio comercial dessa cultura ainda
não é permitido no Brasil.
Porém,
as entidades que lutam pelos direitos dos agricultores, não
estão de acordo com a liberação do cultivo
dos organismos geneticamente modificados. A Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) pede a moratória
por tempo indeterminado, para o cultivo comercial de transgênicos
e apoio dos aliados do governo no Congresso, para que não
sejam aprovadas leis que liberem a produção e comercialização
desse tipo de produto. Para a entidade, a aprovação,
em votação simbólica, do substitutivo do deputado
Confúcio Moura (PMDB-RO), é "uma afronta à
inteligência nacional, uma irresponsabilidade para com a população
brasileira e mundial e um golpe contra os trabalhadores rurais brasileiros".(veja
reportagem nesta edição)
Para
Manoel José dos Santos, um dos organizadores do Grito da
Terra - pauta de reivindicações dos trabalhadores
rurais, entregue ao presidente todos os anos - "a liberação
de transgênicos é um absurdo quando não se sabe
os males que ela pode trazer para a humanidade", afirmou.
Em
sua tese de doutorado, a socióloga Thais Echeverria, afirma
que se os agricultores que plantam soja, direcionarem sua produção
para a soja transgênica, estarão divididos entre os
interesses das multinacionais de biotecnologia, que vendem as sementes,
e o das indústrias que compram os produtos agrícolas
como matéria-prima de alimentos. Essa posição
dos agricultores entre dois oligopólios tenderá a
se agravar, pois o produtor perde o poder de decisão sobre
as características e o modo de produção dos
alimentos, é obrigado a adquirir os insumos já embutidos
nas sementes, ficando impossibilitado de produzi-lo em seus campos.
Em
sua tese, Echeverria afirma que debate em torno da questão
dos OGMs afeta interesses dos grandes grupos transnacionais, milhões
de consumidores e a balança comercial dos países que
se situam entre os maiores produtores e consumidores de soja. O
Brasil é o segundo produtor mundial de soja em grãos,
farelo e óleo, tendo exportado 46 milhões de toneladas
em 2000. Uma vez que a Comunidade Européia é o seu
maior comprador e que as grandes cadeias de supermercados e indústrias
processadoras de alimentos da Europa se recusam a usar ingredientes
de plantas transgênicas como matéria-prima para os
produtos que comercializam, o Brasil tem que prestar muita atenção
para não perder esse mercado.
Visão
internacional
Os Estados Unidos são os maiores detentores das aplicações
comerciais da moderna biotecnologia. Em 1998, a área de cultivo
de produtos geneticamente modificados era de 27,8 milhões
de hectares, dos quais 71% representavam culturas alteradas quanto
à característica de tolerância a herbicidas.
Os Estados Unidos são também os maiores exportadores
de culturas geneticamente modificadas, e vêm regulamentando
a biotecnologia de forma distinta do modelo adotado pela Europa.
Nos
Estados Unidos, não existe regulamentação específica
para o controle do uso da tecnologia de DNA/RNA recombinante. Os
OGMs liberados no meio ambiente são regulados pelas agências
da saúde, de agricultura e de ambiente. Quanto à avaliação
de risco, esta é feita com base nas informações
que o solicitante considera pertinentes.
Na
União Européia, as exigências para avaliação
de riscos de OGMs relativos à saúde humana e ao meio
ambiente são semelhantes às estabelecidas pelos órgãos
de agricultura, saúde e meio ambiente dos Estados Unidos.
Mas o sistema regulatório europeu de avaliação
de risco estabelece que os requisitos e informações
devem ser apresentados pelo requerente de forma compulsória.
Uma
pesquisa realizada na Austrália mostrou que a maioria dos
consumidores australianos é favorável aos alimentos
originários da biotecnologia. A pesquisa, conduzida pela
empresa Quantum Market Research, a pedido da Agência de Biotecnologia
do Governo da Commonwealth da Austrália, mostrou também
que 60% dos australianos afirmaram que comprarão alimentos
transgênicos se eles forem mais sudáveis que os convencionais;
51% consumirão se esses alimentos tiverem melhor sabor; 40%
se eles durarem mais e 45% se forem mais baratos que os convencionais.
Em
geral, os consumidores europeus rejeitam os OGMs, por diversas razões,
mas principalmente porque os europeus têm grande preocupação
com a segurança alimentar. Na Alemanha, por exemplo, a população
não apresenta disposição para comprar alimentos
com ingredientes transgênicos e o emprego de tecnologia genética
continua recebendo críticas ferozes por parte dos ambientalistas
e dos consumidores. Mas a insistência em desenvolver a tecnologia
persiste. Em 2000, o primeiro-ministro anunciou que se empenharia
em viabilizar a superação do bloqueio de aprovações
no cultivo comercial de plantas transgênicas. Para isso, propôs
um programa conjunto de pesquisa e observação para
uso da tecnologia genética na agricultura alemã.
Apesar
de existirem pesquisas de opinião pública a respeito
dos OGMs, muitas questões não são tratadas
nessas pesquisas. É preciso saber também qual o conhecimento
real que a sociedade tem a respeito dos OGMs. Um exemplo pode clarear
esta idéia. Uma pessoa do sexo feminino, na faixa de 30 anos,
pós-graduada, que vive no Estado de São Paulo, foi
questionada se sabia o que são alimentos transgênicos.
A resposta foi positiva. A segunda pergunta foi se ela consumiria
tais alimentos e ela rapidamente respondeu sim. Quando perguntada
se daria alimentos transgênicos para os filhos, com um olhar
de dúvida e mais pausadamente que nas primeiras respostas,
ela disse que buscaria antes mais informações a respeito
desses produtos.
Ou
seja, não basta fazer pesquisas nas quais se obtenha respostas
positivas ou negativas a respeito de tecnologias que não
se conhece. Muito menos quando não se tem certeza dos benefícios
dessa tecnologia ou do mal que ela pode causar, seja na saúde
humana, animal, ou ao meio ambiente. Nem mesmo sobre os prejuízos
imediatos ou a longo prazo que podem provocar na sociedade.
(S.P.)
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