Rede
de pesquisa em nanobiotecnologia
Nelson
Durán e
Marcelo M. M. De Azevedo
Os
termos nanociência e nanotecnologia reúnem muitas idéias
e procedimentos conhecidos (que já eram uma preocupação
de muitos cientistas, como pode ser verificado na área de
colóides e superfícies) com uma proposta de inovação
tecnológica que auxilie e acompanhe todos os avanços
científicos importantes hoje, utilizando ferramentas novas,
anteriormente não disponíveis, que nos permitem ver
as estruturas nanométricas e até movimentar átomos,
por exemplo, as microscopias de força atômica (mostra
detalhes topográficos em superficies) e de tunelamento (que
permite movimentar átomos e observar densidade eletrônica),
com vários modos diferentes de obtenção de
imagem. Esta inovação inclui as noções
de fabricação molecular como por exemplo modificações
moleculares em polímeros condutores, nanotubos de carbono
(forma tubular de carbono com diâmetro tão pequeno
quanto 1 nm, que possui extraordinárias propriedades mecânicas
como tensão de ruptura 2000 GPa (Giga) contra MPa (Mega)
em aços, complexidade em sistemas nanoestruturados (auto-organização,
como as estruturas de uma asa de borboleta, quando ampliada como
mostrada na Fig.1), auto-replicação (sistemas
capazes de copiarem a si próprios e de, mais do que isso,
construírem outros produtos), comportamento fractal, reconhecimento
molecular (p. ex. receptores de importância na área
biomédica), nanodispositivos eletrônicos e optoeletrônicos.
Existe disponível na rede um material bibliográfico
muito completo sobre nanotecnologia e uma galeria de imagens e descrições
da maioria destes sistemas no site do Laboratório de Química
do Estado Sólido1
|
FIGURA
1: Asa da borboleta Morfo mostrando um sistema nanoestruturado
complexo e auto-organizado. A figura mostra o fenômeno de iridescência
(a luz branca é difratada nas camadas no material ordenado).
(adaptado de referência 2) |
Portanto,
a nanotecnologia pode ser vista como a criação de
materiais funcionais, dispositivos e sistemas através do
controle da matéria na escala de nanômetros, implicando
em sistemas que apresentem novos fenômenos e propriedades,
que são dependentes do tamanho, como a superplasticidade
devido à alta área superficial destas partículas.3
Para se entender idéias presentes em nanotecnologia é
importante que se entenda o que significa "nano", além
da comprreensão de química e física aplicada
a sistemas coloidais.
Nano
é um prefixo grego que significa "anão".
Um nanômetro é igual a 1 milionésimo de milímetro
ou 1 bilionésimo de metro. Para termos uma idéia de
que escala de comprimento estamos falando, um fio de cabelo possui
o diâmetro de 100.000 nm!! Átomos são cerca
de 1/10.000 do tamanho de uma bactéria e bactérias
são 1/10.000 do tamanho dos mosquitos. Esta noção
de escala pode ser melhor visualizada na Fig 2.4
|
FIGURA
2: Visualizando escalas de comprimento (adaptado de ref.4) |
Em
virtude de todo este quadro, há um corrente interesse em
materiais nanoestruturados devido ao seu potencial em várias
áreas científicas e tecnológicas, como catálise,
materiais optoeletrônicos, tribologia, liberação
controlada de fármacos e bioencapsulação. Hoje
em dia, este interesse envolve novos métodos de preparação,
como por exemplo a formação de nanopartículas
sólidas a partir da liofilização (congelamento
da dispersão e retirada do solvente com alto vácuo)
como no caso de polifosfato de alumínio, em meio aquoso,
utilizando componentes de sistemas estritamente inorgânicos.5
De
acordo aos documentos recentes da "American,Eurpean and the
APEC Center for Technology Foresight", o impacto da nanociência
e nanotecnologia beneficiou todas as áreas científicas
e tecnológicas conhecidas hoje, incluindo materiais e fabricações
na nanoeletrônica, dispositivos de informação
tecnológica, saúde, biotecnologia e agricultura, segurança
nacional, educação e a competitividade nacional. O
gráfico na Fig. 3, da APC ilustra como a ciência
evoluiu ao longo de décadas para permitir neste milênio,
o florescimento deste novo campo.6
|
FIGURA
3: A física, biologia e química se encontram na
Nanotecnologia |
Os investimentos dos Estados Unidos da America (USA) tem sido significativos
nos três últimos anos na Nanociência e Nanotecnologia.
A Tabela 1 compara esses valores com a Comunidade Européia
e Japão nos anos 2001. A comunidade Européia aplicou
em 2001 225 milhões e Japão 410 milhões de
dólares, entretanto a USA está na vanguarda dos orçamentos
aplicados nesta área.
Tabela
1. Fundo dos Estados Unidos da América aplicados em
nanotecnologia e nanociências
|
Milhões
de dólares |
2000 |
2001 |
2002 |
Valores
Totais de todos os organismos dos E.U.A |
270 |
422 |
604 |
Fundo
NSF |
97 |
150 |
199 |
Ciências
Biológicas
|
|
2,3 |
2,3 |
Computação/Cienc.
Inform/Eng 2,2 10,2 |
|
2,2 |
10,2 |
Engenharia |
|
55,3 |
86,3 |
Geociências |
|
6,8 |
6,8 |
Matemáticas/Ciênc.
Físicas |
|
83,1 |
93,1 |
|
Particularmente
no Brasil, que no passado sempre foi um espectador distante dos
grandes avanços tecnológicos, a mudança de
velhos paradigmas da ciência mundial e o total intercâmbio
tecnológico possibilitado pela rede mundial de computadores,
favoreceu o país, assim como outros países em desenvolvimento.
Neste contexto, o MCT/CNPq tomou a iniciativa, através de
um comitê de articulação para um Programa Nacional
de P&D em Nanociências e Nanotecnologias, de coordenar
ações que levassem a um apoio nesta área. Estes
esforços culminaram na existência de uma rede nacional
de pesquisadores nesta área (Tabela 2) (Fig.3).
Tabela
2 - Coordenadores em nanociência e nanotecnologia em 2002
(dados: CNPq) |
COORDENADORES |
INSTITUIÇÃO |
UF |
TÍTULO |
I.
J. R. BAUMVOL |
FÍSICA/UFRS |
RS |
MATERIAIS NANO-ESTRUTURADOS |
O.
M. L.MALTA |
CIÊNCIAS/UFPE |
PE |
NANOTECNOLOGIA |
MOLECULAR E DE
N.
DURÁN |
IQ/UNICAMP
NCA/UMC |
SP |
NANOBIOTECNOLOGIA |
E.F.
DA SILVA JR. |
FÍSICA/UFPE |
PE |
NANODISPOSITIVOS
SEMICONDUTORES |
Verbas: R$ 3,2 milhões ( para consolidação das redes).
Centro Nacional em nanotecnologia
são previstos entreUSD 200 e USD 300 milhões/10
anos |
|
Outros
programas do MCT como o Instituto do Milênio e o Instituto
da Nanociências, localizado em Belo Horizonte (Fig.4)
já foram estabelecidos.6
|
FIGURA
4. Mapa mostrando a localização das Redes e Institutos
de Nanociências |
Particularmente
no caso da Rede Nacional de Nanobiotecnologia, coordenada pelo Prof.
Dr. Nelson Durán do Departamento de Físico-Química
do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e Coordenador do Núcleo de Ciencias Ambientais
da Universidade de Mogi das Cruzes, o interesse está na utilização
de sistemas em liberação controlada de fármacos,
o que envolve um vasto campo de estudos e tem reunido muitos esforços,
atualmente.7,8 As instuições envolvidas
na rede são: UNICAMP, USP, UNB, EMBRAPA Instrumentação,
UFMG, UFRGS, UFSC, UFOP, UFRJ, UFPE, UFG, UFU, UEPG, USF, ÚNIV.
MOGI DAS CRUZES, UNESP, UFSCAR, EMBRAPA, FUNED, COPPETEC, IAC e
a Empresas privada FUNDAÇÃO BIOMINAS além de
algumas Instituições Internacionais.
O esforço
desta Rede está representado pela novas estratégias
para a veiculação de ingredientes ativos,9
os quais incluem aplicações importantes da ciência
de polímeros e de soluções de surfatantes e
o preparo de espécies coloidais (emulsões múltiplas
e inversas, microemulsões, lipossomas, micro e nanopartículas
biodegradáveis, micro e nanocápsulas), administração
de vacinas de DNA, além da utilização de ciclodextrinas
e técnicas transdérmicas.10
Antes
de considerarmos a evolução e a variedade destas estruturas,
particularmente das nanopartículas poliméricas, é
necessário avaliar a motivação que levou ao
uso de sistemas de liberação controlada e sustentada
de fármacos, freqüentemente descritos na literatura
como sistemas de liberação controlada ("drug
delivery systems"), os quais implicam em dispositivos dirigidos
a alvos específicos em organismos, sendo estes os campos
da nova área da nanotecnologia, denominada nanobiotecnologia.
A nanobiotecnologia
emvolve aspectos da combinação de pesquisas nas áreas
de "nanotecnologia" e "biomedicina" o que resultou
na "nanobiotecnologia" que envolve áreas como a
genômica, robótica, descoberta de novas drogas e processos
químicos.
Sistemas
de liberação controlada oferecem várias vantagens
quando comparados aos sistemas convencionais de administração
de fármacos. Nas formas de administração convencionais
(nebulização "spray", injeção,
pílulas) a concentração da droga na corrente
sangüínea apresenta um aumento, atinge um pico máximo
e então declina. Desde que cada droga possui uma faixa de
ação terapêutica acima da qual ela é
tóxica e abaixo da qual ela é ineficaz, os níveis
plasmáticos são dependentes das dosagens administradas.
Este fato é problemático se a dose efetiva estiver
próxima à dose tóxica. O objetivo dos sistemas
de liberação controlada é manter a concentração
do fármaco entre estes dois níveis por um tempo prolongado,
utilizando-se de uma única dosagem. A diferença de
concentração plasmática efetiva em função
do tempo, entre sistemas convencionais e de liberação
controlada, pode ser melhor visualizado na Fig. 5, a seguir.
11
|
FIGURA
5: Perfis de liberação de drogas em função
do tempo: convencional x controlada.(adaptado de referência
11) |
Do
ponto de vista do tratamento clínico, o controle de concentração
terapêutica é importante. Por exemplo, na administração
de analgésicos em pacientes com câncer terminal: nos
casos em que a concentração da droga estiver abaixo
da concentração terapêutica, o paciente experimentará
dor.
De fato, trabalhos recentes tratando de liberação
controlada têm fornecido numerosas evidências do seguinte:
a.
casos de um aumento na eficácia terapêutica, com liberação
progressiva e controlada do fármaco, a partir da degradação
da matriz e maior tempo de permanência na circulação;
b. diminuição significativa da toxicidade;
c. a natureza e composição dos veículos é
muito variada e, ao contrário do que se poderia esperar,
não há predomínio de mecanismos de instabilidade
e decomposição do fármaco (degradação
biológica p. ex. enzimas, pH e outros), sendo sua administração
segura (sem causar reações inflamatórias locais)
e conveniente ao paciente (menor número de doses);
d. existe a possibilidade de direcionamento a alvos específicos,
sem retenção significativa do fármaco;
e. tanto substâncias hidrofílicas (afinidade à
água) quanto lipofílicas (afinidade à solventes
não aquosos) podem ser incorporadas;
Portanto,
sistemas de liberação controlada representam um desenvolvimento
relativamente novo e, quanto à suas necessidades, têm
o objetivo de prolongar e melhorar o controle da administração
de fármacos.
O termo
nanopartículas aplicado à liberação
controlada de fármacos é amplo e refere-se a dois
tipos de estruturas diferentes, nanoesferas e nanocápsulas.
Denominam-se esferas aqueles sistemas em que o fármaco encontra-se
homogeneamente disperso ou solubilizado no interior da matriz polimérica
ou cerosa. Desta forma obtém-se um sistema monolítico,
onde não é possível identificar um núcleo
diferenciado. Nanocápsulas, ao contrário, constituem
sistemas reservatórios, onde é possível identificar-se
um núcleo diferenciado, que pode ser sólido ou líquido.
Neste caso, a substância encontra-se envolvida por uma membrana,
geralmente polimérica, isolando o núcleos do meio
externo. Uma ilustração destes sistemas de liberação
controlada está na Fig.6. 12
|
FIGURA
6: Ilustração de nanoesferas e nanocápsulas
(adaptado de referência 12) |
Há
alguns pontos nesta nova tecnologia que precisam ser amadurecidos
e pensados com cuidado. Por exemplo, a dificuldade de interrupção
da ação farmacológica de um medicamento administrado
via nanoesferas e o alto custo dos polímeros biodegradáveis.
Há também o risco de nanopatologia,13 designando
a presença de nanopartículas de natureza inorgânica,
em tecidos humanos que não são metabolizadas e tem
excreção dificultada levando a sintomas como febre,
hepatomegalia e acidose metabólica, o que nos obriga a rever
os conceitos de biodisponibilidade nestes sistemas. Questões
éticas em nanotecnologia e nanociência são importantes,
p. ex. nanosistemas que poderiam fugir ao nosso controle, entre
estas armas biológicas mais destrutivas que poderiam ser
construídas sob esta metodologia (bioterrorismo).
Nelson
Durán é pesquisador do Instituto de Química,
Laboratório de Química Biológica (Unicamp)
e do Núcleo de Ciências Ambientais da Universidade
de Mogi das Cruzes.
Marcelo
M. M. De Azevedo é pesquisador do Instituto de Química,
Laboratório de Química Biológica (Unicamp).
Bibliografia
1.http://lqes.iqm.unicamp.br/institucional/vivencia_lqes/vivencia_lqes_biblioteca_nanotecnologia.html.
2. http://www.mdic.gov.br/tecnologia/doc/livroverde/cap2.pdf.
3. Adamson, A. W. Physical Chemistry of Surfaces , Wiley: New Yok,
1990.
4. http://nanotec.rice.edu/intronanosci
acessada em setembro 2002.
5. Monteiro, V. A. R.; de Souza, E. F.; de Azevedo, M. M. M., Galembeck,
F.; J. Colloid Interf. Sci. 1999, 217, 237.
6.Gomes, A.S.; De Melo C.P. First Brazilian Winter School on Nanobiotechnology-Rede
Nanobiotec, Campinas - São Carlos - Ribeirão Preto,
Brasil, 2002, 1.
7. Lucinda-Silva, R. M.; Evangelista, R. C. First Brazilian Winter
School on Nanobiotechnology-Rede Nanobiotec, Campinas - São
Carlos - Ribeirão Preto, Brasil, 2002, 146.
8. de Azevedo, M. M. M.; de Oliveira, A. F.; Durán, N. First
Brazilian Winter School on Nanobiotechnology-Rede Nanobiotec, Campinas
- São Carlos - Ribeirão Preto, Brasil, 2002, 173.
9. Lima, K.M.; Rodrigues-Júnior, J. M. Braz. J. Med. Biol.
Res. 1999, 32, 171.
10. Yano, H.; Hirayama, F.; Kamada, M.; Arima, H; Uekama, K. J.
Control. Release. 2002, 79, 103.
11. http://www.drugdel.com/polymer.htm
12. http://www5.bae.ncsu.edu/bae/research,
acessada em setembro 2002.
13. Gatti, A.M.; Rivasi, F. Biomaterials 2002, 23, 2381.
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