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Admirável Nano - Mundo - Novo
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Aplicações tecnológicas dependem de investimentos privados
Nanotecnologia ainda não está no dia a dia das pessoas
Vantagens e riscos da nanotecnologia ao meio ambiente
Fabricação de nanoestruturas
Nos EUA, investimentos podem alcançar os do Genoma
Setor privado internacional é grande investidor
Aplicações militares estão sendo incentivadas no EUA
Nanotecnologia une diferentes visões de ciência
Artigos:
O que é nanotecnologia?
Cylon Gonçalves da Silva
Nanoredes
Marcelo Knobel
Nanotecnologia molecular e de interfaces
Oscar Loureiro Malta
Nanodispositivos semicondutores e materiais nanoestruturados
Eronides F. da Silva Jr.
Nanomagnetismo
Sergio Machado Rezende
Nanobiotecnologia e Saúde
Zulmira Lacava e Paulo Morais
Computação Quântica
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Nanociência e nanotecnologia
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Nanociência e nanotecnologia no LNLS
José A. Brum
Rede de pesquisa em nanobiotecnologia
Nelson Durán e Marcelo De Azevedo
Há mais espaços lá embaixo
Richard Feynman
Poema:
Pós-Realidade
Carlos Vogt
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Rede de pesquisa em nanobiotecnologia

Nelson Durán e
Marcelo M. M. De Azevedo

Os termos nanociência e nanotecnologia reúnem muitas idéias e procedimentos conhecidos (que já eram uma preocupação de muitos cientistas, como pode ser verificado na área de colóides e superfícies) com uma proposta de inovação tecnológica que auxilie e acompanhe todos os avanços científicos importantes hoje, utilizando ferramentas novas, anteriormente não disponíveis, que nos permitem ver as estruturas nanométricas e até movimentar átomos, por exemplo, as microscopias de força atômica (mostra detalhes topográficos em superficies) e de tunelamento (que permite movimentar átomos e observar densidade eletrônica), com vários modos diferentes de obtenção de imagem. Esta inovação inclui as noções de fabricação molecular como por exemplo modificações moleculares em polímeros condutores, nanotubos de carbono (forma tubular de carbono com diâmetro tão pequeno quanto 1 nm, que possui extraordinárias propriedades mecânicas como tensão de ruptura 2000 GPa (Giga) contra MPa (Mega) em aços, complexidade em sistemas nanoestruturados (auto-organização, como as estruturas de uma asa de borboleta, quando ampliada como mostrada na Fig.1), auto-replicação (sistemas capazes de copiarem a si próprios e de, mais do que isso, construírem outros produtos), comportamento fractal, reconhecimento molecular (p. ex. receptores de importância na área biomédica), nanodispositivos eletrônicos e optoeletrônicos. Existe disponível na rede um material bibliográfico muito completo sobre nanotecnologia e uma galeria de imagens e descrições da maioria destes sistemas no site do Laboratório de Química do Estado Sólido1

FIGURA 1: Asa da borboleta Morfo mostrando um sistema nanoestruturado complexo e auto-organizado. A figura mostra o fenômeno de iridescência (a luz branca é difratada nas camadas no material ordenado). (adaptado de referência 2)


Portanto, a nanotecnologia pode ser vista como a criação de materiais funcionais, dispositivos e sistemas através do controle da matéria na escala de nanômetros, implicando em sistemas que apresentem novos fenômenos e propriedades, que são dependentes do tamanho, como a superplasticidade devido à alta área superficial destas partículas.3 Para se entender idéias presentes em nanotecnologia é importante que se entenda o que significa "nano", além da comprreensão de química e física aplicada a sistemas coloidais.

Nano é um prefixo grego que significa "anão". Um nanômetro é igual a 1 milionésimo de milímetro ou 1 bilionésimo de metro. Para termos uma idéia de que escala de comprimento estamos falando, um fio de cabelo possui o diâmetro de 100.000 nm!! Átomos são cerca de 1/10.000 do tamanho de uma bactéria e bactérias são 1/10.000 do tamanho dos mosquitos. Esta noção de escala pode ser melhor visualizada na Fig 2.4

FIGURA 2: Visualizando escalas de comprimento (adaptado de ref.4)


Em virtude de todo este quadro, há um corrente interesse em materiais nanoestruturados devido ao seu potencial em várias áreas científicas e tecnológicas, como catálise, materiais optoeletrônicos, tribologia, liberação controlada de fármacos e bioencapsulação. Hoje em dia, este interesse envolve novos métodos de preparação, como por exemplo a formação de nanopartículas sólidas a partir da liofilização (congelamento da dispersão e retirada do solvente com alto vácuo) como no caso de polifosfato de alumínio, em meio aquoso, utilizando componentes de sistemas estritamente inorgânicos.5

De acordo aos documentos recentes da "American,Eurpean and the APEC Center for Technology Foresight", o impacto da nanociência e nanotecnologia beneficiou todas as áreas científicas e tecnológicas conhecidas hoje, incluindo materiais e fabricações na nanoeletrônica, dispositivos de informação tecnológica, saúde, biotecnologia e agricultura, segurança nacional, educação e a competitividade nacional. O gráfico na Fig. 3, da APC ilustra como a ciência evoluiu ao longo de décadas para permitir neste milênio, o florescimento deste novo campo.6

FIGURA 3: A física, biologia e química se encontram na Nanotecnologia


Os investimentos dos Estados Unidos da America (USA) tem sido significativos nos três últimos anos na Nanociência e Nanotecnologia. A Tabela 1 compara esses valores com a Comunidade Européia e Japão nos anos 2001. A comunidade Européia aplicou em 2001 225 milhões e Japão 410 milhões de dólares, entretanto a USA está na vanguarda dos orçamentos aplicados nesta área.

Tabela 1. Fundo dos Estados Unidos da América aplicados em nanotecnologia e nanociências
Milhões de dólares 2000 2001 2002
Valores Totais de todos os organismos dos E.U.A 270 422 604
Fundo NSF 97 150 199
Ciências Biológicas



2,3 2,3
Computação/Cienc. Inform/Eng 2,2 10,2 2,2 10,2
Engenharia 55,3 86,3
Geociências 6,8 6,8
Matemáticas/Ciênc. Físicas 83,1 93,1

Particularmente no Brasil, que no passado sempre foi um espectador distante dos grandes avanços tecnológicos, a mudança de velhos paradigmas da ciência mundial e o total intercâmbio tecnológico possibilitado pela rede mundial de computadores, favoreceu o país, assim como outros países em desenvolvimento. Neste contexto, o MCT/CNPq tomou a iniciativa, através de um comitê de articulação para um Programa Nacional de P&D em Nanociências e Nanotecnologias, de coordenar ações que levassem a um apoio nesta área. Estes esforços culminaram na existência de uma rede nacional de pesquisadores nesta área (Tabela 2) (Fig.3).

Tabela 2 - Coordenadores em nanociência e nanotecnologia em 2002 (dados: CNPq)
MOLECULAR E DE
COORDENADORES INSTITUIÇÃO UF TÍTULO
I. J. R. BAUMVOL FÍSICA/UFRS RS MATERIAIS NANO-ESTRUTURADOS
O. M. L.MALTA CIÊNCIAS/UFPE PE NANOTECNOLOGIA
N. DURÁN IQ/UNICAMP
NCA/UMC
SP NANOBIOTECNOLOGIA
E.F. DA SILVA JR. FÍSICA/UFPE PE NANODISPOSITIVOS
SEMICONDUTORES
Verbas: R$ 3,2 milhões ( para consolidação das redes).
Centro Nacional em nanotecnologia
são previstos entreUSD 200 e USD 300 milhões/10 anos

Outros programas do MCT como o Instituto do Milênio e o Instituto da Nanociências, localizado em Belo Horizonte (Fig.4) já foram estabelecidos.6

FIGURA 4. Mapa mostrando a localização das Redes e Institutos de Nanociências


Particularmente no caso da Rede Nacional de Nanobiotecnologia, coordenada pelo Prof. Dr. Nelson Durán do Departamento de Físico-Química do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Coordenador do Núcleo de Ciencias Ambientais da Universidade de Mogi das Cruzes, o interesse está na utilização de sistemas em liberação controlada de fármacos, o que envolve um vasto campo de estudos e tem reunido muitos esforços, atualmente.7,8 As instuições envolvidas na rede são: UNICAMP, USP, UNB, EMBRAPA Instrumentação, UFMG, UFRGS, UFSC, UFOP, UFRJ, UFPE, UFG, UFU, UEPG, USF, ÚNIV. MOGI DAS CRUZES, UNESP, UFSCAR, EMBRAPA, FUNED, COPPETEC, IAC e a Empresas privada FUNDAÇÃO BIOMINAS além de algumas Instituições Internacionais.

O esforço desta Rede está representado pela novas estratégias para a veiculação de ingredientes ativos,9 os quais incluem aplicações importantes da ciência de polímeros e de soluções de surfatantes e o preparo de espécies coloidais (emulsões múltiplas e inversas, microemulsões, lipossomas, micro e nanopartículas biodegradáveis, micro e nanocápsulas), administração de vacinas de DNA, além da utilização de ciclodextrinas e técnicas transdérmicas.10

Antes de considerarmos a evolução e a variedade destas estruturas, particularmente das nanopartículas poliméricas, é necessário avaliar a motivação que levou ao uso de sistemas de liberação controlada e sustentada de fármacos, freqüentemente descritos na literatura como sistemas de liberação controlada ("drug delivery systems"), os quais implicam em dispositivos dirigidos a alvos específicos em organismos, sendo estes os campos da nova área da nanotecnologia, denominada nanobiotecnologia.

A nanobiotecnologia emvolve aspectos da combinação de pesquisas nas áreas de "nanotecnologia" e "biomedicina" o que resultou na "nanobiotecnologia" que envolve áreas como a genômica, robótica, descoberta de novas drogas e processos químicos.

Sistemas de liberação controlada oferecem várias vantagens quando comparados aos sistemas convencionais de administração de fármacos. Nas formas de administração convencionais (nebulização "spray", injeção, pílulas) a concentração da droga na corrente sangüínea apresenta um aumento, atinge um pico máximo e então declina. Desde que cada droga possui uma faixa de ação terapêutica acima da qual ela é tóxica e abaixo da qual ela é ineficaz, os níveis plasmáticos são dependentes das dosagens administradas. Este fato é problemático se a dose efetiva estiver próxima à dose tóxica. O objetivo dos sistemas de liberação controlada é manter a concentração do fármaco entre estes dois níveis por um tempo prolongado, utilizando-se de uma única dosagem. A diferença de concentração plasmática efetiva em função do tempo, entre sistemas convencionais e de liberação controlada, pode ser melhor visualizado na Fig. 5, a seguir. 11

FIGURA 5: Perfis de liberação de drogas em função do tempo: convencional x controlada.(adaptado de referência 11)


Do ponto de vista do tratamento clínico, o controle de concentração terapêutica é importante. Por exemplo, na administração de analgésicos em pacientes com câncer terminal: nos casos em que a concentração da droga estiver abaixo da concentração terapêutica, o paciente experimentará dor.
De fato, trabalhos recentes tratando de liberação controlada têm fornecido numerosas evidências do seguinte:

a. casos de um aumento na eficácia terapêutica, com liberação progressiva e controlada do fármaco, a partir da degradação da matriz e maior tempo de permanência na circulação;
b. diminuição significativa da toxicidade;
c. a natureza e composição dos veículos é muito variada e, ao contrário do que se poderia esperar, não há predomínio de mecanismos de instabilidade e decomposição do fármaco (degradação biológica p. ex. enzimas, pH e outros), sendo sua administração segura (sem causar reações inflamatórias locais) e conveniente ao paciente (menor número de doses);
d. existe a possibilidade de direcionamento a alvos específicos, sem retenção significativa do fármaco;
e. tanto substâncias hidrofílicas (afinidade à água) quanto lipofílicas (afinidade à solventes não aquosos) podem ser incorporadas;

Portanto, sistemas de liberação controlada representam um desenvolvimento relativamente novo e, quanto à suas necessidades, têm o objetivo de prolongar e melhorar o controle da administração de fármacos.

O termo nanopartículas aplicado à liberação controlada de fármacos é amplo e refere-se a dois tipos de estruturas diferentes, nanoesferas e nanocápsulas. Denominam-se esferas aqueles sistemas em que o fármaco encontra-se homogeneamente disperso ou solubilizado no interior da matriz polimérica ou cerosa. Desta forma obtém-se um sistema monolítico, onde não é possível identificar um núcleo diferenciado. Nanocápsulas, ao contrário, constituem sistemas reservatórios, onde é possível identificar-se um núcleo diferenciado, que pode ser sólido ou líquido. Neste caso, a substância encontra-se envolvida por uma membrana, geralmente polimérica, isolando o núcleos do meio externo. Uma ilustração destes sistemas de liberação controlada está na Fig.6. 12

FIGURA 6: Ilustração de nanoesferas e nanocápsulas (adaptado de referência 12)


Há alguns pontos nesta nova tecnologia que precisam ser amadurecidos e pensados com cuidado. Por exemplo, a dificuldade de interrupção da ação farmacológica de um medicamento administrado via nanoesferas e o alto custo dos polímeros biodegradáveis. Há também o risco de nanopatologia,13 designando a presença de nanopartículas de natureza inorgânica, em tecidos humanos que não são metabolizadas e tem excreção dificultada levando a sintomas como febre, hepatomegalia e acidose metabólica, o que nos obriga a rever os conceitos de biodisponibilidade nestes sistemas. Questões éticas em nanotecnologia e nanociência são importantes, p. ex. nanosistemas que poderiam fugir ao nosso controle, entre estas armas biológicas mais destrutivas que poderiam ser construídas sob esta metodologia (bioterrorismo).

Nelson Durán é pesquisador do Instituto de Química, Laboratório de Química Biológica (Unicamp) e do Núcleo de Ciências Ambientais da Universidade de Mogi das Cruzes.

Marcelo M. M. De Azevedo é pesquisador do Instituto de Química, Laboratório de Química Biológica (Unicamp).


Bibliografia
1.http://lqes.iqm.unicamp.br/institucional/vivencia_lqes/vivencia_lqes_biblioteca_nanotecnologia.html.
2. http://www.mdic.gov.br/tecnologia/doc/livroverde/cap2.pdf.
3. Adamson, A. W. Physical Chemistry of Surfaces , Wiley: New Yok, 1990.
4. http://nanotec.rice.edu/intronanosci acessada em setembro 2002.
5. Monteiro, V. A. R.; de Souza, E. F.; de Azevedo, M. M. M., Galembeck, F.; J. Colloid Interf. Sci. 1999, 217, 237.
6.Gomes, A.S.; De Melo C.P. First Brazilian Winter School on Nanobiotechnology-Rede Nanobiotec, Campinas - São Carlos - Ribeirão Preto, Brasil, 2002, 1.
7. Lucinda-Silva, R. M.; Evangelista, R. C. First Brazilian Winter School on Nanobiotechnology-Rede Nanobiotec, Campinas - São Carlos - Ribeirão Preto, Brasil, 2002, 146.
8. de Azevedo, M. M. M.; de Oliveira, A. F.; Durán, N. First Brazilian Winter School on Nanobiotechnology-Rede Nanobiotec, Campinas - São Carlos - Ribeirão Preto, Brasil, 2002, 173.
9. Lima, K.M.; Rodrigues-Júnior, J. M. Braz. J. Med. Biol. Res. 1999, 32, 171.
10. Yano, H.; Hirayama, F.; Kamada, M.; Arima, H; Uekama, K. J. Control. Release. 2002, 79, 103.
11. http://www.drugdel.com/polymer.htm
12. http://www5.bae.ncsu.edu/bae/research, acessada em setembro 2002.
13. Gatti, A.M.; Rivasi, F. Biomaterials 2002, 23, 2381.

 
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Atualizado em 10/11/2002
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