Nanotecnologia
une diferentes visões de ciência
As
relações entre nanociência e nanotecnologia
reproduzem em nível nanométrico as mesmas relações
entre ciência básica e as aplicações
tecnológicas do conhecimento científico. Manipulando
átomos e moléculas, pesquisadores anunciam a possibilidade
de criar medicamentos mais eficazes, materiais mais resistentes,
computadores com maior capacidade de armazenamento e diversos benefícios
sócio-ambientais. "Saber é poder", lembrando
desta frase do filósofo inglês Bacon, Mauro Lúcio
Leitão Condé, professor do Curso de Especialização
em História da Ciência na Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), comenta que "a idéia moderna de ciência
como transformadora da natureza apresenta grandes implicações
econômicas e a nanotecnologia está neste epicentro".
Quando
se fala das pesquisas em nanotecnologia geralmente se distinguem
os objetos de estudo, as técnicas utilizadas e os diferentes
produtos que serão gerados (nanomagnetismo, metais ultrafinos,
drogas nanocristalinas, nanofibras poliméricas e outros).
Mas não são apenas estas as diferenças que
existem entre as pesquisas. Segundo Condé, existe também
uma diversidade de idéias sobre o que é o fazer científico,
presentes nos diferentes campos da nanotecnologia. "Neste século,
muitos pesquisadores ainda fazem ciência a partir do paradigma
clássico. A nanotecnologia, por exemplo, avança em
algumas direções, mas ainda permanece em parte presa
ao pensamento clássico quando o assunto é a racionalidade
científica e a fragmentação do conhecimento".
Ainda
existe a idéia da ciência como produtora de uma verdade
única e esta idéia ainda orienta a produção
de conhecimentos no campo científico, comenta Condé.
Porém, a maioria dos cientistas que trabalha com a matemática,
por exemplo, pensa a ciência como a busca por uma verdade
pontual, a busca pela resposta a certas perguntas, diz o pesquisador.
"A matemática define-se muito mais como uma atividade
de criação do que como de descoberta ou revelação",
conclui. A coexistência de pesquisas que se orientam por múltiplos
paradigmas da ciência - que marcaram os séculos XVII,
XIX e XX - é uma marca da produção científica
multidisciplinar, como a nanotecnológica. Walter Carnielli,
diretor do Centro de Lógica, Epistemologia e História
da Ciência (CLE), da Unicamp, comenta que "isso não
é um problema, não é erradode errado na coexistência
dos múltiplos paradigmas dentro da mesma comunidade científica,
mas é preciso perceber que existem diferenças que
têm que ser reconhecidas".
A nanotecnologia
agrega práticas e métodos das ciências naturais
e das ciências formais. As ciências formais independem
do empirismo, de laboratórios, de experimentação,
diferenciando-se das ciências naturais porque lidam com problemas
que "existem apenas na cabeça dos cientistas, não
têm substância, não se alimentam, são
feitos apenas de de hipóteses e de suas conseqüências",
comenta Carnielli. Os sistemas computacionais e os softwares são
produtos bastante interessantes das ciências formais. Recentemente,
a filosofia tem se dedicado a estudar os problemas que emergem das
ciências formais e que envolvem, entre outras áreas,
a matemática, as ciências cognitivas, a semiótica,
a semiologia e a lógica.
A lógica,
por exemplo, se transformou na linguagem básica das ciências
formais. Em outras áreas, como na física tradicional,
a linguagem utilizada baseia-se largamente no paradigma do cálculo
diferencial de Isaac Newton e Gottfried Leibniz do século
XVII, diz Carnielli. Essa mudança na linguagem produziu mudanças
também nos referenciais das pesquisas, que passaram a depender
de questões ligadas ao tempo, à sincronicidade e à
assincronicidade, aos agentes e à ética formal, e
às lógicas que investigam o que é crer e conhecere
o que é consistência e coerência. Todas estas
questões precisam ser pesquisadas e conhecidas para serem
criados os sistemas computacionais, explica Carnielli. E acrescenta
"um dos focos de estudo das ciências formais é
o que pode e o que não pode ser expresso por um sistema,
o que a matemática, a lógica, e emparticucular o computador
podem ou não expressar, ou seja, os limites que determinam
o campo da cientificidade".
O reconhecimento
do valor epistêmico dos sistemas computacionais tem sido cada
vez maior a partir de resultados apresentados por pesquisas como
as do campo nanotecnológico, que utilizam simulações
computacionais para demonstrar o comportamento de átomos
e moléculas. Pesquisadores da Unicamp e USP que descreveram
o comportamento dos átomos de nanofios de ouro - um material
estratégico para a fabricação de componentes
de computadores - alcançaram êxito e precisão
graças aos cálculos e simulações realizadas
em computadores. Além disso, conseguiram informações
inusitadas sobre a organização dos átomos,
tornando ainda mais expressiva a importância da simulação
por computadores. Ela têm, inclusive, antecipado a própria
experiência em grande parte das pesquisas. O uso dos produtos
das ciências formais - como os softwares - por pesquisas das
ciências naturais podem propiciar economia de tempo e dinheiro.
A inauguração
das ciências formais pode ser associada à emergência
da geometria não euclidiana de Lobachevsky-Bolyai-Gauss,
no século XIX. Essas ciências propõe objetos
desvinculados de uma realidade empírica, que "não
existiriam" se fossem levados em consideração
os referenciais antigos: uma reta que não é reta,
um círculo que não é redondo, retas tais que
por um ponto fora delas passa mais de uma paralela, ou nenhuma paralela,
comenta o filósofo. A física, somente muito tempo
depois, passou a utilizar a geometria não euclidiana. De
maneira análoga, o século XX concebeu as lógicas
não-clássicas. Carnielli conta que começou
estudando as lógicas não clássicas, que na
época eram consideradas as mais exóticas, "sempre
tive a crença de que algum dia isso seria importante, apesar
de parecerem naquele momento heterodoxias absurdas. Hoje, estas
lógicas são utilizadas na engenharia de software e
na teoria de bancos de dados. "O quanto dessa ciência
formal será possível utilizar e de que forma?",
pergunta Carnielli, para afirmar que essa é uma das inquietações
que movimenta hoje a filosofia das ciência formais.
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