Nanomagnetismo
Sergio
Machado Rezende
A palavra
magnetismo está associada ao fenômeno pelo qual um
ente tem o poder de atrair e influenciar outro ente. Sua origem
está ligada ao nome de uma cidade da região da Turquia
antiga que era rica em minério de ferro, a Magnésia.
A palavra surgiu na Antiguidade, associada à propriedade
que fragmentos de ferro têm de serem atraídos pela
magnetita, um mineral encontrado na natureza, de composição
química Fe3O4. Os fenômenos magnéticos
foram os primeiros a despertar a curiosidade do homem sobre o interior
da matéria. Os primeiros relatos de experiências com
a "força misteriosa" da magnetita, o ímã
natural, são atribuídos aos gregos e datam de 800
a.C. A primeira utilização prática do magnetismo
foi a bússola, inventada pelos chineses na Antiguidade. Baseada
na propriedade de uma agulha magnetizada em se orientar na direção
do campo magnético terrestre, a bússola foi importante
instrumento para a navegação no início da era
moderna.
Os
fenômenos magnéticos ganharam uma dimensão muito
maior a partir do século XIX, com a descoberta de sua correlação
com a eletricidade. Em 1820, o físico e químico Hans
Crhistian Oersted descobriu que uma corrente elétrica passando
por um fio também produzia efeito magnético, mudando
a orientação da agulha de uma bússola nas proximidades.
Mais tarde, o físico e matemático francês Andre
Ampère formulou a lei que relaciona o campo magnético
com a intensidade da corrente do fio. O efeito recíproco,
pelo qual um fio próximo de um ímã sofre a
ação de uma força quando atravessado por uma
corrente, foi descoberto logo em seguida. Pouco depois, em 1831,
Michel Faraday na Inglaterra e Joseph Henry nos Estados Unidos,
descobriram que um campo variável podia induzir uma corrente
elétrica num circuito. No final do século XIX estes
três fenômenos eram perfeitamente compreendidos e já
tinham inúmeras aplicações tecnológicas,
das quais o motor e o gerador elétrico eram as mais importantes.
Atualmente,
os materiais magnéticos desempenham papel muito importante
nas aplicações tecnológicas do magnetismo.
Nas aplicações tradicionais, como em motores, geradores,
transformadores, etc, eles são utilizados em duas categorias:
os ímãs permanentes são aqueles que
têm a propriedade de criar um campo magnético constante;
os materiais doces, ou permeáveis, são aqueles
que produzem um campo proporcional à corrente num fio nele
enrolado, muito maior ao que seria criado apenas pela corrente.
A terceira aplicação tradicional dos materiais magnéticos,
que adquiriu grande importância nas últimas décadas,
é a gravação magnética. Esta
aplicação é baseada na propriedade que tem
a corrente numa bobina, na cabeça de gravação,
em alterar o estado de magnetização de um meio magnético
próximo. Isto possibilita armazenar no meio a informação
contida num sinal elétrico. A recuperação,
ou a leitura, da informação gravada, é feita,
tradicionalmente, através da indução de uma
corrente elétrica pelo meio magnético em movimento
na bobina da cabeça de leitura. A gravação
magnética é a melhor tecnologia da eletrônica
para armazenamento não-volátil de informação
que permite re-gravação. Ela é essencial para
o funcionamento dos gravadores de som e de vídeo, de inúmeros
equipamentos acionados por cartões magnéticos, e tornou-se
muito importante nos computadores.
As
propriedades magnéticas das substâncias se devem a
uma propriedade intrínseca dos elétrons, seu spin
(palavra em inglês que significa girar em torno de si mesmo).
O spin é uma propriedade quântica do elétron,
mas pode ser interpretado, classicamente, como se o elétron
estivesse em permanente rotação em torno de um eixo,
como o planeta Terra faz numa escala muita maior. Como o elétron
tem carga, ao spin está associado um momento magnético,
o qual se comporta como uma minúscula agulha magnética,
tendendo a se alinhar na direção do campo magnético
a que está submetido. Nos átomos mais comuns o spin
total é nulo, pois os elétrons ocupam os orbitais
satisfazendo o princípio de Linus Pauling, ora com o spin
num sentido, ora no outro. Entretanto, para certos elementos da
tabela periódica, o spin total é diferente
de zero, fazendo com que o átomo tenha um momento magnético
permanente. Este é o caso dos elementos do grupo de transição
do ferro, como níquel, manganês, ferro e cobalto, e
vários elementos de terras raras, como európio, gadolínio,
etc. Os materiais formados por esses elementos ou suas ligas têm
propriedades que possibilitam suas aplicações tecnológicas.
O mercado mundial de materiais magnéticos e seus dispositivos
compreende, atualmente, cerca de 150 bilhões de dólares
por ano. Por essa razão, a pesquisa para seu aperfeiçoamento
é muito intensa em todo o mundo. Mas não é
apenas por sua importância tecnológica e econômica
que os materiais magnéticos concentram hoje intensa atividade
de pesquisa no mundo inteiro. O magnetismo dos materiais constitui
um dos campos de pesquisa básica mais férteis e ativos
da física, dada à imensa diversidade das suas propriedades
e dos fenômenos que neles são observados.
As
aplicações mencionadas são baseadas em propriedades
e fenômenos clássicos, todos conhecidos e compreendidos
desde o início do século XX. A evolução
tecnológica dessas aplicações ocorreu por causa
da descoberta de novos materiais, aperfeiçoamento das técnicas
de preparação, etc. Porém, nos últimos
15 anos, a pesquisa em materiais magnéticos ganhou um grande
impulso por conta de descobertas feitas com estruturas artificiais
de filmes muito finos. Os filmes finos podem ser preparados por
vários métodos diferentes, dependendo da composição,
espessura e aplicação. Todos eles se baseiam na deposição
gradual de átomos ou moléculas do material desejado
sobre a superfície de outro material que serve de apoio,
chamado substrato. A fabricação de filmes ultra-finos,
com espessuras da ordem ou fração de 1 nanômetro
( 1 nm = 10-9 m), tornou-se possível graças
à evolução das técnicas de alto vácuo.
Hoje é possível fabricar estruturas artificiais controlando
a deposição de camadas no nível atômico,
com alto grau de perfeição e pureza. É também
possível depositar sobre um filme com certa composição
química, outro filme de composição diferente.
Isto possibilita a fabricação de estruturas com propriedades
magnéticas muito diferentes das tradicionais, cuja compreensão
microscópica exige o conhecimento detalhado dos filmes, das
interfaces e das interações entre os átomos.
Estas estruturas compreendem filmes simples de uma única
camada magnética sobre um substrato, ou filmes magnéticos
e não-magnéticos intercalados, e também estruturas
com mais de uma dimensão na escala nanométrica, chamadas
nano-estruturas magnéticas de maiores dimensões.
A possibilidade
de se fabricar estruturas magnéticas artificiais na escala
nanométrica, tem levado ao surgimento de novas áreas
de pesquisa básica em magnetismo, estimuladas pela descoberta
de novos fenômenos. No movimento de um elétron atravessando
um filme grosso (com espessuras de 1 micrômetro ou mais),
ele sofre inúmeras colisões no trajeto, perdendo a
memória de seu spin. No entanto, ao atravessar um
filme de espessura nanométrica, ele preserva a orientação
original do spin. Isto dá origem a propriedades de
nano-estruturas magnéticas que não eram conhecidas
nos materiais. Um dos novos fenômenos mais importantes é
a magnetoresistência gigante, observada em multicamadas de
certos filmes magnéticos (como Fe, Co, Ni e suas ligas) intercalados
com filmes metálicos não magnéticos (como Cr,
Cu, Ru). Para certas espessuras dos filmes não-magnéticos,
da ordem de 1 nm, a resistência do sistema varia muito com
o campo magnético nele aplicado. Este fenômeno foi
descoberto em 1989, tendo como autor principal do trabalho original
o gaúcho Mario Baibich, professor da UFRGS (M.N. Baibich
et al., Phys. Rev. Lett. 61, 2472 (1988)). Este efeito permite
fabricar um sensor magnético de dimensões físicas
muito reduzidas, que ao ser atravessado por uma corrente elétrica,
desenvolve uma tensão elétrica que depende do campo
magnético. Além deste, vários outros fenômenos
foram descobertos nos últimos anos, tais como acoplamento
entre camadas vizinhas, transporte dependente de spin, efeito
túnel magnético, entre outros. Estes fenômenos
têm provocado o surgimento de um grande número de trabalhos
científicos que procuram caracterizar as propriedades dos
materiais, descobrir novos sistemas e fenômenos e entender
microscopicamente suas origens. Por outro lado, as diversas aplicações
desses fenômenos na eletrônica está dando origem
a um novo ramo da tecnologia, chamado spintrônica,
no qual as funções dos dispositivos são baseadas
no controle do movimento dos elétrons através do campo
magnético que atua sobre o spin.
Recentemente,
a tecnologia de leitura magnética foi revolucionada com a
introdução de cabeças magneto-resistivas, baseadas
no efeito de magneto-resistência gigante. Os avanços
tecnológicos nesta área são impressionantes.
Para exemplificar, a capacidade de gravação magnética
nos discos dos computadores que, em 1995 era de 1 Gigabits/polegada2,
com a introdução das cabeças de leitura de
magneto-resistência gigante, passou para 20 Gigabits/polegada2
em 2002, possibilitando fabricar disk-drives com capacidades
superiores a 100 Gigabits. Nos últimos dois anos ganhou força
a idéia de que será possível fabricar uma memória
RAM de efeito túnel magnético que venha substituir
as memórias de semicondutores atualmente utilizadas, com
a grande vantagem de ser não-volátil. Além
dessas aplicações, muitas outras estão sendo
pesquisadas com base em diversos dispositivos já produzidos
em forma de protótipos, como válvulas de spin,
transistor de spin etc. O Brasil participa deste esforço
com um contingente maior que 100 pesquisadores de todo o país,
que integram uma rede nacional de nano-magnetismo, apoiada pelo
CNPq, coordenada pelo Professor Marcelo Knobel, da Unicamp (veja
artigo). As atividades estão concentradas em pesquisa básica,
pois não há indústrias nessa área no
país. Em recente reunião realizada no CBPF no Rio,
os integrantes da rede discutiram com colegas do exterior muitas
possibilidades tecnológicas e esperam que o Governo Lula
implemente uma política industrial que estimule a pesquisa
tecnológica na indústria.
Sergio
Machado Rezende é Professor Titular de Física da UFPE
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