Computação
Quântica
Ivan
S. Oliveira
O tamanho dos componentes eletrônicos que representam bits
em chips de computadores vem sendo reduzido de maneira vertiginosa
desde os anos 50, e espera-se que até 2020 esse tamanho alcance
dimensões atômicas. Ou seja, se alcançará
o limite onde 1 bit de informação será representado
por apenas 1 átomo. Durante as décadas de 80 e 90
os físicos descobriram novas e fascinantes propriedades computacionais
que só podem existir nesse limite, graças às
Leis da Mecânica Quântica, a teoria física que
governa o comportamento de átomos e moléculas.
1.
Mundo Clássico vs. Mundo Moderno
Até o início do século XX os físicos
explicavam os fenômenos naturais utilizando como arcabouço
duas teorias de alcance extraordinário: a Mecânica
de Newton e o Eletromagnetismo de Maxwell. A primeira estuda o movimento
dos corpos, como a órbita de um cometa ou a trajetória
de um pêndulo, enquanto que a segunda trata de fenômenos
eletromagnéticos, tais como a luz ou ondas de rádio.
A Mecânica e o Eletromagnetismo formam os principais pilares
do que é conhecido como Física Clássica. Havia
naquela época uma crença de que essas duas teorias
seriam capazes de explicar todos os fenômenos observados na
natureza, restando apenas aos físicos aplicá-las corretamente
cada vez que um novo fenômeno fosse descoberto. Era o império
da Física Clássica.
No
entanto, duas grandes reviravoltas nessa maneira de pensar acabaram
por demolir a soberania da Física Clássica: a Teoria
da Relatividade e a Mecânica Quântica. A Relatividade,
formulada por Albert Einstein, é a parte da Física
que trata de fenômenos envolvendo objetos que se movem com
velocidades muito altas, próximas à velocidade da
luz (300 000 km/s), ou aqueles fenômenos envolvendo objetos
com massas astronômicas, como aglomerados, galáxias,
etc. A Mecânica Quântica, por sua vez, descreve o comportamento
de objetos com dimensões atômicas (0,0000000001 m)
e menores. A Mecânica Quântica se desenvolveu e se tornou
a mais bem sucedida teoria física, no que diz respeito às
previsões que faz para o comportamento da matéria.
Como alguns exemplos de grandes sucessos de aplicações
da Mecânica Quântica, podemos citar a descrição
do comportamento para os semicondutores, que são a base da
tecnologia dos chips dos computadores atuais, e também para
os supercondutores, materiais que conduzem corrente elétrica
sem dissipação de energia, e ainda a compreensão
da estrutura do núcleo atômico que possibilitou o uso
da energia nuclear em diversas aplicações.
2.
Computação Clássica
Paralelamente ao desenvolvimento da Mecânica Quântica,
uma outra revolução tomou corpo na década de
30, através principalmente do trabalho do matemático
e lógico inglês Alan Turing. Atendendo a um desafio
de um outro grande matemático da época, David Hilbert,
Turing criou um modelo computacional abstrato que se tornou um paradigma
de computação conhecido como Máquina de Turing.
Em última análise, uma máquina de Turing é
um aparato idealizado que opera com seqüências lógicas
de unidades de informação chamadas de bits
(do inglês binary digit). Um bit pode adquirir apenas
um dentre dois valores: "0" ou "1". Qualquer
informação é codificada e processada como uma
seqüência de 'zeros' e 'uns' em uma máquina de
Turing. Um computador, tal qual os que temos hoje sobre as nossas
mesas, é uma realização física de uma
máquina de Turing. Toda informação fornecida
a eles é lida, processada e retornada sob a forma de seqüências
de bits.
Por
serem idealizações matemáticas, máquinas
de Turing independem de quais objetos físicos irão
representar bits, bastando apenas que eles existam. Nos computadores
atuais, esses objetos são componentes eletrônicos que
existem aos bilhões dentro dos chips. A necessidade do aumento
de memória e da velocidade de processamento fizeram com que
os chips cada vez mais acomodassem um número maior desses
componentes. Em 1970, Gordon Moore, um dos fundadores da empresa
fabricante de microprocessadores Intel, percebeu que havia um crescimento
muito rápido no número de componentes por unidade
de volume nos chips ao longo dos anos e, consequentemente, uma redução
no "tamanho físico" dos bits. Traduzindo em números
de átomos necessários para representar um bit de informação,
podemos ter uma idéia dessa redução: em 1950
eram necessários cerca de 10^19 (10 elevado a
19) átomos para representar um bit. Atualmente são
"apenas" cerca de 10^9 (10 elevado a 9), uma
redução de 10 ordens de magnitude! Se aplicarmos a
Lei de Moore e fizermos uma projeção sobre os próximos
vinte anos, o resultado é algo espantoso: em 2020, um bit
de informação será representado por apenas
1 único átomo!
Aparentemente,
isto poderia significar o limite físico natural dos computadores.
Com 1 átomo representando 1 bit, não haveria mais
como aumentar a densidade de bits por chip e consequentemente não
seria mais possível aumentar a capacidade dos computadores.
No entanto, não é assim. De fato, algo muito mais
dramático do que uma mera limitação física
de memória deverá acontecer até 2020 e a razão
é bem simples: na escala atômica, o paradigma clássico
da Máquina de Turing deixa de ser válido, pois quem
governa os fenômenos físicos nessa escala é
a Mecânica Quântica, e os processos computacionais deverão
obedecer às leis dessa teoria física, e não
às regras de uma idealização matemática.
3.
Computação Quântica
Na escola aprendemos a calcular a posição, velocidade,
energia, etc. de objetos que se movem, aplicando as leis da Mecânica
de Newton. No mundo dos átomos e moléculas estas leis
não funcionam. Para descrever corretamente o comportamento
desses objetos, é preciso utilizar as leis da Mecânica
Quântica. Essa diferença tem conseqüências
dramáticas para a computação, e a razão
é a seguinte: os circuitos eletrônicos que representam
os bits de informação nos computadores atuais são
objetos clássicos, e portanto seguem as leis da física
clássica. Como conseqüência, cada bit em um computador
clássico só pode adquirir um dos valores, "0"
ou "1", que são, por sua vez, mutuamente excludentes.
Acontece que no mundo dos átomos, a Mecânica Quântica
nos ensina que os bits (que no caso quântico são chamados
de quantum-bits, ou qubits ) podem simultaneamente
adquirir os valores "0" e "1"! Esta propriedade
é chamada de superposição de estados quânticos,
e para entender o seu alcance, considere a seguinte analogia: suponha
que você tenha uma moeda e esteja brincando de "cara
ou coroa". Você joga a moeda para o alto e sabe que ao
cair no chão, o resultado será ou "cara"
ou "coroa", com probabilidade igual a 50% para cada lado.
Se a moeda fosse um objeto quântico, o resultado poderia ser
"cara", "coroa", ou qualquer superposição
dos dois, como se a moeda pudesse cair com as duas faces para cima
ao mesmo tempo! Se você atribuir o estado lógico "0"
para "cara" e "1" para "coroa", você
poderia, com uma moeda quântica, superpor os estados lógicos
que classicamente são excludentes.
Essa
estranha propriedade da superposição já foi
demonstrada muitas vezes em laboratórios de física
em todas as partes do mundo, e é uma verdade incontestável.
Para a computação, ela representa um ganho inimaginável
de velocidade de processamento, pois todas as seqüências
de bits possíveis em um computador poderiam ser manipuladas
simultaneamente. A demonstração mais espetacular deste
ganho de velocidade foi feita em 1993 por um cientista americano
chamado Peter Shor. Ele inventou um algoritmo quântico para
fatorar números grandes, um problema muito difícil
para computadores clássicos. A tabela abaixo mostra comparações
entre os tempos de fatoração necessários para
algoritmos clássicos e o algoritmo de Shor, em função
do tamanho do número a ser fatorado.
Comprimento
do número a ser fatorado (em bits) |
Tempo
de fatoração por algoritmo clássico |
Tempo
de fatoração com o algoritmo de Shor |
512 |
4
dias |
34
segundos |
1024 |
100
mil anos |
4,5
minutos |
2048 |
100
mil bilhões de anos |
36
minutos |
4096 |
100
bilhões de quatrilhões de anos |
4,8
horas |
A dificuldade
na fatoração de números grandes é a
base da segurança de mensagens criptografadas que viajam
todos os dias pela Internet levando informações secretas
(como números de cartões de créditos). O algoritmo
de Shor mostra que no dia em que um computador quântico for
ligado, nenhuma mensagem criptografada classicamente será
secreta.
Os
próximos 20 anos serão muito interessantes para a
computação.
Ivan S. Oliveira é pesquisador do Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas.
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